Deyse estacionou o carro atrás de um posto abandonado na saída da cidade, um daqueles lugares onde o mato engole o concreto e ninguém passa depois das seis da tarde. Era o esconderijo improvisado perfeito para analisarem os documentos sem chamar atenção.
Sabrina abriu a pasta com as mãos ainda trêmulas. As folhas amareladas estavam com manchas de umidade, mas o conteúdo… era nítido. E absurdo.
— Isso não parece coisa de empresa comum — murmurou Deyse.
Havia relatórios técnicos com cabeçalhos apagados, organogramas com nomes riscados, fotos borradas de prédios que pareciam centros de pesquisa. E no canto de uma das páginas, em letras vermelhas:
“Sigma - Fase 3: Controle biocomportamental por estimulação subliminar. Proibida divulgação.”
Sabrina sentiu um frio no estômago.
— O que diabos é isso? — perguntou, quase num sussurro.
Entre os papéis, havia também uma cópia de um e-mail enviado por seu pai, semanas antes do assassinato:
> De: roberto.martins@sigmatech.de
Para: destinatário apagado
Assunto: Não posso mais compactuar.
Se o que li hoje for verdade, então estamos brincando com coisas que não entendemos. Pessoas estão sendo afetadas. Comportamentos mudando. Não é só pesquisa — é controle.
Se algo me acontecer, investigue o que escondem no Arquivo Z.
Eles não podem continuar.
Deyse arregalou os olhos.
— Teu pai queria denunciar alguma coisa.
— E pagou com a vida. — Sabrina respondeu, a voz seca.
A pasta ainda continha uma foto. Era uma imagem aérea em preto e branco de uma instalação no meio de um campo aberto, cercado por árvores. No verso, escrito à mão:
“Erlensee – antigo abrigo militar – entrada subterrânea ativa.”
Sabrina repetiu o nome em voz baixa: Erlensee.
Deyse sacou o celular e procurou no GPS.
— Fica a menos de duas horas daqui... Mas não tem nada marcado no mapa. Como se o lugar não existisse.
Elas trocaram um olhar silencioso. Aquilo não era coincidência. Era um rastro — deixado pelo pai de propósito, no meio do caos. Um pedido de ajuda disfarçado.
Mas antes que pudessem discutir o próximo passo, o celular de Sabrina vibrou.
> 📲 Número desconhecido:
“Pare. Você está indo longe demais. Último aviso.”
O sangue dela gelou.
Deyse viu a tela e engoliu em seco.
— Sabrina…
— Eles sabem.
— A gente devia ir à polícia.
— E dizer o quê? Que achamos documentos secretos de um projeto apagado num porão abandonado?
Sabrina apertou o punho.
— A gente vai até Erlensee.
Deyse hesitou, mas não discutiu.
— Então a gente vai. Só não vamos sozinhas.
Eram 16h47 quando o carro de Deyse estacionou no acostamento de uma estrada esquecida no interior da Alemanha. O céu estava nublado, o ar úmido e pesado, e a floresta que cercava Erlensee parecia morta — como se o tempo não ousasse mais passar ali.
Nenhuma placa. Nenhuma casa. Só mato alto, ruídos de corvos e o som distante de folhas sendo pisadas por algum animal que nunca se mostrava.
— Tem certeza que é aqui? — Deyse sussurrou, como se falar alto pudesse acordar algo adormecido.
Sabrina olhava o mapa impresso da foto, marcando o ponto exato da instalação.
— Tem uma clareira a 200 metros. O abrigo militar fica embaixo dela. Ou deveria.
Elas caminharam com mochilas nas costas, pés afundando no solo encharcado. Quanto mais se aproximavam, mais Sabrina sentia uma pressão estranha no peito. Como se a floresta observasse. Como se aquele lugar soubesse que elas vinham.
A clareira surgiu de repente entre as árvores. Um círculo perfeito de terra escura, onde o mato não crescia. No centro, uma estrutura de concreto coberta por raízes, musgo e ferrugem. Quase invisível.
Uma porta de aço cravada no chão, com uma alça metálica.
— É aqui. — disse Sabrina, se ajoelhando.
— Parece selada há décadas.
Mas não estava.
Com um rangido gutural, a porta cedeu — e o cheiro que subiu foi como um soco: mofo, ferrugem, carne. Sabrina ligou a lanterna e apontou para a escuridão. Degraus de concreto desciam em espiral. Havia pegadas secas na poeira.
Recentes.
Deyse hesitou.
— Eu vou com você, mas se ouvirmos qualquer coisa...
— A gente corre. — completou Sabrina.
Elas desceram.
O interior do abrigo era um labirinto de corredores estreitos. Tubulações expostas. Goteiras. Salas com portas entreabertas e placas em alemão antigo. Mas em uma das portas, havia um símbolo pintado com tinta vermelha:
Σ — a letra grega sigma.
Sabrina empurrou.
A sala era pequena. Um escritório antigo, arquivos destruídos, computadores quebrados. Mas havia uma tela acesa no canto. Um monitor funcionando, sozinho, como se alguém o tivesse ligado recentemente.
Na tela, um vídeo em loop.
Um homem de jaleco, rosto coberto por sombras, dizia:
> — O experimento saiu do controle. Os testes no setor 4 provaram que a exposição prolongada altera não só a memória, mas também o comportamento moral. As vítimas perdem empatia. Tornam-se... obedientes.
— Roberto tentou avisar. Disse que era inaceitável. Que as vozes estavam ficando mais fortes. Disse que a filha ouvia também, mesmo sem saber.
Sabrina congelou.
— Ele... ele falou de mim.
A gravação continuava.
> — Se alguém estiver vendo isso, já é tarde. Eles estão em todos os níveis agora. A instalação foi lacrada. Mas nem tudo morreu aqui.
De repente, a tela tremeu e apagou. A sala mergulhou no escuro absoluto.
E então, lá fora, um barulho metálico.
A porta do abrigo se fechando sozinha.
Deyse gritou:
— A GENTE PRECISA SAIR AGORA!
Sabrina agarrou o HD que estava conectado ao computador, e elas correram pelos corredores escuros, ouvindo passos atrás de si — mas não como os de uma pessoa. Eram... descompassados. Irregulares. Quase animalescos.
Quando finalmente alcançaram a escada, a porta estava entreaberta. Elas subiram aos tropeços, jogaram o corpo pra fora e fecharam com força.
Silêncio.
Sabrina caiu de joelhos, ofegante, com o HD na mão.
— Agora a gente tem a prova.
Deyse não respondeu de imediato. Estava olhando para a floresta.
— Sabrina...
— O quê?
— Tem alguém lá.
Entre as árvores, parado, havia um homem de terno. Imóvel. Olhos fixos nelas.
E então ele sorriu.
E desapareceu.
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Atualizado até capítulo 95
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