Capítulo 2 - Nix

Palavras perdidas a muito tempo sussurram lentamente para mim

Mesmo assim não consigo encontrar o que me mantém aqui

Quando todo esse tempo estive tão vazia por dentro

HAUNTED — EVANESCENCE

A solidão da solitária havia deixado de ser castigo para se tornar companhia. O medo era um velho amigo, um parasita silencioso que rastejava pela espinha nas noites longas. Mas nada – nada – se comparava aos dias na cela coletiva, onde as detentas me olhavam como se eu fosse uma praga, um presságio, uma aberração.

— Levanta, lixo! — a carcereira me arranca dos meus devaneios, puxando meu cabelo como se fosse um pedaço de pano velho. — Parabéns, garota. Subiu de nível.

— Do que você tá falando? — encaro a mulher, sem desviar.

Ela arqueia uma sobrancelha, como se minha audácia fosse uma afronta.

— Vai ser transferida. Finalmente. Vai conhecer o verdadeiro inferno. O lugar que você realmente pertence.

Sem esperar resposta, ela me arrasta pelo braço para fora da cela apertada. Sinto os olhares das outras detentas queimando minhas costas enquanto passo. Algumas sussurram, outras desviam o olhar. Uma chega a recuar, como se minha sombra fosse contagiosa.

— Vai encarar? — murmuro para uma delas com um meio sorriso.

A mulher se encolhe como um cão acuado.

Meu nome ecoa nas paredes de Dédalo como um aviso:

Nix.

Sou levada para uma sala anexa, com cheiro de desinfetante vencido e ferrugem. A carcereira prende em mim as correntes mais grossas que já vi, nos pulsos e tornozelos. O metal morde minha pele.

— Vai colocar focinheira também? — digo, rindo de canto.

— Vai brincando mesmo, Nix... — ela murmura com desdém. — Logo você vai ver que esse seu sarcasmo não vai durar dois dias em Abaddon.

Abaddon.

O nome ressoa como trovão abafado no peito.

— Isabela Belamont — ela continua, lendo minha ficha. — A partir de agora, você não tem nome. É só Nix. Seu pseudônimo é sua única identidade. No lugar pra onde vai, nomes não são necessários. O caos te espera, as portas do Inferno finalmente se abriram para você.

Ela me encara, esperando reação. Eu apenas sorrio. Nada mais me assusta. Nem Deus. Nem o diabo. Já estive nos braços de ambos.

— Pronta?

— Nunca estive tão preparada.

Ela ri, seca. Então me empurra porta afora.

No pátio, outras detentas já estavam em fila, todas algemadas, olhos baixos, ombros caídos. Mas quando me aproximo, um silêncio gelado desce sobre o grupo. Uma mulher de cabelo curto recua instintivamente. Outra aperta os olhos, como se não quisesse ver.

Eu sinto.

Elas têm medo.

E esse medo me protege.

A agente do transporte surge e começa a chamada.

— Thanatos.

— Gamora.

— Nix.

….

Meu nome ecoa entre elas como uma maldição.

Caminho até o veículo sem hesitar, as correntes arrastando atrás de mim com um som metálico, grotesco, que parece marcar cada passo rumo ao desconhecido.

Eu fingi ser boa por muito tempo.

Agora eu aprendi a ser má.

******

A viagem parecia durar uma eternidade. O ônibus avançava por estradas que pareciam esquecidas até pelo tempo. As detentas ao meu redor estavam em silêncio — não o silêncio de paz, mas o silêncio de terror. Uma respiração pesada aqui, um tremor ali. Ninguém se atrevia a falar, especialmente comigo ao lado.

Senti os olhares de esguelha. Eles nunca me olhavam diretamente — olhavam como se eu fosse um animal selvagem prestes a morder. E era exatamente isso que eu queria.

Eu sou o medo delas.

Eu sou o que sussurram quando as luzes se apagam.

O ronco do motor era o único som constante. Algumas tentavam rezar baixinho. Outras choravam em silêncio, com lágrimas tão discretas quanto suas esperanças. Uma delas, uma garota magricela de cabelo raspado, olhava fixamente para mim. Nossos olhos se cruzaram por um segundo, e ela desviou na hora, se encolhendo contra o canto do banco.

Senti vontade de rir.

Não demorou muito até o cheiro de maresia invadir o veículo. O ônibus desacelerou, e logo sentimos o balanço suave de algo maior.

Havíamos embarcado em uma balsa.

— Estamos no mar? — alguém murmurou.

A agente da frente virou-se lentamente, com um sorriso sinistro.

— Não estão indo pra uma prisão... estão indo pro abismo.

O balanço da balsa aumentava a tensão. Ninguém sabia onde estávamos. Nenhuma de nós fazia ideia para onde íamos. E esse mistério... esse maldito silêncio... era pior do que qualquer grito.

Fechei os olhos.

Tentei me lembrar da última vez que senti sol de verdade no rosto.

Da última vez que sorri sem sangue nos lábios.

Mas tudo parecia tão distante... como se tivesse acontecido com outra pessoa.

Quando a balsa finalmente parou, o som metálico de correntes sacudindo tomou conta do espaço. Fomos ordenadas a levantar. Nossas correntes arrastavam-se pelo piso da balsa como o som de fantasmas acorrentados ao passado.

O portão de ferro da frente se abriu, e uma brisa gelada nos atingiu em cheio.

Diante de nós, erguia-se o Instituto Abaddon.

Muros altos, cobertos por arame farpado. Torres de vigilância em cada canto, com sentinelas armados. Câmeras. Holofotes. Um portão grosso de aço com trancas eletrônicas e sensores de movimento. Tudo ali gritava: “Você nunca mais vai sair daqui.”

Uma mulher alta, de postura imponente e olhar de pedra, nos esperava do outro lado do portão. Suas mãos estavam para trás, o uniforme impecável. Quando falava, sua voz cortava o vento como uma lâmina.

— Então... essas são as novas condenadas?

A agente ao nosso lado assentiu. A mulher avançou dois passos, os olhos nos examinando como quem avalia mercadoria danificada.

— Bem-vindas ao Instituto Abaddon. — sua voz ecoou pelo pátio. — Aqui, suas vidas terminam e suas almas são condenadas ao inferno.

Um arrepio percorreu a coluna das detentas. A garota do cabelo raspado começou a chorar baixinho.

— Vocês foram enviadas para cá porque são casos sem solução. Todas com prisão perpétua. Todas julgadas. Todas condenadas. Não há mais advogados, não há mais famílias. Não há mais futuro.

Ela nos dividiu com o olhar.

— Cada uma será encaminhada a um pavilhão. A primeira chamada irá para o A, a segunda para o B, e assim sucessivamente. Vocês se apresentarão sozinhas, passarão pela troca de uniforme, pela retirada das correntes e por uma vistoria. Amanhã às sete horas, todas devem comparecer ao Complexo Central para a reunião de boas-vindas com o Diretor Gregory.

A mulher então virou-se para a agente que nos acompanhava.

— Pode começar a chamada,Telles.

A carcereira, com uma prancheta em mãos, puxou a voz:

— Nix. Pavilhão A.

O som do meu nome fez as outras se encolherem. Um silêncio repentino tomou o grupo. Olhei ao redor. Todas desviaram o olhar.

Até aqui, eu sou o monstro.

E isso…

Me dá poder.

Segui para meu pavilhão sem hesitar. Nem um último olhar para trás.

Eu não sou Isabela Belamont.

Não mais.

Eu sou Nix.

*****

O corredor até o Pavilhão A era longo, mal iluminado e revestido por paredes de concreto sujo, manchadas por infiltrações e o que eu preferia acreditar ser apenas ferrugem.

O som das minhas correntes ecoava no silêncio pesado como um anúncio sombrio: ela chegou.

Uma agente me acompanhava em silêncio, mantendo a mão firme sobre a arma presa ao cinto. Não precisava, se eu quisesse matá-la, já teria feito. Mas não queria.

Quando a porta dupla enferrujada se abriu, um cheiro metálico de sangue misturado de urina me atingiu. O ambiente era úmido, abafado, um aquário de podridão humana. As celas se espalhavam por dois andares circulares, com grades negras e lanternas vermelhas que piscavam em algumas áreas, como olhos de alerta.

Várias detentas já estavam de pé atrás das grades, observando com olhares famintos, confusos, mas principalmente assustados. Uma delas soltou um assobio provocativo. Outras murmuraram entre si.

— É ela?

— Não pode ser.

— A Nix? A do Dédalo?

O medo era quase palpável. Eu podia tocá-lo, respirar o terror impregnado em suas pupilas dilatadas.

Eu sorri.

Apenas para provocar.

Apenas para lembrá-las que sim… sou eu.

Seguimos mais a frente até um lugar mais afastado, longe das celas.

— Aqui — disse a agente, me empurrando para uma porta lateral. — Troca de roupa.

Entrei em uma sala com paredes brancas frias, cheia de câmeras e dois agentes femininos me aguardando com luvas. Não disseram uma palavra enquanto tiravam minhas correntes, me despindo em silêncio profissional. Vasculharam cada centímetro do meu corpo como se procurassem por algum segredo enterrado na pele.

Mas meus segredos... estão mais profundos do que qualquer dedo poderia alcançar.

— Vira.

— Abre a boca.

— Agacha. Tosse.

A humilhação era um ritual. Um lembrete de que aqui você não é mais humana.

Depois me entregaram o uniforme: uma calça preta com o símbolo de Abaddon bordado em vermelho-sangue, uma blusa de mangas longas e tênis brancos, duros como pedra. Vesti-me sem dizer uma palavra.

Antes de sair da sala, uma das agentes me encarou por um longo momento.

— Se você aprontar aqui como fez no Dédalo… vai desejar estar morta. — disse ela com um sorriso tenso.

Me aproximei até nosso nariz quase se tocar.

— Ah, querida... eu desejo isso há muito tempo.

— sussurrei.

Ela se afastou com um leve tremor.

Fui conduzida até uma pré cela, só iria conhecer meu novo “refúgio” depois das apresentações do Diretor, no dia seguinte.

A porta de ferro se fechou atrás de mim com um baque ensurdecedor. O som de tranca ecoou como o anúncio de um destino selado.

Era isso.

Meu novo lar.

Meu caixão de concreto.

Era isso me tornei aquela que mais temia.

— Nix…

— A assassina de sangue-frio…

— A maldita filha do pastor…

As palavras me alcançavam como lâminas afiadas. Mas nenhuma cortava. Eu já era toda feita de cicatrizes.

Fechei os olhos.

Na solidão da cela, o silêncio era um velho amigo. Um com quem aprendi a conversar.

****

A sirene tocou alto no dia seguinte indicando que era hora de acordar. A porta da pequena cela se abriu e uma carcereira me levou até uma outra sala.

Depois de vestir o uniforme de cor desbotada e grosseira do Instituto, fui levada até meu dormitório. Para minha surpresa, o quarto era até... organizado. Quatro camas, duas de um lado e duas do outro lado da parede, e do lado oposto a porta uma janela pequena, protegida por grades grossas. Abaixo dela, uma mesa simples de madeira carcomida e uma cadeira.

Cada cama tinha duas gavetas grandes embaixo, onde fui instruída a guardar meus pertences — que se resumem à ficha criminal, um kit de higiene básico, shampoo, condicionador, escova, creme dental e perfume que trouxe da minha antiga penitenciária, três uniformes e um par de sapatos ruins.

O quarto estava vazio quando entrei, mas três das camas já tinham lençois esticados. Apenas a quarta, no canto mais escuro, me esperava com um lençol dobrado sobre o colchão.

No térreo do pavilhão recebi manual grosso com várias folhas com as regras, e tudo que eu precisava saber sobre o Instituto — em letras miúdas e ameaçadoras. Descobri que o local era dividido em três áreas principais: a feminina, a masculina e a social. Essa última me chamou atenção. Diferente do sistema anterior onde estive, aqui homens e mulheres convivem livremente na área social — que inclui refeitório, quadras, o pátio de sol e outras atividades. Todos os setores se interligam por caminhos e corredores, separados por grades eletrificadas e torres de vigilância.

A movimentação dentro do Instituto é “livre” das 7h às 20h — desde que se obedeçam todas as regras. Era bom demais para ser verdade, e eu sabia disso.

Horas depois, todos foram levados a um salão antigo, com teto alto, telhas quebradas e luz natural entrando pelas frestas. O lugar estava cheio. O diretor Gregory estava lá, um homem de meia-idade com um rosto sem vida e uma voz monótona que não parava de tagarelar.

O Instituto Abaddon tem cerca de cem anos de existência, e como percebi assim que saí da balsa, está localizado em uma ilha

completamente isolada do continente. O diretor fez questão de reforçar isso ao iniciar o discurso de boas-vindas.

— Como perceberam, estamos em uma ilha isolada. A balsa vem apenas 4 vezes ao mes, partindo pouco tempo depois, a seguranca do local e grande e reforcafa em noites de Inferno, então qualquer plano de fuga... é uma ideia, por assim dizer, idiota — diz ele com uma risadinha seca, como se todos nós fôssemos crianças estúpidas.

— Abaddon não é uma colônia de férias. Aqui, vocês terão uma rotina rígida. Respeitem os líderes de setor, as escalas de trabalho e os horários de deslocamento...

— Bla, bla, bla. Quem ele quer enganar? Viemos para cá pra morrer! Podia ao menos mudar o discurso — grita uma garota ao meu lado, interrompendo o monólogo entediante.

O salão silencia por um segundo. O diretor não perde a compostura.

— Obrigado por sua observação, Veleno. Mas acredito que todos aqui já sabiam disso. Afinal, são delinquentes condenados à prisão perpétua — diz, com aquele tom sarcástico que me dá vontade de vomitar — Como eu dizia, os detentos novos serão responsáveis pela limpeza do Instituto. A líder de setor informará suas tarefas diárias.

Ouvi na noite anterior que onze pessoas chegaram na mesma balsa que eu — cinco mulheres e seis homens. A reunião parecia se destinar especialmente a nós, os novatos. Mas o lugar tinha muito mais pessoas, talvez todos dos pavilhões ou algo do tipo.

Abaddon era uma penitenciária grande porém para segurança do local, cada pavilhão tinha poucos detentos, ao menos foi que ouvi.

— E aí, novata — murmura a mesma garota, virando o rosto em minha direção. — Eu sou Veleno — ela estica a mão, o cabelo ruivo bagunçado preso num coque improvisado, a garota é linda, tem um corpo perfeito e usa roupa diferente dos demais.

Ignoro. Qualquer laço aqui dentro é uma corrente em volta do pescoço. Somos todos fantasmas em contagem regressiva.

— Ei? É surda? — ela insiste, irritada.

Respiro fundo e, contra a vontade, respondo:

— Me chamo Nix.

Ela sorri de lado, como se já estivesse me analisando.

O discurso continua por mais alguns minutos até que, finalmente, o diretor conclui:

— Dito isso, podem seguir ordenadamente para o refeitório.

A multidão começa a se mover. Os primeiros raios de sol atravessam o salão, revelando ainda mais a decadência do prédio. Saímos em silêncio. Não há esperança nos olhos de ninguém.

O refeitório é imenso e barulhento. O cheiro é um misto de desinfetante vencido com comida velha. Pego minha bandeja, recebo uma porção grotesca de algo pastoso e me dirijo a uma mesa vazia no fundo. Sento, mastigo a gororoba sem pensar, e dou uma mordida numa maçã estranhamente doce. Não tenho tempo para frescura. Comer qualquer coisa, dormir em qualquer canto e ignorar cheiro de sangue ou mofo é algo que aprendi desde criança.

Então um grupo chega.

Cinco garotas — uma delas à frente, com longos cabelos cacheados, pele clara e olhos perigosos.

— Ei?! — diz ela, cruzando os braços.

Olho de canto de olho e continuo comendo.

— Garota, é surda?! — grita outra, uma morena de olhar ácido. — Esse é o nosso lugar! Sabe quem somos?

— Tem espaço suficiente para todas — respondo calmamente, mordendo mais um pedaço da maçã.

— Você é burra, é? Esse lugar é nosso! Sai daí agora antes que a coisa fique feia pra você!

— Nem pensar. Eu não saio daqui.

A garota contorna a mesa e me cutuca no ombro. O ódio me sobe como ácido.

— Levanta agora — ela grita mais uma vez, me cutucando com força.

Levanto em silêncio. Em um movimento rápido, seguro sua nuca e lanço a cabeça dela contra a mesa. Um estalo seco. O som do nariz dela se partindo ecoa pelo refeitório.

Silêncio. Total.

Ela cai no chão, gritando de dor. Ergo minha bandeja e despejo os restos de comida sobre a cabeça dela.

— Fique com a merda da sua mesa e coma minhas sobras, vaca maldita!

Gargalho alto, completamente entregue ao caos.

Um guarda me joga no chão com brutalidade. Outro já se aproxima agarrando meus braços.

Uma carcereira se destaca entre os gritos dos outros detentos. Ela caminha até mim, os olhos fixos.

— Então você é a tal da Nix... Sabia que ia me dar trabalho, mas não imaginei que seria tão rápido. Levem-na para o Anti Purgatório.

Sinto o impacto da bota no meu rosto. O gosto de ferrugem inunda minha boca. E depois... nada.

****

Quando desperto, o mundo ao meu redor parece feito de pedra e podridão. A escuridão me engole inteira. Cada som se amplifica, como se o silêncio gritasse. O frio se infiltra pela roupa fina e gruda nos ossos. Meu rosto pulsa de dor, e o gosto de ferrugem ainda está presente na minha boca, passo os dedos sentindo um corte fino proximo as labios.

O teto da cela é baixo, e as paredes estão encharcadas de umidade. Há fungos espalhados pelos cantos, e um cheiro pútrido invade minhas narinas. Tento levantar, mas o corpo dói. Uma silhueta se forma do lado de fora das grades — uma mulher alta, de postura rígida, cabelos presos num coque apertado e expressão de desdém esculpida no rosto.

— Pequena Nix... — ela diz com falsa doçura. — Tem sorte de as regras do Instituto não me permitirem dar o castigo que você merece. Por enquanto, vai apodrecer aí dentro sem comida ou água por quarenta e oito horas.

— Só isso? Estão me premiando por bater em vadias? — cruzo os braços e a olho com deboche.

Ela sorri, e é como ver um animal faminto mostrando os dentes.

— Seu olho está horrível, mas vai sobreviver. Infelizmente.

Mordo o lado interno da bochecha para não responder. O gosto de sangue se mistura com a saliva. Olho ao redor e percebo a imundície da cela — sem cama, sem cobertor, sem privada.

— Onde eu vou urinar? — pergunto com desprezo, sabendo que a resposta não será boa.

— Adivinha — ela responde, e ri como uma louca antes de desaparecer no corredor.

Sozinha.

O silêncio pesa. As goteiras caem ritmadas. A pedra sob mim é dura e molhada. Não há conforto. Não há trégua. Não há misericórdia.

A dor no rosto se intensifica. O olho esquerdo provavelmente está roxo, inchado. Me deito devagar, sentindo o coração bater no ritmo da raiva. O tempo aqui não passa — ele se arrasta, retorcendo a sanidade com cada minuto.

Meus pensamentos me levam a lugares perigosos. À infância. Ao armário onde me escondia. Aos gritos do meu pai. Às orações ensanguentadas que ele fazia em nome de um Deus que não escutava. Às primeiras vezes em que imaginei me dissolver em dança, como fuga, como sobrevivência.

Mas aqui, não há fuga.

Depois de um tempo que não sei medir, ouço passos suaves. alguém caminha devagar. Não é a mulher de antes. Os passos são seguros.

Me aproximo das grades, encostando os dedos frios no ferro.

Do outro lado, há uma cela. E dentro dela, uma figura masculina encostada na parede. Está sentado, com a cabeça abaixada, os cotovelos apoiados nos joelhos. Seu rosto está na sombra, e o cabelo cai sobre a testa em ondas desordenadas.

— Para alguém tão miúda você realmente gosta de caos, não é?

Ele não se move.

— Quem é você? Tem nome? — digo, tentando parecer firme. — Ou isso é só mais uma ilusão do inferno?

Silêncio. Até que ele ergue lentamente o rosto. Não consigo ver com clareza, mas percebo que está sorrindo — um sorriso pequeno, enigmático.

— Aqui... nomes não são importantes — diz por fim, a voz rouca e grave, com um tom que arrepia a espinha.

— Mesmo assim — insisto — eu gosto de lembrar que ainda sou alguém ou alguma coisa. Me chamam de Nix.

Ele se inclina para frente. A luz fraca de uma fresta bate em seu perfil, revelando traços finos, um queixo marcado por cicatrizes, e olhos que não denunciam emoção alguma.

— Me chamam de Scorpion — diz com um sussurro.

O nome ecoa na minha mente. Scorpion. Um nome que parece mais um aviso do que uma identidade.

— Por que esse nome?

Ele dá uma risada seca. — Porque me acham extremamente perigoso e mortal.

Não sei o que responder. Fico encarando aquela sombra com olhos que ainda ardem. Ele é jovem, mas seu olhar parece velho. Marcado. Quebrado de um jeito familiar.

— Você é nova aqui — afirma, como se estivesse me examinando.

— Perceptivo — digo, sentando no chão gelado.

— Acho que você vai gostar de Abaddon.

— Acredite, já estou me sentindo em casa.

Ele ri baixo, e por um instante, não parece tão ameaçador. Há algo nele que me atrai. Algo que me assusta também. Como se ele soubesse segredos que eu nunca quis descobrir.

— Não tente resistir ao que esse lugar faz com você — diz. — Só torna tudo pior.

— E o que ele fez com você, Scorpion?

Ele se levanta, andando até as grades da própria cela. As correntes em seus pulsos fazem um som metálico.

— Ele matou tudo que ainda havia de bom — responde, encarando-me por entre as sombras.

— E o pouco que restou... aprendeu a sobreviver.

Me arrepio.

Aquela frase parece ter sido escrita para mim.

— Bem-vinda ao inferno, Nix — ele diz, voltando para a escuridão. — Espero que goste do cheiro da sua alma queimando. Eu já me acostumei com o cheiro da minha.

Fico ali, sentada na pedra fria, enquanto a dor pulsa e o nome Scorpion queima como um aviso dentro de mim.

Ele não é um amigo. Ele não é um inimigo.

Ele é um reflexo.

E isso é mais assustador do que qualquer demônio.

Capítulos
1 Dedicatoria e Notas da autora
2 Prólogo
3 Capítulo 1 - Isabela
4 Capítulo 2 - Nix
5 Capítulo 3 - Nix
6 Capítulo 4 - Isabela
7 Capítulo 5 - Nix
8 Capítulo 6 - Nix
9 Capítulo 7 - Nix
10 Capítulo 8 - Scorpion
11 Capítulo 9 - Nix
12 Capítulo 10 - Scorpion
13 Capítulo 11- Scorpion
14 Capítulo 12 - Nix
15 Capítulo 13 - Nix
16 Capítulo 14 - Nix
17 Capítulo 15 - Nix
18 Capítulo 16 - Scorpion
19 Capítulo 17 - Scorpion
20 Capítulo 18 - Nix
21 Capítulo 19 - Scorpion
22 Capítulo 20 - Isabela
23 Capítulo 21 - Nix
24 Capítulo 22 - Scorpion
25 Capítulo 23 - Nix
26 Capítulo 24 - Nix
27 Capítulo 25 - NIX
28 Capítulo 26 - Nix
29 Capítulo 27 - Scorpion
30 Capítulo 28 - Scorpion
31 Capítulo 29 - Isabela
32 Capítulo 30 - Nix
33 Capítulo 31- Scorpion
34 Capítulo 32 - Nix
35 Capítulo 33 - Nix
36 Capítulo 34 - Scorpion
37 Capítulo 35 - Simon
38 Capítulo 36 - Scorpion
39 Capítulo 37 - Scorpion
40 Capítulo 38 - Nix
41 Capítulo 39 - Nix
42 Capítulo 40 - Scorpion
43 Capítulo 41 - Nix
44 Capítulo 42 - Nix
45 Capítulo 43 - Nix
46 Capítulo 44 - Nix
47 Capítulo 45 - Scorpion
48 Capítulo 46 - Scorpion
49 Capítulo 47 - Nix
50 Capítulo 48 - Nix
51 Capítulo 49 - Scorpion
52 Capítulo 50 - Nix
53 Capítulo 51- Scorpion
54 Capítulo 52 - Scorpion
55 Capítulo 53 - Nix
56 Capítulo 54 - Loki
57 Capítulo 55 - Scorpion
58 Capítulo 56 - Nix
59 Capítulo 57- Nix
60 Capítulo 58 - Nix - Último Capítulo
Capítulos

Atualizado até capítulo 60

1
Dedicatoria e Notas da autora
2
Prólogo
3
Capítulo 1 - Isabela
4
Capítulo 2 - Nix
5
Capítulo 3 - Nix
6
Capítulo 4 - Isabela
7
Capítulo 5 - Nix
8
Capítulo 6 - Nix
9
Capítulo 7 - Nix
10
Capítulo 8 - Scorpion
11
Capítulo 9 - Nix
12
Capítulo 10 - Scorpion
13
Capítulo 11- Scorpion
14
Capítulo 12 - Nix
15
Capítulo 13 - Nix
16
Capítulo 14 - Nix
17
Capítulo 15 - Nix
18
Capítulo 16 - Scorpion
19
Capítulo 17 - Scorpion
20
Capítulo 18 - Nix
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Capítulo 19 - Scorpion
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Capítulo 20 - Isabela
23
Capítulo 21 - Nix
24
Capítulo 22 - Scorpion
25
Capítulo 23 - Nix
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Capítulo 24 - Nix
27
Capítulo 25 - NIX
28
Capítulo 26 - Nix
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Capítulo 27 - Scorpion
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Capítulo 28 - Scorpion
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Capítulo 29 - Isabela
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Capítulo 30 - Nix
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Capítulo 34 - Scorpion
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