Prólogo

(Estou cansado de ser o que você quer que eu seja)

Me sentindo tão sem esperança, perdido abaixo da superfície

Eu nao sei o que você está esperando de mim

Me pressionando para seguir seus passos

(Apanhado pela corrente, simplesmente apanhado pela corrente)

NUMB — LINKIN PARK

O choro cortava o ar espesso dos corredores como uma navalha enferrujada, ecoando entre as paredes sombrias e frias do hospital psiquiátrico.

— Papai, por favor! Não me deixe aqui! Eu juro que vou me comportar... Eu prometo, papai... por favor... — minha voz mal saía, desfigurada pelas lágrimas e pelo medo.

— É pro seu bem, Bela. — foi a única coisa que ele disse, antes da porta de ferro ranger e se fechar atrás dele com um estrondo seco que calou minha alma.

Minhas pernas falharam. Eu tentei correr, juro que tentei. Mas os dois homens com sorrisos tão vaziquanto os seuseus olhos me arrastaram como se eu fosse apenas um saco de ossos. Estava presa numa camisa de força, e os gritos que saíam de mim não tinham mais volume. Apenas ecoavam dentro da minha cabeça.

Uma mulher caminhava à frente com um molho de chaves pendurado no avental branco, como uma carcereira de um inferno particular. Ela usava uma touca branca no cabelo e tinha as mãos manchadas de cicatrizes. Olhava para frente, sem emoção alguma.

Chegamos a uma porta de ferro enferrujada com uma janelinha gradeada. Sem dizer nada, a mulher abriu a cela. Os homens me soltaram da camisa de força e me jogaram para dentro como se eu fosse lixo.

O chão era gelado. O ar, mofado. O odor de urina, fezes e desespero impregnava cada centímetro daquele cubículo. As paredes estavam cobertas por manchas escuras de mofo, e ao fundo havia uma pia trincada e uma privada suja. Com janelas estreitas cobertas por madeiras e pregos. Apenas um colchão velho.

E nada mais.

— Por favor, não me deixem aqui. Eu tenho medo do escuro. Eu prometo... prometo que vou obedecer... — meus soluços se misturavam ao som dos meus próprios joelhos batendo no chão.

— Quem está com a ficha dessa? — a voz da mulher era áspera, sem um pingo de compaixão.

— Aqui — respondeu um dos homens, entregando os papéis.

Mesmo com meu tamanho pequeno e a dor pulsando nos dedos, me apoiei nas grades da janelinha para tentar ver algo do corredor.

— Isabela Belamont. Dez anos. Crises agressivas, a garota vê coisas e tem atos de violência... — a mulher leu em voz alta, rindo ao enfatizar — Awn, chorando? Nem parece a pequena insana que colocaram na ficha.

— Eu prometo... eu prometo ser boa. Por favor, tirem-me daqui... — minha voz falhava.

Sem aviso, senti uma dor aguda. Ela bateu nos meus dedos com um objeto duro, talvez uma tranca. Senti o sangue escorrer.

— Quieta, sua pestinha! Acha que eu acredito nessa cara de anjo? O Doutor Winskou vai adorar você. Vou agendar sua consulta para amanhã.

Os passos dela ecoaram pelo corredor até desaparecerem. Fiquei ali, caída no chão sujo, sem forças para cuidar dos dedos machucados. Apenas abracei minhas pernas e chorei.

Sozinha.

No escuro.

Eu sou suja.

Minha alma é suja.

Desobediente. Inútil. Insuportável.

“Quem mandou mexer onde não devia? Quem mandou xeretar onde não foi chamada?”

As palavras do meu pai se repetiam na minha mente como um disco arranhado.

O tempo perdeu sentido. Adormeci sem perceber e acordei com o frio me consumindo. Minhas roupas estavam molhadas, o cheiro de mofo me enjoava. Encostei-me à parede, encolhida. O silêncio me aterrorizava.

Então, ouvi.

— Acorda. — uma voz dura, feminina.

Um chute nas pernas me fez gritar e abrir os olhos.

— Vamos, menina. Você tem consulta com o doutor. — ela me puxou pelo braço. — Se resistir, vai ser pior.

A mulher do dia anterior caminhava à frente. O mesmo homem de antes me segurava com força.

Caminhamos até um hall iluminado. Um contraste cruel com o lugar onde eu estava. Havia cadeiras, uma recepção organizada, quadros nas paredes. Por um segundo, achei que talvez, só talvez, as coisas fossem melhorar.

— Isabela Belamont, a garota de ontem. — A mulher disse para a secretária, que apenas assentiu e nos encaminhou para uma das salas.

Lá dentro, um homem magro, de barba espessa e óculos retangulares, leu minha ficha sem sequer me olhar.

— O pai autorizou o tratamento? — ele perguntou, frio.

— Sim, doutor. Disse que ela é impossível. Ameaçou agredi-lo ontem. — a mulher respondeu com indignação falsa.

— Começaremos com eletrochoque. Uma pena... tão bonita. Prova de que a loucura não escolhe rosto. — ele murmurou, assinando um papel.

Naquela manhã, não me alimentaram.

******

Vieram cedo, antes do sol nascer. A luz do corredor mal atravessava a pequena fresta da minha cela. Estava escuro, e fazia frio. Sempre fazia frio ali dentro. Mas, naquele dia, parecia mais. Como se o próprio mundo tivesse gelado por dentro.

— Vamos, Isabella. Está na hora. — disse a mulher de jaleco. Ela falava meu nome como se estivesse chamando um cachorro.

Tentei me encolher no canto da cela. Meus braços estavam cheios de hematomas da última tentativa de fugir. Eles disseram que se eu fosse "boazinha", não ia doer. Mas nada ali dentro era verdade.

Ela entrou acompanhada de um homem alto, de olhos apagados e voz firme. Segurou meu braço com força e me puxou de pé. Cambaleei, tonta, fraca. Não conseguia pensar direito. Tinha passado a noite acordada, tremendo, com medo do que aconteceria. Algo dentro de mim dizia que aquele dia ia ser diferente. Que ia deixar uma marca mais funda que todas as outras.

E deixou.

Me levaram para uma sala que cheirava a ferro e desespero. Havia uma cama estreita no centro, com cintos de couro. Ao lado, uma máquina que fazia um som constante, como se estivesse viva. Um zumbido mecânico, ameaçador.

— Ela vai gritar? — perguntou o homem.

— As primeiras vezes, sempre. Depois acostuma. — respondeu a enfermeira.

Fui colocada na cama à força. Os cintos apertaram meus pulsos, meus tornozelos, minha barriga. Tentei lutar. Tentei implorar. Mas tudo o que saiu da minha boca foi um som rouco, quebrado.

Um segundo homem entrou com algo nas mãos. Um pedaço de borracha.

— Abre a boca.

Balancei a cabeça em negação, desespera.

— ABRE! — gritou, enfiando à força o pedaço entre meus dentes.

Quase engasguei.

E então… os eletrodos.

Colocaram um em cada lado da minha cabeça. O metal estava frio, como se tivesse acabado de sair de um congelador. Senti o couro cabeludo arder com o contato.

O som da máquina aumentou. Um estalo.

E depois… o inferno.

Não há como descrever o que o corpo sente quando a eletricidade entra sem aviso. É como se todas as células gritassem ao mesmo tempo. Como se o cérebro implodisse por dentro.

Meu corpo se arqueou sozinho. Os músculos se contraíram com uma força que não era minha. Meus olhos reviraram. E mesmo com a borracha, eu gritei. Gritei até minha garganta sangrar por dentro. Tudo se apagava e voltava, apagava e voltava. Uma luz branca explodindo atrás das pálpebras.

Me molhei de medo. Me mordi. Senti gosto de sangue.

E por fim… nada.

*****

Acordei em minha cela, comitada, suja, com gosto metálico na boca. Os músculos doíam como se eu tivesse lutado contra demônios. A cabeça latejava. E o mais terrível: Eu não lembrava do meu nome por alguns segundos.

Só a dor era familiar.

Chorei como se minha alma estivesse em pedaços.

De repente escutei.

— Você sobreviveu. — a voz era fraca, rouca um sussurro vindo da cela ao lado.

Me arrastei até a porta, colando o rosto contra a divisória gelada.

— Quem é você? — Minha voz era apenas ar.

Silêncio.

E então:

— Simon. Simon Torton. Muito prazer Isabela.

— Sabe meu nome? — Procuro de onde vem a voz, pela pequena janela gradeada.

— Claro que sei, não sou surdo, ouvi quando te trouxeram. — escuto o barulho de correntes arrastando.

— Sou Isabela Belamont, tenho 10 anos e você Simon? — digo ficando na ponta dos pés enquanto observo as frestas das grades.

— Tenho 12 anos. Finja ser boa Isabela, sempre finja ser boa.

Fiquei em silêncio por um tempo, ainda procurando de onde vinha a voz, e refletindo sobre o que o garoto disse.

— Aparece Simon, onde você está? Quero te ver.

— Primeiro estou na cela a sua frente, segundo nem se eu quisesse podia te ver pequena, estou acorrentado.

— Acho que você não fingiu ser bonzinho. — digo esboçando um pequeno sorriso.

Espera… eu sorri? Acho que nunca fiz isso.

— Nem todos conseguem. — ele solta uma risada distante — Crises agressivas e atos de violência? Parece uma ficha ameaçadora para alguém com a voz tão doce.

— Na verdade, eu nem sei o que isso quer dizer. — digo sem saber de fato o que significa — e você por que está aqui?

— A lista é um pouco extensa, quer ouvir tudo Belinha? posso te chamar assim? — ele não espera que eu responda e continua — escuto vozes, e elas me dizem para fazer coisas ruins com pessoas que elas acham que merecem, pessoas más sabe? Também não gosto muito de pessoas, não consigo ter o que eles dizem ser empatia, as mulheres que cuidam de mim no orfanato diz que minha convivência com outras pessoas é… complicada.

— Então você é mau?

— Todos somos maus e bons, não? seu pai te colocou aqui… Não acredito que você seja mau, acho que ele é, que tipo de pai coloca a sua filha nesse lugar? Ninguém que mande alguém para um lugar como esse é para o bem. — escuto as correntes se arrastando pelo chão. — Finja ser sempre boa…até se tornar totalmente má. E quando isso acontecer seja a melhor nisso, ao ponto de todos temerem, de repulsar a sua presença.

Engoli em seco sem saber o que dizer. E depois disse:

— E se eu não conseguir?

— O que? Fingir ser boa ou se tornar má?

— Ambos.

— A sobrevivência te fará fingir ser boa, você vai aprender que doi menos se o fizer, e as pessoas lhe ensinaram a ser mau, não tem nada a ver com conseguir ou não é sobre o que as pessoas lhe oferecem e como você as retribui.

— Acho que entendi — digo em fim desistindo de ver algo e me arrastando até o chão me encostando na porta de ferro.

— Queria poder te ver.

Abraço minhas pernas em um ato desesperado de sentir algum amparo ou afeto.

— Eu também.

— Nossa que saco, essa falácia de vocês é de encher viu! — Uma segunda voz surgiu.

— Vê se me erra Morgan. — Simon diz.

— Oi Morgan eu sou…

— Isabela, eu sei, estava aqui ouvindo vocês paquerando enquanto eu tentava dormir.

— Eu não estava paquerando! Arg! — digo indignada.

— Você podia não estar, mas o frio e antissocial Simon…

— Vai a merda Morgan! Estava apenas acalmando a garota.

— E desde quando Simon Thorton acalma alguém? — Morgan diz e gargalha alto.

Senti uma fagulha naquele momento. Uma fagulha. Mas não de esperança. Aquilo não existia mais em mim, era algo mais sóbrio. reconhecimento? Como se uma parte de mim, soubesse que aquele garoto ao meu lado… ele também era feito de cacos.

Ninguém falou mais nada naquela noite.

E sonhei que não estava mais sozinha.

Capítulos
1 Dedicatoria e Notas da autora
2 Prólogo
3 Capítulo 1 - Isabela
4 Capítulo 2 - Nix
5 Capítulo 3 - Nix
6 Capítulo 4 - Isabela
7 Capítulo 5 - Nix
8 Capítulo 6 - Nix
9 Capítulo 7 - Nix
10 Capítulo 8 - Scorpion
11 Capítulo 9 - Nix
12 Capítulo 10 - Scorpion
13 Capítulo 11- Scorpion
14 Capítulo 12 - Nix
15 Capítulo 13 - Nix
16 Capítulo 14 - Nix
17 Capítulo 15 - Nix
18 Capítulo 16 - Scorpion
19 Capítulo 17 - Scorpion
20 Capítulo 18 - Nix
21 Capítulo 19 - Scorpion
22 Capítulo 20 - Isabela
23 Capítulo 21 - Nix
24 Capítulo 22 - Scorpion
25 Capítulo 23 - Nix
26 Capítulo 24 - Nix
27 Capítulo 25 - NIX
28 Capítulo 26 - Nix
29 Capítulo 27 - Scorpion
30 Capítulo 28 - Scorpion
31 Capítulo 29 - Isabela
32 Capítulo 30 - Nix
33 Capítulo 31- Scorpion
34 Capítulo 32 - Nix
35 Capítulo 33 - Nix
36 Capítulo 34 - Scorpion
37 Capítulo 35 - Simon
38 Capítulo 36 - Scorpion
39 Capítulo 37 - Scorpion
40 Capítulo 38 - Nix
41 Capítulo 39 - Nix
42 Capítulo 40 - Scorpion
43 Capítulo 41 - Nix
44 Capítulo 42 - Nix
45 Capítulo 43 - Nix
46 Capítulo 44 - Nix
47 Capítulo 45 - Scorpion
48 Capítulo 46 - Scorpion
49 Capítulo 47 - Nix
50 Capítulo 48 - Nix
51 Capítulo 49 - Scorpion
52 Capítulo 50 - Nix
53 Capítulo 51- Scorpion
54 Capítulo 52 - Scorpion
55 Capítulo 53 - Nix
56 Capítulo 54 - Loki
57 Capítulo 55 - Scorpion
58 Capítulo 56 - Nix
59 Capítulo 57- Nix
60 Capítulo 58 - Nix - Último Capítulo
Capítulos

Atualizado até capítulo 60

1
Dedicatoria e Notas da autora
2
Prólogo
3
Capítulo 1 - Isabela
4
Capítulo 2 - Nix
5
Capítulo 3 - Nix
6
Capítulo 4 - Isabela
7
Capítulo 5 - Nix
8
Capítulo 6 - Nix
9
Capítulo 7 - Nix
10
Capítulo 8 - Scorpion
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Capítulo 9 - Nix
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