O escritório no alto do prédio era silencioso demais para um ambiente com tantos homens perigosos. O silêncio aqui falava, e o som das palavras era pura encenação.
Enrico serviu um copo de vinho tinto, italiano, envelhecido. Leonardo apenas observava, ainda com o olhar crítico de quem não confiava fácil, mesmo depois do aperto de mão.
— Você atuava em Dubai também? — perguntou Enrico, recostando-se.
— Nos Emirados, sim. Abu Dhabi e Dubai foram os principais polos. A construção lá é um jogo de egos e cifras. Mas jogo é jogo — respondi com um leve sorriso. — Quem sabe jogar, sobrevive.
Leonardo falou então, direto, como sempre:
— E sobre segurança? Você disse que também executava. Trabalhou com quem?
— Grupos russos. Também alguns franceses com braços no Sahel. Segurança privada, proteção de embaixadas, retirada de ativos sob risco. — Dei um gole lento. — Posso fornecer referências, mas sei que vocês vão checar melhor do que qualquer contato meu.
Leonardo me olhou por um segundo a mais. E assentiu.
— Já estamos checando.
Enrico sorriu, satisfeito com a sinceridade.
— E por que a Itália?
— Porque é hora de construir algo mais sólido. — Olhei nos olhos dele. — Quero algo que dure. E se for com os Rossi... dura.
Giovanni entrou no momento exato em que eu dizia isso.
— Falando em construção duradoura? — ele disse com aquele tom meio debochado, meio paternal. — Espero que o senhor Salvatore saiba onde está pisando.
— Sei. E gosto do terreno. É fértil. Mas cheio de minas. — A tensão era sutil, mas estava lá. Ele sentiu.
Nos sentamos. Falamos de contratos públicos, empresas de fachada, as novas licitações que viriam para reconstrução de portos e ferrovias. Tudo nas entrelinhas. Tudo com sorrisos educados e olhos frios.
Até que o telefone de Giovanni tocou.
Ele atendeu com um “Pronto”, curto, e seu rosto mudou sutilmente conforme ouvia. Fez um gesto com a mão, pedindo silêncio.
— Não, não estou interessado em almoços de fachada... — a voz dele estava firme, mas não elevada. — Diga ao senhor Ricci que o nome dele ainda tem valor no norte, mas aqui... não passa de eco.
Ricci. Um sobrenome perigoso. Conhecido por muitos motivos — alianças frágeis, ambição excessiva, e uma obsessão antiga com poder.
Mas o que me fez virar o rosto, atento, foi a próxima frase:
— E quanto à proposta... diga que minhas filhas não estão à venda. Muito menos para formar alianças com vermes travestidos de cavalheiros.
Meus dentes cerraram por instinto.
Alguém queria uma das filhas de Giovanni.
Martina?
Helena?
Não importava. Nenhuma das duas estaria disponível se o jogo fosse meu.
Fiz uma nota mental. Nome, região, histórico. Ricci seria um problema a ser resolvido — e rápido.
Giovanni desligou o telefone, visivelmente irritado. Os olhos dele faiscavam.
— Canalhas que não entendem o que é honra — ele disse. — Pensam que podem comprar tudo. Até sangue.
— Ofereceram dote? — Leonardo perguntou, curioso e cínico.
— Ofereceram ameaça. Camuflada de aliança. — Ele se levantou. — Mas se quiserem algo da minha família, vão precisar tirar do meu cadáver.
Silêncio.
Todos entenderam. Era um aviso. Mas também uma confissão de fraqueza temporária.
Aproveitei a brecha.
— Deixem-me ir, já que não sou útil nesse tipo de conversa — disse, me levantando também. — Tenho pouca paciência para políticos com segundas intenções.
Leonardo riu pela primeira vez, baixo e seco.
— Você pode ser mais útil do que imagina.
Cumprimentei os três e saí com passos firmes, mas mente acelerada.
No andar de baixo, a vi.
Martina.
Sozinha, lendo algo em seu tablet, o cabelo preso em um coque desleixado e elegante. Como se não precisasse tentar.
Como se já fosse tudo o que um homem não devia desejar.
Mas eu desejei.
E ela me viu.
De novo.
O olhar que trocamos não era mais inocente.
Ela sabia que eu a observava.
E por algum motivo… não desviou.
Merda.
Essa missão não vai ser fácil.
Sai a duros passos, já estava quase no carro quando o primeiro disparo quebrou o ar.
Seco. Frio. Direto.
Treinei por anos para reconhecer o som de um tiro, e aquele não era de advertência. Era para matar.
Virei no mesmo segundo, olhos varrendo o ambiente.
E então as vi.
Martina e Helena ainda estavam do lado de fora, com dois seguranças, mas só um deles se moveu. O de Helena.
O outro congelou, e naquele segundo, o mundo pareceu desacelerar. O soldado dela ficou parado, confuso, talvez em choque ou talvez comprado.
Helena gritou:
— MARTINA, ABAIXA!
A garota hesitou. Era como se o tempo não tivesse passado rápido o bastante para ela reagir. Mas eu sim.
Disparei pelo pátio, chutei a porta do carro de um dos seguranças e a usei como escudo. Ouvi mais dois tiros. Um deles raspou no vidro ao lado da cabeça dela.
Me joguei por cima dela, e a puxei pela cintura com força para trás do pilar de mármore da entrada principal.
Ela estava viva. Mas em choque. Tremendo.
— Está ferida? — perguntei, olhando em volta, a mão ainda em sua cintura.
Ela negou com a cabeça, a respiração curta.
— E-Eu... eu tô bem. Só assustada. — Ela me olhou nos olhos. — Você... você me salvou.
Mais dois homens armados surgiram do beco lateral. Mas a segurança da Rossi reagiu rápido agora que os tiros tinham exposto o inimigo.
Helena já estava sendo empurrada para dentro por seu guarda-costas, um brutamontes loiro que sangrava no braço, mas mantinha ela atrás do corpo com precisão de soldado.
Já o guarda de Martina... apareceu correndo só depois que eu a puxei para a entrada, e tentou pegá-la pelo braço, como se tivesse sido o herói da cena.
— Senhorita, venha comigo, eu estava... — ele começou.
Interrompi.
— Estava onde? — rosnei, meu corpo inteiro ainda em alerta. — Porque se não fosse por mim, ela tava no chão agora.
Ele hesitou. Vacilou. E recuou.
Foi quando Giovanni apareceu. Tinha descido com quatro homens armados. O rosto era uma máscara de fúria, e de pavor, o tipo que só pais conseguem sentir.
— Martina! — ele gritou, correndo até ela.
Ela se soltou de mim, finalmente, e correu em sua direção. Se lançou nos braços dele.
— Estou bem, papà. Tô bem. Ele... ele me salvou. — Ela olhou para trás. Para mim.
E naquele olhar, tinha algo que me atravessou como uma lâmina.
Alívio. Confiança. Talvez gratidão. Talvez... mais.
Mas o que me incomodou de verdade foi o que eu senti.
Não devia me importar.
Ela era a filha do homem que destruiu a minha vida.
Mas naquele momento, vendo Giovanni a abraçar como se fosse o bem mais precioso do mundo… e sabendo que fui eu quem impediu que ele a perdesse…
Algo se rompeu dentro de mim.
E outra coisa começou a crescer no lugar.
Inferno.
Isso não estava nos planos.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Marly G Vieira
se o psi for morto acho que ele devia muito não foi a toa.
2025-06-10
2
Renata Boaro
Ele quer vingança mais coração tem outros planos para ele.
2025-06-10
2
Mavia Dantas
/Gosh//Cry/
2025-06-15
0