O empréstimo para Maya.

Mike fechou a porta pesada do apartamento atrás deles, o clique abafado ecoando no silêncio que, ali dentro, parecia ainda mais denso. Ele não acendeu muitas luzes, apenas o suficiente para iluminar o caminho até uma pequena sala de estar com móveis escuros e minimalistas. O cheiro de pó e livros antigos pairava no ar, um contraste com a umidade e o cheiro acre de Veridia.

Ele se virou para Maya, que estava parada no meio da sala, as mãos apertadas, os olhos verdes ainda um pouco arregalados de terror e confusão. Sua expressão era ilegível, mas a tensão em seus ombros era evidente.

"Você... quer algo para beber?", Mike perguntou, sua voz mantendo a frieza habitual, embora houvesse um leve tom de incerteza nela. Ele caminhou até um aparador de madeira escura no canto, onde uma garrafa de vidro grosso e um copo de uísque repousavam. Ele tinha uma bebida forte guardada para momentos como esse, ou para quando a memória de Sarah o alcançava com mais força. Oferecer era um gesto automático, uma forma de quebrar o silêncio e talvez, em seu jeito particular, oferecer algum conforto.

Ele pegou a garrafa, o líquido âmbar cintilando na penumbra. "Tenho algo forte aqui, se precisar..."

Maya balançou a cabeça, recusando. O movimento foi quase imperceptível, mas firme. "Não, obrigada", ela disse, a voz ainda um pouco rouca pelo pânico passado, mas com um tom de clareza. "Eu não bebo. Álcool não faz parte da minha... rotina."

Mike parou, a mão na garrafa. Ele a olhou, uma leve surpresa passando por seus olhos. Para uma pessoa que acabara de passar por um horror indescritível e que estava visivelmente em choque, uma bebida forte seria a escolha óbvia para muitos. Mas não para ela. Isso dizia algo sobre Maya, algo que ele ainda não conseguia decifrar.

Ele colocou a garrafa de volta no lugar, pensativo. "Certo", ele murmurou. O silêncio voltou, mais constrangedor agora. Mike sentiu um desconforto crescente. Ele não era bom com pessoas, muito menos com pessoas em pânico e traumatizadas em seu apartamento.

Mike sentiu o silêncio pesar, a tensão no ar palpável. Ele não sabia como lidar com o terror nos olhos de Maya, nem com a recusa dela em aceitar a bebida que, para ele, seria um alívio temporário. Não era de seu feitio oferecer conforto, mas a cena no beco e o pânico dela ainda estavam frescos em sua mente.

"Se quiser", Mike começou, a voz um pouco menos fria agora, "você pode usar o banheiro. Tem chuveiro quente e toalhas limpas. Fica no final do corredor, à esquerda." Ele fez um gesto vago com a mão, sem encará-la diretamente, como se a sugestão fosse quase um inconveniente.

Maya o observou. A ideia de tomar banho na casa de um estranho, um homem que ela acabara de conhecer sob as circunstâncias mais aterrorizantes, era estranha, talvez até perigosa sob uma ótica normal. Mas nada na noite de Veridia havia sido normal. O cheiro de decomposição que ainda parecia impregnado em suas roupas, a sensação da pele arrepiada pelo medo, a imagem do horror que a perseguiu – tudo isso a fez considerar a oferta com uma nova perspectiva.

Um banho. Água quente. Talvez isso pudesse lavar um pouco do terror, da sujeira daquela noite.

Ela acenou levemente com a cabeça, uma aceitação relutante, mas desesperada. "Sim", respondeu, a voz quase um sussurro.

Mike sentiu um vislumbre de alívio. Era um passo, por menor que fosse, para que ela pudesse começar a processar o que havia acontecido. Ele não sabia ao certo o que fazer com ela, mas um banho era um começo. Aquele momento de paz, pensou Mike, talvez pudesse ajudá-la a se acalmar. E Maya, em seu próprio turbilhão de pensamentos, concordava silenciosamente: talvez um bom banho a ajudasse a apagar, por um instante, as imagens aterrorizantes daquela noite.

Maya hesitou na entrada do corredor escuro que Mike havia apontado como o caminho para o banheiro. Seus olhos verdes, ainda um tanto opacos pelo choque, baixaram para suas próprias roupas. O vestido simples que usava estava manchado de lodo do chão do beco, encharcado pela chuva implacável de Veridia e, para sua repulsa, exalava um leve odor da criatura, mesmo que a fonte dela tivesse virado cinzas. Não era apenas uma questão de conforto; era uma necessidade de se livrar daquele vestígio físico do horror.

Ela se virou para Mike, que estava parado na sala, o semblante ainda ilegível. "Você... por acaso teria algo para me emprestar?", ela perguntou, a voz baixa, quase envergonhada. "Minhas roupas estão molhadas e... sujas."

Mike assentiu, uma sombra de algo passando por seus olhos, tão rápido que Maya não conseguiu identificar. Sem dizer uma palavra, ele se virou e caminhou em direção a outro quarto.

Maya o ouviu abrir um guarda-roupa. Houve um breve silêncio, e então o som de tecidos sendo manuseados. Mike retornou em poucos instantes, segurando algumas peças de roupa dobradas: uma camiseta de algodão macio, uma calça de moletom e uma toalha limpa.

Ao ver as roupas, Maya percebeu que eram femininas. Havia um perfume sutil nelas, algo floral e levemente doce, que não combinava com o cheiro de Mike nem com a melancolia do apartamento. Elas pareciam... amadas. Um pensamento relutante atravessou a mente de Mike enquanto ele as estendia. Eram de Sarah, sua falecida esposa. Peças que ele havia guardado, intocadas, relutante em se desfazer de qualquer coisa que a lembrasse. Emprestá-las agora, para uma desconhecida, era uma quebra em seu próprio luto, uma fissura na muralha que ele havia construído. Mas a necessidade de Maya era evidente, e o senso prático de Mike prevaleceu sobre a relutância.

"Aqui", ele disse, a voz monótona, estendendo as roupas para ela. "Devem servir."

Maya pegou as peças, sentindo a maciez do tecido e o aroma delicado. Uma pontada de algo que não era medo, mas uma estranha empatia, tocou seu coração. Ela notou o olhar de Mike, algo distante e doloroso em seus olhos, antes que ele se afastasse novamente para a sala de estar.

"Obrigada", ela murmurou, antes de se virar e seguir para o banheiro.

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