O calor residual da magia de Mike se dissipava, e o cheiro acre de cinzas pairava no ar. Ele respirava pesadamente, o braço que conjurou a chama tremendo levemente. A pilha de cinzas escuras no chão era a prova irrefutável do que havia acontecido, e o peso de ter quebrado seu juramento pesava em sua alma. Sua mente, um turbilhão de pensamentos amargos, já estava formulando a próxima ação: partir. Deixar Maya, deixar Veridia, e desaparecer novamente na escuridão.
Ele estava prestes a se virar, a se afastar daquela mulher que o arrastara de volta para o mundo que ele tanto queria esquecer, quando uma mão trêmula e surpreendentemente forte o segurou pelo braço.
Maya.
Os olhos verdes dela estavam marejados, mas não apenas de lágrimas. Havia um terror tão profundo que parecia arrancar o ar de seus pulmões, e uma súplica tão crua que atingiu Mike em um lugar que ele pensou estar morto.
"Não... não me deixa", a voz dela saiu embargada, um sussurro desesperado que implorava mais do que falava. Sua mão apertava o braço dele, como se sua vida dependesse daquele contato. "Por favor... eu... eu não tenho para onde ir."
Mike tentou puxar o braço, o olhar frio e a expressão fechada. "Você estará mais segura sozinha, garota. O que quer que esteja atrás de você, não é algo que eu... não é problema meu." As palavras soaram vazias até para ele.
Mas Maya se agarrou a ele, as unhas cravando-se levemente no tecido de sua camisa. "Eu não vou perguntar nada! Eu juro! Sobre... sobre aquilo!" Ela balançou a cabeça, apontando para a pilha de cinzas com a cabeça, os olhos arregalados. "Eu juro que não pergunto sobre a sua... arma. Só não me deixe. Eu não posso ficar sozinha."
A súplica era genuína, o medo dela era palpável, e por um instante, o olhar de Mike vacilou. A frieza cedia, minimamente, diante da fragilidade de Maya. A responsabilidade que ele tentava evitar, agora era um fardo pesado em seus ombros.
Mike hesitou. Seus olhos castanhos, antes tão gélidos, varreram o rosto aterrorizado de Maya, e a imagem do corpo desfeito de Sam surgiu em sua mente. A súplica dela era um espinho. Ele viera para Veridia em busca de uma fuga solitária, e agora, no seu primeiro dia, estava enredado em algo que desafiava toda a sua vontade de se isolar.
Com um suspiro quase imperceptível, Mike finalmente cedeu. A frieza retornou ao seu olhar, mas havia um novo, e relutante, propósito.
"Tudo bem," ele disse, a voz baixa e rouca. "Você pode vir para o meu apartamento. Apenas por esta noite, ou até que você se acalme." Ele soltou o braço dela, mas não se afastou. A decisão era puramente pragmática; ele sabia que deixá-la sozinha nas ruas de Veridia, depois do que presenciou, era um convite para mais problemas, tanto para ela quanto, inevitavelmente, para ele.
Maya hesitou. Em outras circunstâncias, a ideia de ir com um estranho para seu apartamento, um homem que acabara de demonstrar poderes que desafiavam a lógica, seria impensável. Seus instintos gritavam alerta. Mas o horror daquela noite, a imagem da criatura, a morte brutal de Sam, tudo isso esmagava sua capacidade de raciocínio lógico. A realidade era muito mais aterrorizante do que qualquer preocupação com um desconhecido. Sozinha, ela não tinha chance. Com ele, talvez.
"Eu... eu aceito," Maya respondeu, a voz ainda trêmula, mas firme na resolução. Ela o observou, a incerteza ainda presente em seus olhos.
Mike, percebendo a hesitação dela, que era uma clara preocupação com suas intenções, lançou-lhe um olhar que era, para ele, o mais próximo de uma promessa que conseguiria fazer. "Não vou fazer nada de estranho. Não precisa se preocupar." Era uma garantia simples, direta, desprovida de emoção, mas que, no contexto daquela noite, soava como um alívio para Maya.
Com um aceno de cabeça, Mike se virou e começou a andar, presumindo que ela o seguiria. O perigo imediato havia passado, mas o mistério e a estranha conexão entre eles apenas começavam a se desenrolar sob as luzes sombrias de Veridia.
Mike liderava o caminho pelas ruas úmidas e escuras de Veridia, seus passos firmes e decididos, enquanto Maya o seguia, ainda trêmula e em estado de choque. O som do arrastar da criatura e o cheiro de decomposição já não estavam lá, substituídos apenas pelo eco da chuva e pelo silêncio opressor da madrugada. O beco sem saída ficava para trás, e com ele, a lembrança fumegante do que havia sido aniquilado.
O trajeto até o apartamento de Mike foi um silêncio tenso. Ele não fez perguntas, e Maya estava grata por isso. Sua mente ainda processava as imagens horríveis: o corpo de Sam sendo consumido, a criatura disforme, e a chama que irrompeu da mão de Mike, dissipando o terror em cinzas. Ela lançava olhares furtivos para o homem à sua frente, sua silhueta alta e sombria contra as luzes distantes. Ele era um completo estranho, um mago, um salvador. Era uma mistura assustadora de alívio e pavor.
Mike, por sua vez, estava imerso em seus próprios pensamentos. A frieza que sempre cultivava como escudo havia sido perfurada. O custo de ter usado a magia novamente era pesado, uma dor surda em sua mente e um aperto em seu peito. Ele tentava ignorar o tremor residual em sua mão e o formigamento em suas veias, sinais de um poder que ele havia prometido enterrar. Levava Maya para o seu abrigo temporário, mas não por caridade; era uma necessidade pragmática, para evitar que o caos daquela noite o seguisse.
Eles atravessaram o centro da cidade, o Parque Ébano visível à distância, suas árvores centenárias parecendo sentinelas silenciosas na penumbra. Não houve mais sinais da criatura, nem de qualquer outro perigo. A cidade parecia ter retornado à sua melancolia habitual, indiferente ao horror que acabara de se desenrolar.
Finalmente, Mike parou diante de um prédio antigo e imponente, com detalhes góticos esculpidos em sua fachada. Era um dos muitos que pontuavam os distritos mais velhos de Veridia, escuro e discreto. Ele abriu a porta pesada, e o rangido ecoou no saguão silencioso.
"É aqui", ele disse, a voz baixa, sem se virar.
Maya entrou, seus olhos verdes varrendo o interior. O lugar era limpo, mas espartano, com um cheiro de tinta fresca misturado a algo antigo, quase empoeirado. O peso de sua situação a atingiu novamente. Estava em um lugar desconhecido, com um homem desconhecido que havia conjurado fogo com as próprias mãos, e tudo o que ela sabia de sua vida havia desaparecido.
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Atualizado até capítulo 34
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