A chegada de Mike em Varidia.

Mike chegou a Veridia sob um céu permanentemente cinzento, a chuva fina e constante parecendo lavar a cidade de qualquer calor. Dois anos haviam se passado desde que a vida o havia partido ao meio, desde que a morte de sua esposa, Sarah, levara não apenas seu amor, mas também sua vontade de empunhar a magia que sempre fora parte dele. Veridia era para ser um recomeço, um refúgio de silêncio e anonimato onde ele pudesse se esconder de si mesmo.

Seu primeiro dia foi monótono, exatamente como ele queria. Desempacotou algumas caixas, a maioria de livros e fotos antigas, e sentiu o peso do vazio em cada cômodo do novo apartamento no distrito mais antigo da cidade. À noite, a necessidade de escapar das paredes que pareciam sufocá-lo o levou a um bar qualquer, um dos muitos estabelecimentos sombrios e mal iluminados que pontilhavam os becos de Veridia. Ele pediu um uísque, depois outro, o calor do álcool tentando, em vão, derreter o gelo que envolvia seu coração. As conversas ao redor eram murmúrios distantes, e ele se permitiu afundar na solidão que buscava.

Já passava da meia-noite quando Mike finalmente se levantou para ir embora. O cheiro de chuva e algo mais, algo quase elétrico no ar, o fez puxar o casaco mais para perto. As ruas de Veridia à noite eram quase desertas, os prédios góticos lançando sombras profundas que pareciam dançar ao ritmo do vento. O som de seus próprios passos no asfalto molhado era a única companhia. Ele gostava do silêncio pesado da cidade, da forma como ela parecia abraçar sua própria melancolia.

No entanto, o silêncio foi abruptamente quebrado por um som que fez os sentidos adormecidos de Mike despertarem. Um grito. Não um grito qualquer, mas um som carregado de puro terror, que parecia arrancar a alma de quem o proferia. Ele parou, a mão instintivamente tocando o bolso interno de seu casaco, onde um pequeno medalhão, um resquício de sua vida mágica, estava escondido.

Virando a esquina de um beco escuro, Mike viu-a. Uma figura ruiva, esbarrando nas latas de lixo, os olhos arregalados de pavor, correndo desabaladamente pela rua vazia. Maya. Ela parecia não ver nada além do pânico que a impulsionava, seus movimentos eram descoordenados, quase selvagens. Seus pulmões trabalhavam a todo vapor, em um esforço desesperador para puxar o ar úmido e gelado de Veridia. Ela estava em choque, aterrorizada.

Mike hesitou por um milésimo de segundo. Sua mente prática lhe dizia para se afastar, para não se envolver. Ele viera para esta cidade para evitar problemas, não para encontrá-los. Mas então, seus olhos, treinados pela antiga arte que ele abandonara, captaram algo mais: uma aura residual de pânico sobrenatural pairava em torno dela, uma energia sombria que não era humana.

Antes que pudesse processar o que viu, Maya tropeçou. Seu corpo esguio rodopiou e caiu no chão molhado com um baque surdo, a bolsa e o celular voando para longe. Ela soltou um gemido de dor e desespero, tentando se levantar, mas suas pernas pareciam ter falhado completamente.

Mike, que se mantinha nas sombras, sentiu um puxão. Não de seu passado mágico, mas de uma compaixão há muito tempo adormecida. Ele sabia que algo terrível a havia perseguido. E, por um instante, ele se viu no lugar dela, desamparado e aterrorizado.

Mike permaneceu nas sombras do beco, um observador frio e calculista. Seus olhos castanhos, treinados para discernir o incomum, esquadrinhavam a rua. A aura de terror em torno de Maya era inegável, e o grito de antes ainda ecoava. Ele esperou, os sentidos aguçados, pela fonte daquele pânico.

Não demorou. Do beco de onde Maya havia surgido, arrastando-se para fora do necrotério, emergiu a silhueta distorcida da criatura. Seus membros alongados e putrefatos mal tocavam o asfalto úmido enquanto ela se movia com uma lentidão aterrorizante, mas constante, na direção da mulher caída. O fedor nauseabundo de decomposição preencheu o ar noturno. A abominação estava a poucos passos de Maya, que, paralisada pelo pânico, tentava inutilmente se arrastar para longe, os olhos fixos na criatura com puro horror. Ela não conseguiria mais fugir.

Era o momento.

Mike irrompeu das sombras com uma agilidade surpreendente, movendo-se como um vulto na penumbra. Ele alcançou Maya em questão de segundos. Ela estava caída, o olhar vidrado de pavor, alheia a qualquer outra coisa além do monstro que se aproximava. Sem hesitar, Mike agarrou o braço de Maya, puxando-a para cima com uma força inesperada.

Maya soltou um arquejo de susto com o toque súbito e frio, seus olhos verdes, que antes estavam fixos na criatura, se arregalaram ao encontrar o olhar severo de Mike. Havia uma fagulha de confusão e medo misturada à surpresa em seu rosto.

"Não temos tempo para isso, vem logo, temos que correr!" Mike disparou as palavras em um tom urgente e inquestionável, a voz baixa e rouca. Ele não esperou por uma resposta. Com um puxão firme, ele a arrastou consigo, virando-se e correndo na direção oposta ao beco de onde a criatura havia emergido, adentrando as ruas labirínticas de Veridia.

A criatura soltou um som gutural, um rosnado úmido e profundo, e o som de seu arrastar úmido acelerou atrás deles.

A rua de Veridia se tornou um borrão de néon tremeluzente e sombras dançantes enquanto Mike puxava Maya em uma fuga desesperada. O som repulsivo do arrastar da criatura ecoava atrás deles, um lembrete constante de que o horror estava em seus calcanhares. Não havia destino em mente, apenas a necessidade visceral de se afastar daquela abominação.

Maya, ainda em choque, tropeçava, mas Mike a mantinha firme. Ele a puxava pelos becos úmidos e mal iluminados, seus olhos vasculhando cada sombra, cada esquina. O ar frio da noite chicoteava seus rostos, e o cheiro da chuva misturava-se ao odor rançoso que parecia impregnar a própria perseguição. Edifícios góticos imponentes erguiam-se ao redor, suas gárgulas parecendo observar a caçada com indiferença.

Mike, apesar de seu semblante frio, agia com uma precisão instintiva. Ele guiava Maya por atalhos que pareciam surgir do nada, virando esquinas fechadas, cortando por entre depósitos abandonados e passando por becos tão estreitos que mal cabiam. Ele ouvia o som da criatura, calculando sua velocidade e seus movimentos, ajustando a rota conforme necessário. Sua mente, embora tivesse abandonado a magia, ainda possuía a acuidade de um praticante que confiava em seus instintos para a sobrevivência.

Maya mal conseguia acompanhar. Sua mente estava um turbilhão de terror, a imagem do velho Sam sendo consumido gravada a ferro e fogo em sua retina. Ela não entendia o que estava acontecendo, quem era aquele homem que a arrastava, ou o que era aquela coisa horripilante que os perseguia. Tudo o que existia era o pânico cru e a necessidade de não parar de correr.

Eles irromperam em uma praça pequena e esquecida, com uma fonte seca no centro. O som de passos pesados atrás deles fez Mike virar a cabeça por um instante. A criatura estava mais perto do que ele gostaria, a silhueta disforme se destacando contra a luz fraca de um poste quebrado. Seus movimentos eram lentos e grotescos, mas sua persistência era assustadora.

"Por aqui!" Mike puxou Maya para uma viela ainda mais escura, que serpenteava entre dois prédios antigos. O espaço era claustrofóbico, e o cheiro de mofo e esgoto era quase sufocante.

A viela escura, que parecia uma promessa de escape, revelou-se um beco sem saída. Paredes altas de tijolos úmidos e musgosos erguiam-se à frente, uma barreira intransponível. Maya soltou um gemido de desespero, o ar rarefeito, a respiração presa na garganta. O eco do arrastar úmido da criatura se amplificava, cada vez mais perto, sufocando-a.

Mike virou-se abruptamente, puxando Maya para trás de si. O que ele viu o fez sentir um frio na espinha que nada tinha a ver com a chuva de Veridia. A abominação, com seus membros putrefatos e sua forma grotesca, estava ali, preenchendo a abertura do beco, bloqueando a única saída. Os olhos invisíveis, ou as cavidades onde deveriam estar, pareciam fixos neles, exalando uma fome palpável. O cheiro de decomposição era esmagador, quase físico.

Não havia mais para onde correr. O medo, que Mike havia mantido sob controle, ameaçou se descontrolar. Mas então, a frieza que o definia por fora tomou conta. Ele havia jurado. Jurou jamais tocar naquele poder novamente, não depois de Sarah. Mas olhando para o horror à sua frente, e para o terror no rosto de Maya, ele soube que não tinha escolha.

Uma chama pálida, quase invisível, começou a tremeluzir na palma da mão estendida de Mike. Não era a mesma facilidade de antes, a magia parecia resistir, pesada com os anos de abandono e a dor que a selou. Mas ele forçou. Com um esforço visível em seu semblante, os músculos de seu maxilar tensos, a chama pálida se intensificou, crepitando e ganhando volume, até se tornar uma bola de fogo compacta e vibrante, irradiando calor na frieza do beco. A luz laranja e bruxuleante dançava nas paredes úmidas, lançando sombras grotescas.

A criatura, ao ver a luz e sentir o calor, soltou um urro disforme, um som que parecia rasgar o próprio tecido da realidade, cheio de agonia e repulsa.

"Fecha os olhos!", Mike rosnou para Maya.

Com um movimento preciso e um grito de raiva contida, ele arremessou a bola de fogo.

O projétil incandescente atingiu a criatura em cheio. O impacto foi esmagador. O urro da abominação se transformou em um grito prolongado e grotesco de agonia pura, um som que ecoaria nos pesadelos de Maya por muito tempo. O corpo putrefato da criatura foi imediatamente consumido pelas chamas. A pele cinzenta bolhosa estalou e se contraiu, os membros alongados se retorceram e a carne decomposta se desfez em uma explosão de calor e luz. O cheiro de podridão foi substituído por um odor acre de carne queimada e algo mais, algo químico e sobrenatural, que picava as narinas.

Em instantes, o horror se tornou uma mera lembrança fumegante. O fogo dançou por alguns segundos sobre o local onde a criatura estivera, e então diminuiu, deixando para trás apenas uma pequena pilha de cinzas escuras no chão molhado do beco. Nenhum rastro, nenhuma sombra, apenas a prova do que havia acontecido.

O calor das chamas recuou, deixando o ar ainda mais gelado e o silêncio do beco ainda mais pesado. Mike ofegava, a mão que conjurou a magia tremendo levemente. Sua energia estava drenada, e o gosto amargo do poder há muito esquecido preenchia sua boca.

Maya, que havia fechado os olhos ao comando de Mike, agora os abria lentamente, os olhos verdes cheios de lágrimas e confusão. Ela olhou para a pilha de cinzas, depois para Mike, o que havia ali havia desaparecido.

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