O Parque dos Salgueiros parecia diferente sob a luz pálida daquela manhã enevoada.
As árvores, que antes formavam um abrigo natural para os caminhantes e casais de domingo, agora mais se assemelhavam a sentinelas silenciosas, imóveis, mas vigilantes.
Amélia estava ali novamente.
O mesmo portão de ferro retorcido, a mesma trilha de folhas secas que rangiam sob os pés, o mesmo lago, imóvel, espelhando o céu opaco como um abismo sem fim.
Por um breve momento, cogitou voltar atrás. Não havia ninguém que a obrigasse a estar ali. Nem mesmo Cláudia sabia que ela havia saído da redação apressadamente, deixando apenas um bilhete confuso sobre "resolver uma pendência".
Mas Amélia sabia que não tinha escolha.
A fita, a ligação, as marcas encontradas pela polícia... tudo apontava para aquele lugar, como se o parque fosse não apenas o cenário, mas o próprio protagonista daquele pesadelo.
Seguiu pela trilha estreita, desviando dos galhos baixos que pareciam querer segurá-la. Cada passo era acompanhado por um ruído abafado — folhas, pequenos gravetos quebrando — mas, vez ou outra, jurava ouvir outro som, sutil, arrastado, como uma respiração profunda vindo de algum lugar entre as árvores.
Parou.
Olhou ao redor, mas não viu nada além de troncos nus e a neblina que se tornava cada vez mais espessa à medida que avançava em direção ao lago.
— Coragem — sussurrou para si mesma, como quem tenta convencer o próprio corpo a não fugir.
Quando finalmente alcançou a margem, sentiu o coração disparar.
Ali estavam as marcas.
Pegadas desordenadas, como se alguém tivesse corrido em desespero, terminando abruptamente junto a arranhões profundos na terra encharcada, levando diretamente para dentro da água escura.
Exatamente como Cláudia descrevera.
Amélia agachou-se, passando os dedos pelas marcas. A terra ainda parecia fresca, como se aquela cena tivesse ocorrido há pouco tempo.
E então, sem aviso, ouviu novamente:
Um sopro.
Baixo, prolongado.
Não parecia vir de um ponto específico, mas de toda parte ao mesmo tempo, como se o próprio parque respirasse com ela, ou… contra ela.
Levantou-se de súbito, o coração acelerado.
— Quem está aí? — gritou, sua voz cortando a névoa densa.
Silêncio.
Só o som distante de um galho se partindo, e, logo depois, novamente o sopro.
Virou-se em todas as direções, tentando identificar de onde vinha, mas a névoa tornava tudo indistinto.
E então, viu.
Do outro lado do lago, entre duas árvores retorcidas, uma figura escura.
Imóvel.
Era alta, magra, inteiramente envolta por uma espécie de manto que parecia se fundir com a própria escuridão ao redor.
Não conseguia distinguir o rosto, nem mesmo se havia um rosto. Apenas a certeza irracional de que aquela figura a observava fixamente, como fizera na noite anterior.
Amélia sentiu o corpo enrijecer.
Deu um passo para trás, mas o chão cedeu sob seus pés, escorregando na lama da margem.
Caiu de joelhos, sujando a calça, mas não se importou.
Quando ergueu novamente o olhar… a figura não estava mais lá.
Sumira, como se jamais tivesse existido.
Seu peito arfava, e a cabeça latejava.
“Está me enlouquecendo”, pensou.
Olhou em volta uma última vez e então decidiu: precisava sair dali.
Deu meia-volta e começou a andar rapidamente de volta à entrada do parque.
Mas, conforme se afastava do lago, algo no chão lhe chamou a atenção.
Um pequeno objeto, parcialmente enterrado sob a lama e as folhas caídas.
Agachou-se e puxou-o.
Era uma fita cassete.
Outra.
O rótulo estava parcialmente desbotado, mas, com esforço, conseguiu ler:
"Para Amélia."
Sentiu um calafrio percorrer sua espinha.
Olhou ao redor, com a fita apertada entre os dedos, mas novamente não havia ninguém.
Só o som do vento e o eco daquele sopro, agora mais distante.
Guardou a fita no bolso e saiu correndo dali, como se pudesse, com isso, escapar da presença invisível que parecia segui-la a cada passo.
Já no apartamento, trancou a porta com todas as voltas da chave e encostou-se à parede, tentando controlar a respiração.
O celular tocou, fazendo-a saltar de susto.
Atendeu com mãos trêmulas.
— Alô?
— Amélia? — Era Cláudia. — Onde você está?
— Eu… só precisei sair um pouco.
— Escuta, eu liguei pra te avisar: apareceu uma gravação na caixa de mensagens da redação. Não sabemos quem deixou.
Amélia sentiu o estômago revirar.
— Que gravação?
— Você precisa ouvir. É melhor vir até aqui.
Amélia olhou para a fita em sua mão.
Outra gravação, e agora mais uma mensagem na redação.
Como peças de um jogo perverso sendo posicionadas cuidadosamente.
— Estou indo — respondeu, encerrando a chamada.
Mas, antes, precisava saber.
Pegou novamente o gravador.
Inseriu a nova fita.
Apertou o play.
Chiado.
E então… a mesma voz, baixa e carregada de algo que não sabia dizer se era medo ou rendição.
— Amélia… você está ouvindo, não está?
Era Helena.
De novo.
— Não há para onde fugir. Ele sabe. Sempre soube.
Uma pausa longa, preenchida apenas pelo som do sopro que parecia cada vez mais alto, mais próximo.
— O sopro é só o começo…
E então, o mesmo som abrupto de uma fita sendo interrompida.
O gravador silenciou, mas o sopro não.
Parecia agora dentro do próprio apartamento, junto ao seu ouvido, na sua pele.
Amélia não aguentou.
Saiu correndo, sem nem mesmo desligar o aparelho, descendo as escadas do prédio às pressas e ignorando o olhar curioso do porteiro.
Lá fora, o céu parecia ainda mais encoberto, e o vento gelado não ajudava a dissipar o medo que parecia ter se enraizado de vez em sua alma.
Enquanto corria pelas ruas vazias em direção à redação, só conseguia pensar numa coisa:
"O sopro é só o começo..."
E, no fundo, já sabia: o que quer que fosse aquilo, não estava apenas assombrando o Parque dos Salgueiros… estava assombrando ela.
Para sempre.
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Atualizado até capítulo 26
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