RAVENHALL
O cheiro de chuva ainda impregnava o ar quando Selena Vilarois desceu do ônibus. Ravenhall era exatamente como nas fotos que ela havia encontrado em blogs obscuros de turismo: cinza, cercada por florestas densas e com uma atmosfera que parecia suspensa entre o tempo e o mundo. Casas antigas com telhados inclinados, ruas estreitas de paralelepípedos cobertas por uma neblina persistente, e postes de luz amarelada que mais pareciam sombras do que iluminação real.
Selena apertou a alça da mochila contra o ombro, sentindo o couro umedecido pelo sereno. O ônibus seguiu viagem, deixando apenas o eco do motor morrendo ao longe. Ela encarou a placa enferrujada da estação: “Bem-vindo a Ravenhall”. Não havia nenhuma recepção calorosa. Nenhum motorista de táxi esperando. Nenhum som de cidade viva. Apenas o vento cortando o silêncio.
Selena não estava ali por escolha. Estava fugindo. Tentando recomeçar.
Dois meses antes, sua mãe havia morrido em um acidente inexplicável. O carro capotou numa estrada reta, seca, sem trânsito. Nenhuma testemunha. Nenhuma explicação. Apenas destroços e um buraco onde antes existia seu porto seguro. O pai de Selena já havia abandonado as duas há anos, deixando rastros de silências, promessas quebradas e contas não pagas. Agora, aos vinte e dois, ela se via sozinha. Sem rumo. Sem laços.
Os tios, práticos demais para o luto, sugeriram que vendesse a casa e fosse morar com eles em Chicago. Mas ela precisava desaparecer. Precisava de distância. Do mundo, das pessoas, dela mesma.
Foi então que encontrou, em um site de empregos antigos, uma vaga de bibliotecária júnior em uma cidade que sequer aparecia direito no Google Maps.
Ravenhall.
Havia algo no nome que ecoou dentro dela, como se algum canto escondido de sua memória reconhecesse aquelas letras. Mas não soube dizer por quê.
Agora, caminhando por aquelas ruas silenciosas, Selena se perguntava se havia feito a escolha certa. Mas era tarde para voltar. Estava ali. Sozinha, como sempre.
A nova casa era uma espécie de chalé antigo, nos arredores da cidade, quase engolido pela vegetação. Pequeno, aconchegante, com paredes de madeira escura, escadas que rangiam com qualquer pisada e janelas que pareciam ter assistido ao tempo com olhos melancólicos. O dono anterior deixara parte dos móveis: um sofá gasto, uma estante sem livros, um espelho trincado na entrada e um abajur que fazia a luz piscar quando o vento batia forte.
Quando ela entrou, sentiu um arrepio subir pelas costas. Não era medo. Era algo diferente. Como se o ar estivesse sendo compartilhado com mais alguma coisa invisível.
A primeira noite foi inquieta.
Sonhos estranhos. Sussurros abafados. Uma mulher de olhos brancos atravessando um campo vazio. Corvos empoleirados em galhos mortos, observando. E, ao longe, um vulto masculino, parado sob uma árvore, de olhos dourados que brilhavam como se contivessem labaredas. Acordou suando frio, com a sensação de ter sido observada a noite inteira.
Nos dias seguintes, Selena começou a se adaptar. Caminhava pela cidade pequena, descobrindo sua arquitetura decadente e habitantes reservados. A senhorinha do mercado, dona Agatha, que nunca piscava e parecia saber o nome dela antes que ela se apresentasse. O bibliotecário-chefe, sr. Howle, um homem magro e pálido que falava baixo demais e sempre olhava para os espelhos com uma expressão preocupada. E um grupo de jovens da sua idade que pareciam viver à margem de tudo, sempre juntos, sempre silenciando quando ela se aproximava.
Havia algo de errado ali. Não errado como um filme de terror clichê. Errado como um quebra-cabeça montado com peças que não se encaixavam. Como se todos soubessem de um segredo que ela ainda nem imaginava.
E cada um deles a olhava da mesma forma: curiosidade misturada com cautela.
Ao fim do quinto dia, Selena caminhou até o penhasco que beirava a floresta. Disseram que ali tinha uma das melhores vistas da região. O entardecer em Ravenhall era de uma beleza sombria, com tons alaranjados cortando a neblina densa. Ao longe, ela podia ver o contorno de uma velha torre em ruínas.
Ficou ali, sentada numa pedra, observando. Sentindo o vento gelado acariciar seu rosto.
Foi quando escutou o som.
Como se algo... respirasse perto demais. Virou-se rápido, mas não havia nada. O coração acelerou, mas a razão tentou acalmá-la. “Imaginação. Estresse. Cansaço.”
Mas ao retornar para casa naquela noite, viu um vulto parado na beira da floresta. Observando.
Ele desapareceu tão rápido quanto surgiu. E foi nesse momento que ela soube que a solidão que sentia... talvez não fosse tão solitária assim.
Selena Vilarois ainda não sabia, mas a cidade de Ravenhall havia apenas começado a revelar seus segredos.
E ela estava prestes a descobrir que nada, absolutamente nada no seu sangue, era tão comum quanto pensava.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
Valentina Valente
Começando hoje 15/06/25. Gostando do que li até agora.
2025-06-16
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