Quando o Corpo Grita o Que a Alma Não Consegue
O quarto do leito 312 estava em silêncio, exceto pelo som contínuo dos monitores. O som do coração de Thiago batendo fraco, compassado… vivo, mas distante.
Theo não saía de perto.
Passara a noite ali, sentado ao lado da cama, com a mão entrelaçada à do irmão. A cada hora que passava, sua mente revisitava memórias antigas: o riso de Thiago na infância, os olhos brilhando ao entrar na enfermagem, as mensagens carinhosas em dias difíceis.
E agora, ali, tão pálido, frágil, como se qualquer vento pudesse carregá-lo.
— Volta pra mim, baixinho — ele murmurava, com a voz rouca. — Só mais uma vez. Eu te prometo… eu vou cuidar de você melhor.
Mas então, algo aconteceu.
A mão de Thiago se contraiu subitamente. Seu corpo tremeu. Um espasmo leve no início, depois mais forte. Violento.
— Não… não! — Theo levantou num salto. — Thiago?!
O corpo do irmão arqueava para trás na cama, os braços se movendo involuntariamente, os olhos ainda fechados mas com os músculos do rosto distorcidos de dor. A máquina disparou um alarme agudo.
Convulsão.
— ALGUÉM ME AJUDA! — Theo gritou, abrindo a porta com força. — ELE TÁ CONVULSIONANDO!
Uma enfermeira veio correndo, mas Theo já estava tentando segurar o corpo do irmão com cuidado, mantendo a cabeça protegida.
E então, Dominic apareceu no corredor.
Ele havia vindo por impulso, de novo, como se algo o puxasse. E quando viu o desespero nos olhos de Theo, correu até o quarto.
— O que aconteceu?
— Ele tá convulsionando! — Theo gritou. — E onde estão os médicos?! Ele precisa de anticonvulsivo agora!
Dominic se aproximou da cama, mas parou. Ele era neurocirurgião, não intensivista. Não era sua especialidade. Ele sabia como o cérebro funcionava, mas em crises agudas como aquela… ele estava limitado. Inútil.
Mesmo assim, tentou. Puxou os registros, olhou os sinais vitais, os medicamentos que já estavam no soro. Suava, a mente correndo, os batimentos acelerados.
— Ele precisa de diazepam… — disse baixo.
— ENTÃO FAZ ALGUMA COISA! — Theo gritou, em prantos, segurando o corpo do irmão que ainda tremia. — VOCÊ É MÉDICO! AJUDA ELE!
Dominic deu um passo atrás.
— Eu… não é minha área, Theo! Eu não posso…
— ENTÃO SAI DAQUI!
A dor na voz de Theo cortou o ar.
Os enfermeiros finalmente chegaram com o medicamento certo e uma equipe da UTI se apressou para estabilizar Thiago. Dominic ficou parado, na porta. Vendo. Ouvindo. Sentindo.
Inútil.
Tarde demais.
Thiago foi sedado novamente, colocado sob vigilância mais intensa. E quando tudo se acalmou… Theo ainda tremia.
Ele não olhou para Dominic.
— Onde você estava quando ele mais precisava? — perguntou, a voz baixa, cheia de dor. — Ele te admirava. Mesmo com tudo o que você fez. Você o quebrou.
Dominic ficou em silêncio.
Porque não havia defesa para isso.
— Ele tentou morrer, Dominic. E
Ele tentou morrer, Dominic. E você ajudou.
As palavras de Theo foram frias como gelo, mas carregadas de uma dor que queimava até os ossos. Dominic sentiu o golpe como um soco direto no estômago.
Ele queria responder. Dizer que não sabia, que nunca imaginou que Thiago estava naquele ponto, que as palavras que disse — as humilhações, os olhares de desdém — eram parte de um mecanismo que usava com todos, para se proteger de qualquer envolvimento.
Mas agora, nenhuma justificativa importava.
Porque Thiago estava ali. Inconsciente. Com convulsões. Com o coração ferido — e talvez, irreparavelmente quebrado.
— Eu… — Dominic tentou começar, mas a voz não saiu. — Eu não fazia ideia.
— Pois deveria. — Theo virou o rosto na direção dele, os olhos vermelhos, cheios de mágoa. — Você é médico. Mas foi cego.
Ele se aproximou devagar da cama, ajeitou a coberta sobre o corpo de Thiago com mãos cuidadosas, como se tocar o irmão pudesse fazer alguma diferença.
— Você sabe o que ele me dizia quando chegava em casa depois do plantão? — Theo continuou, sem olhar para Dominic. — Que estava tentando ser forte. Que queria provar que era bom, que não era um fardo. Que… você não precisava gostar dele, mas ele só queria ser útil.
Dominic apertou os punhos, sentindo a garganta fechar. Uma parte dele, até então entorpecida, finalmente começava a rachar.
— Ele me dizia que ficava feliz só de te ver sorrir, mesmo que nunca fosse pra ele. — Theo deu uma risada sem humor. — E você? O que fez? Ignorou. Pisou. Esculachou ele na frente de todos.
Silêncio.
A máquina cardíaca continuava seu som intermitente e cruel, lembrando que Thiago ainda estava ali… mas tão longe.
Dominic se aproximou devagar. Parou ao lado da cama, encarando aquele rosto tão sereno, mas ao mesmo tempo tão... devastado.
— Eu… — ele disse, com dificuldade. — Eu sou um idiota.
— Isso é óbvio — Theo respondeu seco. — Mas agora me diz: você vai continuar sendo?
Dominic não respondeu.
Em vez disso, sentou-se lentamente ao lado da cama, do lado oposto ao de Theo, como se não soubesse mais como existir naquele espaço. Estendeu a mão, hesitante, mas não teve coragem de tocar Thiago.
— Ele não é só “o irmão do seu amigo”, Dominic — Theo disse, a voz firme. — Ele é o ser humano mais doce que eu já conheci. E tá lutando pela vida agora. Tudo porque esse mundo que a gente vive… é cruel com quem sente demais.
Dominic congelou.
As palavras demoraram a fazer sentido, como se o cérebro estivesse negando encaixar as peças óbvias do quebra-cabeça.
"O irmão do seu amigo..."
Ele olhou para Theo. Depois para Thiago. E então, finalmente, a semelhança — antes ignorada pela distância emocional — se revelou diante dos seus olhos: o formato do rosto, os traços delicados, a mesma intensidade nos olhos, mesmo que estivessem fechados agora.
— O… o quê? — Dominic sussurrou. — O Thiago é… seu irmão?
Theo finalmente virou o rosto em sua direção, o olhar endurecido de alguém que perdeu o respeito por quem um dia admirou.
— Você nunca se importou o suficiente pra perguntar, não é? — disse. — Nem se deu o trabalho de saber o nome completo dele. Thiago St. James.
Dominic recuou um passo, como se tivesse levado um tapa.
St. James. O sobrenome da família dona do hospital. O sobrenome de Theo. O sobrenome que ele sempre associou a poder, prestígio e competência. Nunca imaginou que aquele técnico de enfermagem que ele menosprezava carregava o mesmo sangue.
— Meu Deus… — ele murmurou. — Eu… não fazia ideia.
— E se soubesse? — Theo o desafiou. — Teria fingido ser educado? Tratado ele melhor por conveniência?
A pergunta queimou na consciência de Dominic como ácido. Porque ele sabia que sim. Sabia que, se tivesse descoberto que Thiago era filho do dono, irmão de seu melhor amigo, teria o tratado com mais respeito — mesmo que fosse falso.
E isso o destruía por dentro.
— Eu errei com ele — Dominic disse, finalmente. — Eu fui… um covarde.
Theo não respondeu. Apenas olhou de volta para Thiago, que agora dormia sob efeito da medicação, os lábios entreabertos, os cílios ainda úmidos de lágrimas secas. A paz forçada por um coma.
Dominic se aproximou devagar da cama. Seus dedos hesitaram antes de tocarem a mão enfaixada de Thiago. Ele sentia o frio da pele, a fragilidade do toque, e desejou que pudesse voltar no tempo — nem que fosse por um minuto — para mudar tudo.
— Ele tentou morrer achando que ninguém se importava — Dominic sussurrou, mais para si do que para Theo. — Mas eu me importo. Eu só… não sabia como demonstrar.
Theo soltou um riso amargo.
— E agora? O que você vai fazer com essa culpa?
Dominic apertou a mão de Thiago com cuidado, os olhos fixos naquele rosto adormecido.
— Vou esperar ele acordar… e se ele me der uma chance, vou tentar consertar tudo. Nem que leve o resto da vida.
Silêncio.
Theo respirou fundo, passando a mão pelos cabelos em frustração. Parte de si queria gritar com Dominic, bater nele, expulsá-lo dali. Mas a outra parte… via algo novo nos olhos do neurocirurgião. Algo que ele nunca tinha visto antes.
Vulnerabilidade. Arrependimento real.
— Você vai ficar aqui hoje? — Theo perguntou, num fio de voz.
Dominic assentiu.
— Se você deixar… sim.
Theo não respondeu de imediato. Mas se afastou um pouco da poltrona, como quem cede espaço, mesmo com o coração em pedaços.
— Então senta. E não solta a mão dele.
Dominic obedeceu.
E naquela noite, em silêncio, dois homens sentaram ao lado de Thiago, ambos quebrados, ambos culpados, ambos esperando que o menino que sentia demais… decidisse ficar.
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Atualizado até capítulo 47
Comments
Elenilda Soares
sei não viu essa agora
2025-06-11
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