Capítulo 5 — O que eu faço agora?

—Não lembro… — desviei o olhar, sem conseguir sustentar o dela por mais um segundo.

Talvez fosse verdade.

Ou talvez eu só não quisesse lembrar.

E mesmo que eu diga que sim… o que ela ganharia com isso, afinal?

Foram quinze anos separadas. Ela agora tinha tudo o que, naquela época, lhe foi tirado — conforto, segurança, um filho a caminho.

E eu… aprendi a sobreviver sem ninguém.

Então por que mexer?

—Mentira! — a voz dela cortou o ar com um tremor que nem ela conseguiu esconder. — Eu sei que lembra. Seus olhos brilharam na hora e...

—Lady Rui! Por favor… chega.

Fechei os olhos por um instante, respirando fundo para manter a voz firme.

—Há muito tempo… alguém me disse que certas coisas do passado não devem ser relembradas.

Abri os olhos devagar e lhe dei um sorriso leve, quase reconfortante — o mesmo tipo de sorriso que se dá a quem sonha com algo bonito demais pra existir.

—A senhorita é bonita, está grávida de sete meses, o imperador a ama muito. Creio que mexer em coisas do passado assim… seja algo ruim.

Fiz uma breve reverência, como manda o protocolo.

—Então, por favor... pare.

Antes que ela dissesse qualquer outra palavra, me virei e saí.

De cabeça erguida.

Mas com o coração sangrando baixinho por dentro.

 ----

A porta ainda balançava levemente quando Dama Shen entrou. Seus passos eram contidos, mas o olhar atento não deixava passar nada.

—Está tudo bem, minha senhora? — perguntou, ao ver Lady Rui ainda em pé, os olhos fixos na porta fechada.

O silêncio respondeu por alguns segundos.

A Consorte não se moveu. Apenas permaneceu ali, imóvel, com a mão sobre o ventre, como se quisesse proteger não apenas o filho que carregava, mas também a dor que acabara de reacender.

—Dama Shen… — murmurou ela, enfim. — Feche a porta, por favor.

A chefe do setor violeta obedeceu de imediato. Bastou um olhar para entender que algo havia acontecido ali dentro.

—O que houve? Aquela garota... ela a irritou?

—Ela... — Lady Rui sorriu com amargura e caminhou lentamente até o divã. — Ela é minha pequena Hua.

Sentou-se com cuidado, repousando uma das mãos sobre o ventre e a outra no rosto, como se tentasse conter as lágrimas que se acumulavam.

—Quem diria que o destino nos juntaria dessa forma de novo?

O silêncio da sala agora era diferente.

Não era vazio. Era denso.

—Infelizmente, ela não reagiu bem... e eu compreendo — continuou, em voz baixa. — Encontrar a mulher que a abandonou quando era tão pequena... e ver que essa mesma mulher seguiu a vida... não deve ser fácil.

Dama Shen hesitou antes de se aproximar.

—Como a senhora tem tanta certeza de que é mesmo ela, se... ela negou?

Lady Rui fechou os olhos por um instante.

Um pequeno suspiro escapou antes de responder.

—Eu reconheceria o olhar dela mesmo em meio a mil rostos. A marca, o jeito como ela fala quando está tentando disfarçar o que sente... É ela.

A Dama-Chefe observou a senhora em silêncio por um momento. Depois, falou com respeito, mas também com firmeza.

—Senhorita Rui… dê um tempo a ela. Tudo que vocês precisam é conversar. Com calma. Sem feridas abertas demais.

Lady Rui assentiu, sem pressa.

—Sim… um tempo.

Pegou a chaleira já servida sobre a mesa e ergueu-a levemente.

—Tome um chá comigo, Dama Shen. Desde que engravidei, não posso beber. E agora… mais do que nunca, preciso aquecer o coração.

Dama Shen sentou-se em silêncio ao lado dela.

E ali, entre duas mulheres que já haviam perdido mais do que mereciam, o chá foi servido — como um bálsamo para as palavras que ainda viriam.

 ----

O jardim atrás do Pavilhão Violeta era o único lugar onde o mundo parecia não estar olhando.

Me sentei debaixo de uma ameixeira, as mangas do novo quimono pendendo sobre meus joelhos. O chão estava seco, coberto por folhas miúdas que dançavam com o vento. O ar tinha cheiro de tarde antiga. E por um instante… eu consegui respirar.

As lágrimas vinham sozinhas, devagar. Não faziam barulho.

Deslizavam pelo rosto como se já conhecessem o caminho.

Não era dor exatamente.

Era mais como… cansaço de aguentar tudo em silêncio.

Eu não queria chorar.

Mas estava cansada de ser forte também.

Foi nesse momento que ouvi passos leves atrás de mim.

Não me virei. Não queria que ninguém me visse daquele jeito.

Mas alguém se sentou ao meu lado.

Olhei de relance, ainda com os olhos marejados.

Era ele.

O garoto do mercado.

O mesmo que fingiu ser comprador. O mesmo que falou pouco, mas observou muito. Estava vestido com roupas simples de servente, mas nem isso escondia o jeito de quem estava acostumado a mandar.

—Está tudo bem? — ele perguntou, sem me olhar diretamente.

Pensei em mentir.

Dizer que sim.

Que estava tudo ótimo.

Que ser confundida com uma filha desaparecida, reviver um trauma e quase desabar nos braços de uma mulher que deveria ser um retrato do passado… não me afetou.

Mas não disse nada.

—Geralmente as pessoas choram no travesseiro, não no jardim — ele comentou com um leve tom de ironia, mas sem zombar.

Suspirei, passando o dorso da mão no rosto.

—Tentei… mas o travesseiro estava cheio demais.

Ele assentiu com a cabeça.

Ficamos em silêncio por alguns segundos.

Mas não era um silêncio desconfortável.

Era como se ele… entendesse.

Sem precisar de explicações.

—Você tem nome? — perguntei, ainda sem coragem de encará-lo por muito tempo.

Ele sorriu de canto.

—Tenho vários. Mas por enquanto... pode me chamar de Lin.

Lin.

Claro que não era o nome real.

Mas naquele momento, parecia suficiente.

Olhei de novo para frente, encarando o tronco fino da árvore diante de nós.

A brisa balançava as folhas no alto, mas lá embaixo tudo parecia parado. Dentro de mim… também.

Fechei os olhos por um momento, e então deixei a pergunta sair.

Baixa.

Quase como um sussurro que eu não sabia se queria que ele ouvisse ou não.

—Se você achasse alguém que você há muito tempo perdeu…

Alguém que, por sua causa, teve uma vida terrível… E agora essa pessoa finalmente está bem…

Parei por um instante. Minha garganta apertava, mas continuei.

—Você manteria distância? Mesmo que talvez isso a machucasse um pouco?

Só pra não atrapalhar tudo de novo?

O silêncio dele foi imediato.

Mas não frio.

Era um silêncio que ouvia. Que refletia.

Por um instante, desejei que ele não respondesse.

Mas, ao mesmo tempo, queria muito saber o que ele pensava.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, longos o suficiente para que eu quase me arrependesse de ter perguntado.

Mas então, ele falou.

Sem olhar pra mim. Com a voz baixa, mas firme.

—Se fosse comigo… acho que eu ficaria perto. Mesmo que de longe.

Eu franzi a testa, sem entender de imediato.

—Perto… de longe?

Ele soltou um leve suspiro.

—Eu não sumiria. Não fingiria que não existe mais nada. Mas também não forçaria a porta a se abrir. Estaria ali. Quieto. Esperando a hora certa. E se essa hora nunca viesse...

Bom... pelo menos ela saberia que eu estava por perto.

Desviei o olhar, engolindo em seco.

A resposta doeu de um jeito que eu não esperava.

—E você, a julgar pelo seu jeito, não me parece o tipo de pessoa que simplesmente foge.

Ele se levantou com calma, sacudindo as folhas da manga da roupa simples. Mas antes de dar o primeiro passo, estendeu a mão na minha direção.

Olhei para ela por um segundo.

Foi como um estalo. Um fio puxando a memória esquecida na correria, no medo, na confusão daquele dia.

—É verdade... — murmurei, surpresa. — O senhor me resgatou daquele lugar.

Me levantei depressa e comecei a me curvar.

—Eu não tive tempo de agradecer por aquilo. Obrigada por…

Mas antes que pudesse terminar,

—Não foi nada. Só cumpri meu dever.

O tom foi simples. Até distante.

Mas os olhos… não diziam o mesmo.

Havia algo ali.

Como se ele estivesse se protegendo de algo que nem eu tinha oferecido ainda.

Assenti devagar, respeitando o espaço que ele colocava entre nós.

Mesmo que, por dentro, eu começasse a perceber que aquele rapaz… talvez escondesse muito mais do que dizia

Olhei para a mão que ele havia soltado com pressa. Depois, olhei de novo para ele.

Foi então que me dei conta. Olhei ao redor.

As cortinas de seda lilás. A ausência total de vozes masculinas. A delicadeza meticulosa do jardim.

Esses são os domínios do harém.

Franzi a testa, voltando a encará-lo.

—Espere… — falei, desconfiada. — Esses são os domínios do harém. Eu ouvi dizer que homens não podem circular por aqui, a menos que sejam… bem… eunucos.

O silêncio caiu por um segundo.

Meus olhos desceram por reflexo, prontos para confirmar a teoria.

—O quê?! — Ele recuou um passo na mesma hora, colocando as duas mãos em frente ao corpo num gesto defensivo. — O que você tá pensando de repente?!

Fiquei completamente sem reação. Tentei disfarçar, mas o estrago já estava feito.

Ele pigarreou, ajeitou as mangas e respirou fundo como se tivesse sido insultado em público — o que, tecnicamente, tinha sido.

Então, com um movimento elegante, endireitou a postura e se curvou levemente.

—Me permita corrigir sua confusão... Sou Lin Yuelin, segundo príncipe do Império de Xiyuan.

Fiquei paralisada por dois segundos. O sangue subiu ao rosto com tanta velocidade que minhas orelhas esquentaram.

Abaixei a cabeça em reverência imediata.

—Vossa alteza…!

—Hmph — ele pigarreou de novo, cruzando os braços, visivelmente ferido no orgulho. — De “senhor eunuco” pra “vossa alteza”. Que trajetória interessante.

Eu quis me enfiar debaixo da ameixeira.

—Mas, Vossa alteza… se me permite… o que faz por aqui?

Ele arqueou uma sobrancelha com aquele sorrisinho torto.

—Apenas cuidando de negócios.

Me olhou de lado e completou, com o tom quase debochado:

—Você é sempre assim?

Meio invasiva… e extremamente sincera?

Abaixei os olhos, mas não consegui evitar o sorriso pequeno que escapou no canto da boca.

—Só quando a situação exige.

Ele riu baixinho.

—Acho que vai ser divertido acompanhar seu contrato

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Beerus

Beerus

Essa autora sabe como conquistar o leitor.

2025-06-08

1

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Capítulos
1 Capítulo 1 – Hua
2 Capítulo 2 – A Promessa de Ir Embora
3 Capítulo 3 – Setor Violeta
4 Capítulo 4 – O Olhar que Reconhece
5 Capítulo 5 — O que eu faço agora?
6 Capítulo 6
7 Capítulo 7 – O Príncipe, o Servo e os Segredos do Destino
8 Capítulo 8 – O que ele tá fazendo aqui?!
9 capítulo 9 - Do inferno ao Labirinto
10 Capítulo Especial – Antes do Chá
11 Capítulo 11 — Uma Entrada Silenciosa
12 capítulo 12
13 Capítulo 13 — De volta ao Pavilhão Violeta
14 Capítulo 14 – Flores no Pavilhão Violeta
15 Capítulo 15 Tempestade Violenta
16 Capítulo 16 — Ansiedade com Nome e Cabelos Escuros
17 Capítulo 17 – Abaixo da Cidade
18 Capítulo 18 — Entre fumaças e verdades
19 Capítulo 19
20 Capítulo 20 – Entre Sangue e Escolhas
21 Capítulo 21 – Nome e Sangue
22 Capítulo 22 – Sob o Céu da Manhã
23 Capítulo 23 – Sob o Céu da Manhã part2
24 Capítulo 24 - Segundas intenções alteza?
25 Capítulo 25 – Entre Espadas e Suspiros
26 Capítulo 26 – Fios de Sangue e Ciúmes Maternos
27 Capítulo 27 – Vozes de Seda e Veneno
28 Capítulo 28 – Tempestades Internas
29 Capítulo 29 – Chamado Materno
30 capítulo 30
31 Capítulo 31 – Febre e Verdades Suaves
32 Ainda Capítulo 32 – Passos na Madrugada
33 Capítulo 33 – O Fantasma no Corredor
34 Capítulo 34 – Jogada de Mestre
35 ESPECIAL
36 Capítulo 36 – Consequências e Sorrisos Idiotas
37 Capítulo 37 – Adeus com Gosto de Alívio (Ou Não)
38 Capítulo 38 – As Portas da Montanha
39 Capítulo 39 – Até Comer Tem Manual?
40 Capítulo 40 – Nova Amiga, Nova Vida (Ou Nova Prisão?)
41 Capítulo 41 – A Prova Final (Literalmente)
42 Capítulo 42 – Jantar de Cobras
43 Ainda Capítulo 43 – Três Problemas em Hanfu
44 capítulo 44 - Hua e Lan?
45 capitulo 25 - Esse vai ser meio extenso
Capítulos

Atualizado até capítulo 45

1
Capítulo 1 – Hua
2
Capítulo 2 – A Promessa de Ir Embora
3
Capítulo 3 – Setor Violeta
4
Capítulo 4 – O Olhar que Reconhece
5
Capítulo 5 — O que eu faço agora?
6
Capítulo 6
7
Capítulo 7 – O Príncipe, o Servo e os Segredos do Destino
8
Capítulo 8 – O que ele tá fazendo aqui?!
9
capítulo 9 - Do inferno ao Labirinto
10
Capítulo Especial – Antes do Chá
11
Capítulo 11 — Uma Entrada Silenciosa
12
capítulo 12
13
Capítulo 13 — De volta ao Pavilhão Violeta
14
Capítulo 14 – Flores no Pavilhão Violeta
15
Capítulo 15 Tempestade Violenta
16
Capítulo 16 — Ansiedade com Nome e Cabelos Escuros
17
Capítulo 17 – Abaixo da Cidade
18
Capítulo 18 — Entre fumaças e verdades
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Capítulo 19
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Capítulo 20 – Entre Sangue e Escolhas
21
Capítulo 21 – Nome e Sangue
22
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24
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Capítulo 26 – Fios de Sangue e Ciúmes Maternos
27
Capítulo 27 – Vozes de Seda e Veneno
28
Capítulo 28 – Tempestades Internas
29
Capítulo 29 – Chamado Materno
30
capítulo 30
31
Capítulo 31 – Febre e Verdades Suaves
32
Ainda Capítulo 32 – Passos na Madrugada
33
Capítulo 33 – O Fantasma no Corredor
34
Capítulo 34 – Jogada de Mestre
35
ESPECIAL
36
Capítulo 36 – Consequências e Sorrisos Idiotas
37
Capítulo 37 – Adeus com Gosto de Alívio (Ou Não)
38
Capítulo 38 – As Portas da Montanha
39
Capítulo 39 – Até Comer Tem Manual?
40
Capítulo 40 – Nova Amiga, Nova Vida (Ou Nova Prisão?)
41
Capítulo 41 – A Prova Final (Literalmente)
42
Capítulo 42 – Jantar de Cobras
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Ainda Capítulo 43 – Três Problemas em Hanfu
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capítulo 44 - Hua e Lan?
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capitulo 25 - Esse vai ser meio extenso

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