O harém era outro mundo.
Não havia poeira ali. Nem gritos. Nem cheiro de ferro ou suor. Só perfume de flores caras e incenso queimando. Os corredores eram largos, as janelas altas, e as paredes tinham pinturas de seda com cenas de montanhas e rios.
O chão era tão polido que meus pés descalços escorregavam sem querer. O silêncio era quase sagrado, interrompido apenas pelo som ritmado dos nossos passos.
A dama de roxo à minha frente andava rápido, e eu tentava acompanhá-la sem tropeçar no quimono limpo que agora vestia. Quando pensei que seguiríamos direto para algum aposento, ela parou de súbito diante de um portão lateral.
—Banho. De purificação. — disse, sem me encarar.
Duas servas abriram as portas, e eu fui empurrada para dentro de um cômodo de pedra com uma grande banheira fumegante no centro, cheia de pétalas de lótus brancas. A água era quente, o vapor fazia minha respiração queimar.
Me despiram sem cerimônia, como se eu não fosse ninguém, e esfregaram meu corpo com pasta de arroz e leite de arroz morno.
—Purificação do toque. Purificação da voz. Purificação do nome — murmuravam, como um ritual.
Quando me vestiram de novo, o tecido era mais leve e elegante que o anterior, e agora meus cabelos estavam presos em um coque simples, com uma fita lilás no alto.
Saímos pelos corredores do Pavilhão Violeta, e a dama à frente finalmente olhou por cima do ombro.
—Ouça com atenção — disse. Sua voz era calma, mas afiada como uma adaga. — A Consorte Rui está grávida de sete meses. E o imperador preza por ela como se fosse a última flor do jardim. Qualquer coisa que a estresse... pode custar caro. Pra você.
Engoli seco.
Ela continuou:
—Neste pavilhão, sua língua é sua serva, e não sua senhora. Fale pouco. Não confie em ninguém fora destes muros. E, principalmente, nunca se envolva com quem ronda a ala vermelha.
—Acha que está a salvo porque foi escolhida? Você foi escolhida porque pode servir. Se não servir, será descartada.
—E se por acaso levantar um dedo contra a Consorte Rui...
Ela virou-se por completo, e seus olhos estavam calmos, mas sem vida.
—...você morre. Entendido?
Assenti. Era a única resposta possível.
Passamos por mais dois corredores, e então as portas do Pavilhão da Consorte Rui se abriram.
Dentro, o ambiente era completamente diferente. Havia almofadas coloridas, bandejas com frutas, chá recém-preparado... e cinco mulheres sorridentes vieram até mim.
—Você que é a nova? Olha só, que menina linda! — disse uma delas, rindo com os olhos.
—Finalmente mandaram alguém decente! — outra comentou, ajudando a ajustar minha faixa. — Já estava cansada de lavar lençol sozinha.
—Seja bem-vinda, florzinha — disse a terceira, de forma tão suave que minha garganta apertou.
A mais alta delas, de expressão elegante, era claramente a chefe daquele grupo. Ela usava um vestido de linho refinado e tinha os cabelos presos com uma peça de jade violeta. A mesma mulher que antes parecia fria, distante, como gelo.
Agora sorria.
—Não precisa se assustar — ela disse, segurando minha mão com leveza. — Aqui, você está segura. Aqui, somos um lar. E a nossa Senhora... cuida de cada uma como se fosse sua própria filha.
As outras assentiram. Havia algo estranho naquela harmonia, mas… não parecia mentira.
Não parecia armadilha.
A líder apertou levemente minha mão.
—Você vai conhecê-la em breve. Mas antes… vamos tomar chá juntas. Você deve estar com fome, florzinha. Aqui ninguém serve de estômago vazio.
Essa coisa de me chamar de florzinha sem ao menos ter alguma intimidade comigo é de certo modo irritante!
—Por que... florzinha?
As meninas riram, mas sem deboche. Era como se já me tratassem com um carinho estranho pra um lugar tão severo.
—Porque você é a mais nova, ué — disse a mais baixinha, que parecia ter sempre um sorriso escondido nos lábios. — A mais novinha é sempre a flor do jardim. Mesmo que o jardim fique... num ninho de cobras.
—Especialmente por isso — completou a outra, ajustando a manga do kimono. — Aqui dentro, a gente forma muros umas pras outras. O harém não é lugar pra inocente sobreviver sozinha.
A líder, a mesma que antes parecia feita de gelo, agora se sentou com a postura graciosa e apontou para as demais com um gesto tranquilo.
—Vamos nos apresentar. Ela merece saber com quem está lidando, certo?
A primeira a falar foi a sorridente.
—Sou Mei, tenho vinte e um. Cuido das roupas da consorte. Lavo, dobro e passo o dia reclamando dos lenços de seda que ela ama usar — disse rindo.
A baixinha se adiantou:
—Sou Rin, dezenove. Limpo os utensílios de chá e arrumo as flores dos arranjos. Se ver algo torto, fui eu mesmo.
A mais elegante, com cabelo trançado, falou a seguir:
—Sou Hana. Vinte e três. Organizo a ala da noite — velas, camas, lençóis e os banhos da consorte. Sempre deixo tudo pronto antes que ela peça.
Depois, uma mulher mais séria e reservada, que até então não tinha dito uma palavra, deu um pequeno aceno:
—Chamo-me Li. Tenho vinte e cinco. Cuido da contabilidade e entrego os relatórios semanais à chefe. Alguém precisa manter a papelada organizada neste templo de mulheres.
Por fim, todas olharam para a chefe.
Ela sorriu, com calma.
—Sou Dama Shen. Trinta e um anos. Sou a responsável por esse setor. E antes que pergunte, sim... este é o único pavilhão onde cada serva tem um quarto próprio. É ordem direta da Consorte Rui.
Aqui ninguém dorme no chão.
Meus olhos se arregalaram. Eu ia dividir com elas... mas sem dividir tudo?
—Mas e os outros pavilhões?
—Lá elas dividem um quarto com cinco, seis... às vezes dez. — Rin fez careta. — Aqui é diferente. Porque a Senhora faz questão.
—Ela nos protege — completou Mei. — E por isso a gente retribui com lealdade. Ninguém entra aqui sem passar por nós.
—Ok... e o que eu vou limpar?
Na mesma hora, o salão ficou em silêncio.
Todas abaixaram o olhar.
A atmosfera leve pareceu congelar por um momento.
Foi Dama Shen quem respondeu, com a voz mais baixa agora:
—Você... não vai limpar nada.
Minha testa se franziu.
—Como assim?
Ela me encarou por um momento longo demais. Então, disse:
—Você foi escolhida para ser a provadora oficial da Consorte Rui.
Minha respiração travou.
Eu tinha ouvido esse termo antes. Nas histórias sussurradas no caminho.
Nas listas que nunca eram lidas em voz alta.
Provadora.
Aquela que come antes.
Aquela que, se houver veneno... morre primeiro.
Foi naquele instante que tudo fez sentido.
Os sorrisos suaves.
O tratamento gentil.
O apelido “florzinha”.
O quarto individual.
A água quente.
O cuidado.
Era pena.
Elas sabiam. Todas ali sabiam.
Escolheram a mais nova. A mais leve. A que podia parecer doce o bastante pra não levantar suspeitas... e descartável o bastante para morrer no lugar da mulher que todas ali juraram proteger.
Engoli seco. Não chorei. Mas o chá que me ofereceram antes... agora parecia mais amargo por que é claro, nada é tão simples não é?
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Atualizado até capítulo 45
Comments
Kino No Tabi
Vou seguir com interesse.
2025-06-07
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