No centro da foto, havia um homem. Jovem, de porte atlético, cabelos negros como a noite e olhos... aqueles olhos penetrantes, escuros, que pareciam me despir só de olhar. Eu senti como se estivesse nua diante dele — mesmo ali, completamente vestida. Aquela sensação me incendiou por dentro, me fazendo tremer sem saber se era medo ou excitação.
O jornal era de 1982, e a reportagem falava sobre uma antiga família muito influente, dona de inúmeros imóveis na cidade. Mas o que me prendeu não foi o texto — foi aquele rosto. Tinha algo de familiar. Cada vez que eu lia, cada vez que meus olhos voltavam para ele, mais certa eu estava: eu o conhecia. Aqueles olhos já tinham me olhado antes... mesmo que eu não soubesse como isso era possível.
Naquele dia, senti que algo estava prestes a acontecer. Como se o destino tivesse se dobrado, como se um elo estivesse se formando entre passado e presente. Sentindo o peito apertado, com o corpo ainda quente pela sensação daquele olhar, fui me recolher para o almoxarifado — meu pequeno refúgio escondido.
Encostei na parede fria, tentando entender o que aquilo significava. Olhei para o teto, respirei fundo e deixei que as lembranças da minha vida deslizassem pela mente. As confusões, os desejos contidos, os sonhos interrompidos... tudo parecia convergir para aquele instante.
E então adormeci, sem perceber que, naquele exato momento, a sombra daquele homem começava a se mover... saindo da imagem, atravessando o tempo, vindo ao meu encontro.
---Para minha surpresa — e certo desapontamento — fui arrancada daquele transe por uma voz familiar:
— Acorda, dorminhoca! Vamos trabalhar — disse Isadora, com aquele tom brincalhão e provocante que só ela tem.
Ela entrou no almoxarifado com passos firmes e sensuais, como sempre. Vestia um conjunto social preto que moldava seu corpo com elegância, os cabelos presos em um coque impecável. Em cada mão, um copo de café expresso recém-feito. Aquela cena, por um instante, me pareceu fora do tempo, como se tudo nela fosse meticulosamente desenhado.
Isadora tem 22 anos, assim como eu. Também é órfã, mas teve a sorte de ser adotada por uma família simples, cheia de afeto. Desde que nos conhecemos, estamos sempre juntas. Ela é meu porto seguro e, ultimamente, tem insistido para que eu tente o vestibular de medicina — meu sonho esquecido, adormecido por entre boletos, noites mal dormidas e esse emprego puxado no jornal.
Acordei atordoada, sem saber direito o que era sonho, o que era lembrança, o que era... aquele olhar no jornal. Isadora apenas riu ao me ver confusa:
— A gente já tá atrasada — disse, entregando o café nas minhas mãos.
— Atrasada pra onde, Isa? — perguntei, tentando juntar os pensamentos.
Ela apenas sorriu de canto, daquele jeito que me desconcertava às vezes, e saiu do almoxarifado como se esperasse que eu entendesse sem explicações. Levantei e fui ao pequeno banheiro do corredor. Lavei o rosto, escovei os dentes, me encarei no espelho. As olheiras estavam profundas, não só por causa do trabalho exaustivo de madrugada — mas pelos sonhos. Aquele sonho. Sempre o mesmo. Aqueles olhos. Aquela sensação de estar sendo observada. Desejada.
— Isaínny! — chamou ela do lado de fora, batendo na porta. — Você não tá dormindo nada. Olha essa cara! Mas calma, eu dou um jeito nisso...
Ela abriu minha bolsa e tirou de lá um nécessaire de maquiagem e um conjunto azul escuro que tínhamos comprado juntas num brechó charmoso do centro. Era justo, elegante... e marcava meu corpo de um jeito que me deixava confiante.
— Veste isso. Hoje pode ser o dia que muda sua vida — disse ela, como se soubesse de algo que eu não sabia.
Isadora sempre foi assim: misteriosa, intensa, com um jeito de me tocar que atravessava camadas — da pele à alma. Eu ainda não sabia o que me esperava naquele dia. Mas sentia. Algo estava prestes a acontecer.
Algo que talvez envolvesse mais do que apenas sonhos... algo entre o desejo e o destino.
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Atualizado até capítulo 59
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