A dúvida cresceu nos dias seguintes como uma semente silenciosa. Helena não queria alimentar expectativas, não depois de tantas perdas, não depois do milagre de Miguel. Mas o corpo falava com uma linguagem familiar: o sono constante, a sensibilidade aumentada, as náuseas discretas, o leve inchaço nos seios. Era como se seu corpo inteiro estivesse sussurrando: mais uma vez.
Ainda assim, ela relutava. Parte dela temia criar esperanças que pudessem desabar.
Na manhã em que decidiu comprar o teste de farmácia, Helena levou Miguel para a escola e passou em uma farmácia do bairro. Sentia o coração acelerar como se estivesse prestes a ouvir uma sentença. Chegou em casa e deixou o teste sobre a pia do banheiro por alguns minutos, encarando a embalagem como se ela pudesse responder antes mesmo de ser usada.
Fez o teste com mãos trêmulas. Sentou-se na beirada da cama, com os olhos fechados. Aqueles minutos pareciam eternos.
Quando enfim criou coragem para olhar, ali estavam: duas linhas. Duas linhas que a fizeram prender a respiração, sentir um frio na barriga, e em seguida, chorar como uma menina.
Ela se ajoelhou no tapete da sala, sem velas, sem cartas, sem grandes palavras. Apenas se ajoelhou. E, em silêncio, com o rosto voltado para o céu, agradeceu.
— Obrigada, meu Deus... obrigada por me confiar mais uma vez esse dom. Obrigada por me escolher, mesmo em meio às minhas falhas.
Nos dias seguintes, entre exames e o primeiro ultrassom, a confirmação veio como um sussurro doce: era uma gravidez saudável. O médico a tranquilizou, disse que a síndrome dos ovários policísticos não impedia uma gestação normal, e que, com os devidos cuidados, ela poderia viver uma gravidez tranquila.
Ao ver o pequeno coração pulsando na tela, Helena sentiu-se inteira de novo. Era uma batida firme, como um tambor que anunciava esperança.
Contou a novidade a Miguel numa manhã de sábado, preparando um café da manhã especial. Ele, ainda com a fala meio embolada e o raciocínio acelerado, olhou para o ventre dela com curiosidade.
— Um bebê aí dentro?
— Sim, meu amor. Você vai ser irmão mais velho.
— E ele vai brincar comigo?
Helena sorriu com os olhos marejados.
— Vai, do jeitinho dele. E você vai proteger ele, tá bom?
Miguel assentiu, mas logo se distraiu com a torrada. Ainda era pequeno demais para entender, mas algo nele pareceu mudar naquele dia. Como se, de alguma forma, já sentisse que não estaria mais sozinho.
O tempo passou rápido. Com o corpo mais experiente e a alma mais madura, Helena viveu essa gestação com uma mistura de calma e receio. As dores do passado ainda ecoavam, mas havia ali uma nova segurança, uma fé renovada. Diferente da primeira vez, ela não questionava o porquê. Apenas aceitava o presente.
E então, em uma madrugada fria de agosto, Alice chegou.
Pequena, com os olhos fechados e os punhos cerrados, chorou alto ao nascer, como quem avisava ao mundo que havia chegado para deixar sua marca. Quando a colocaram nos braços de Helena, ela chorou de novo — mas agora, de gratidão.
Alice era calma. Desde os primeiros dias, dormia com facilidade, se aninhava com ternura, sorria com os olhos. Uma presença suave. Um equilíbrio para o furacão que era Miguel.
Ver os dois juntos, mesmo nos primeiros dias, enchia o peito de Helena de uma emoção difícil de explicar. Era como se, finalmente, mesmo no caos da maternidade, algo se alinhasse dentro dela.
Dois filhos. Duas histórias diferentes. Dois milagres.
E uma mãe que, apesar do medo, da solidão e das dúvidas, começava a entender que não estava sozinha. Ela era a fortaleza onde eles se abrigavam. E isso a tornava mais forte do que jamais imaginou ser.
Miguel tinha pouco mais de três anos quando Alice começou a engatinhar pela casa, espalhando risadinhas e brinquedos por todos os cantos. Era uma bebê encantadora, dessas que sorriem para todo mundo, que aprendem a bater palmas antes mesmo de falar.
E Miguel... parecia não saber lidar com aquele novo brilho que não era mais só dele.
— Mamãe, ela pegou meu carrinho! — gritou da sala, os olhos flamejando de raiva.
Helena correu para intervir, encontrando Miguel tentando puxar o brinquedo da mão da irmã, que, assustada, começou a chorar.
— Miguel! Calma, filho. Ela só está curiosa...
— Mas é meu! — gritou, atirando o carrinho longe. A peça bateu na parede com força e caiu no chão.
Helena congelou. Não era a primeira vez que o filho se descontrolava, mas algo naquela cena acendeu um alerta silencioso dentro dela.
Naquela tarde de sábado, Roberto estava em casa — como sempre fazia questão, mesmo com a rotina exaustiva do trabalho. À noite e nos fins de semana, ele era um pai presente, esforçado. Sentia-se culpado por não estar mais com os filhos durante o dia, e por isso se dedicava ainda mais quando podia.
Ele se aproximou devagar, observando o filho de braços cruzados, o rosto vermelho e tenso.
— Miguel, o que foi isso? — perguntou com voz firme. — Você não pode gritar assim, muito menos jogar as coisas.
— Ela sempre pega tudo! Eu odeio ela!
O silêncio que se seguiu foi denso. Alice soluçava baixinho nos braços da mãe, e Helena olhou para Roberto com um pesar mudo.
Ele se ajoelhou diante do filho, tentando manter a calma.
— Filho, ela é pequena, não entende ainda. Você é o irmão mais velho, lembra? Tem que ensinar, proteger...
— Eu não quero ensinar! Eu quero que ela vá embora!
Roberto suspirou e se levantou. Mais tarde, já com as crianças dormindo, ele e Helena ficaram sentados na sala, o som da televisão apenas como pano de fundo.
— Você acha que isso é só ciúmes? — perguntou ele.
— Eu não sei mais — respondeu ela, num sussurro. — Às vezes ele parece tão fora de si... Não é só birra. É como se ele não conseguisse controlar o que sente.
— Eu tenho pensado nisso também. Talvez devêssemos conversar com o pediatra. Pode ser só uma fase, mas... e se não for?
Helena passou as mãos no rosto, cansada. Um medo sutil começava a se formar. Um medo que nenhuma mãe quer nomear.
— E se for algo mais? E se ele... tiver algo?
— A gente vai descobrir. E vai cuidar disso — garantiu Roberto, apertando a mão dela. — Juntos.
Ela tentou sorrir, mas o coração estava pesado. Naquela noite, antes de dormir, sentiu uma leve tontura e se perguntou, por um breve instante, se poderia ser algo físico. Mas não era.
Era o cansaço acumulado. A preocupação constante. O medo de falhar como mãe.
Não era uma nova vida dentro dela.
Era a realidade se tornando mais densa.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Fatima Deroni Lucas Da Silva
Eu já ia perguntar pelo marido pai das crianças.
2025-06-04
0
Susana Amor
tbm pensei que o pai tivesse ido embora
2025-06-05
1
Erlete Rodrigues
Ah o marido apareceu
2025-06-07
0