As férias de verão ainda não tinham acabado, e Clara e Gustavo continuavam inseparáveis, em busca da próxima aventura. A vila de São Miguel do Vale, com suas ruas de paralelepípedo e casas coloridas, parecia esconder histórias em cada esquina. E havia uma, em especial, que todos evitavam comentar: a Casa Amarela, no fim da Rua dos Ipês.
Era uma construção antiga, com janelas de madeira sempre fechadas e um jardim tomado por ervas daninhas. Nenhum morador se lembrava de alguém que tivesse morado lá por muito tempo. Os adultos diziam que era só uma casa velha, mas as crianças da vila — como sempre acontece — tinham suas próprias teorias: que ali morava uma bruxa, que fantasmas espiavam pelas frestas, que o tempo parava dentro daqueles muros.
Gustavo, obviamente, estava obcecado.
— “A gente precisa entrar lá. Vai que tem um tesouro escondido, ou alguma coisa mágica!”
Clara arregalou os olhos.
— “Você quer mesmo entrar na casa que todo mundo evita? Gustavo, e se tiver alguém morando lá de verdade?”
— “Melhor ainda! A gente descobre o segredo!” — respondeu ele, com aquele brilho nos olhos que ela já conhecia bem. O brilho das ideias malucas.
Depois de muita insistência, Clara concordou. Não por acreditar nos mistérios, mas porque... bem, era Gustavo. E ela não conseguia dizer “não” por muito tempo.
Esperaram até o fim da tarde. Quando o sol começava a se esconder, os dois pedalaram devagarinho até o portão enferrujado da Casa Amarela. As bicicletas ficaram escondidas atrás de uma moita, e eles passaram por um buraco na grade, se esgueirando como espiões de desenho animado.
O jardim era ainda mais assustador por dentro. Galhos secos arranhavam as roupas, o mato alcançava os joelhos, e o chão rangia sob seus pés. Quando chegaram à porta da frente, Gustavo tocou a maçaneta. Estava destrancada.
— “Você trouxe lanterna?” — sussurrou Clara.
— “Claro. E chocolate.” — respondeu ele, como se os dois itens tivessem igual importância.
Lá dentro, a casa cheirava a poeira e coisa antiga. Havia móveis cobertos por lençóis e quadros tortos nas paredes. Clara andava devagar, olhando tudo com cautela. Gustavo ia na frente, apontando a lanterna como se fosse uma espada luminosa.
Encontraram um velho piano na sala, uma estante cheia de livros mofados e, o mais estranho, uma caixinha de música ainda funcionando, largada sobre uma mesa. Quando Clara a abriu, uma melodia suave e triste começou a tocar, ecoando pela casa. Os dois pararam, hipnotizados.
— “Quem será que deixou isso aqui?” — sussurrou ela.
Antes que Gustavo pudesse responder, uma voz suave veio do andar de cima.
— “Tem alguém aí?”
Congelaram. O coração de Clara parecia querer sair pela boca. Gustavo puxou a mão dela devagar e começou a andar de ré, sem fazer barulho.
Mas, antes que conseguissem sair, uma figura apareceu no topo da escada. Era uma senhora, magra e de cabelos completamente brancos, vestida com uma camisola azul clara. Ela não parecia assustada — apenas surpresa.
— “Ora... vocês são só crianças.”
Depois de alguns segundos tensos, ela desceu os degraus devagar. Seu nome era Dona Eulália, e explicou que morava ali há anos, mas raramente saía, pois tinha problemas nas pernas. Ela ria das lendas e dizia que gostava da solidão e do silêncio da casa.
— “Ninguém vem aqui, o que é ótimo. Assim não me incomodam quando estou lendo ou ouvindo música.”
Ela os convidou para um chá — Gustavo recusou, achando que podia ser veneno, mas Clara aceitou e, para surpresa de ambos, estavam tomando chá de camomila com bolacha de nata em menos de dez minutos, ouvindo Dona Eulália contar histórias da infância, da vila, de quando o rio ainda era cheio de peixes e de como o barulho das crianças correndo na rua era sua trilha sonora preferida.
Na hora de ir embora, já escurecendo, Dona Eulália piscou para os dois.
— “Voltem quando quiserem. Mas tragam mais chocolate.”
Gustavo olhou para Clara com um sorriso largo.
— “Viu só? A casa tinha um segredo mesmo. Uma senhora que gosta de paz e de doces.”
— “E você quase morreu de susto pra descobrir isso.” — respondeu Clara, rindo.
Na volta pra casa, os dois pedalavam devagar, sob o céu estrelado.
E foi ali que, sem perceberem, começaram a descobrir que o mundo não era só feito de aventuras e perigos, mas também de pessoas solitárias que guardam histórias preciosas — e que coragem, às vezes, significa apenas bater à porta errada... e descobrir que ela estava aberta o tempo todo.
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Atualizado até capítulo 44
Comments
Vivi imut i love you
Não consigo parar de ler, estou viciada!
2025-06-06
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