O ano virou e com ele vieram novas rotinas, novos desafios e, claro, novas aventuras para Clara e Gustavo. Agora com oito e sete anos, respectivamente, os dois eram como extensão um do outro. Onde se via Clara, lá estava Gustavo – mesmo que fosse do lado oposto do quadro de honra. Enquanto ela colecionava estrelinhas douradas nas provas, ele colecionava advertências pela quantidade de vezes que escapava da sala de aula para brincar no pátio. Mas isso nunca os afastava. Ao contrário: as diferenças pareciam dar liga à amizade improvável.
Numa tarde abafada de verão, Gustavo apareceu com uma ideia genial — pelo menos, era assim que ele chamava: construir um “barquinho de verdade” para navegar pelo rio que cortava São Miguel do Vale. Clara, inicialmente relutante, acabou sendo convencida pelo entusiasmo do amigo. “Não vai afundar! Eu vi na televisão, é só usar garrafa pet e fita isolante!” — dizia ele, segurando uma sacola cheia de materiais reciclados que pegara atrás do supermercado.
Passaram horas no quintal dos avós de Gustavo, onde podiam fazer bagunça sem muita supervisão. Montaram a base com pedaços de madeira, garrafas nas laterais, um pedaço de lençol velho como vela e até um leme improvisado feito com uma tampa de panela. Clara cuidava dos detalhes com atenção meticulosa, anotando tudo num caderninho, enquanto Gustavo se sujava inteiro tentando equilibrar as partes como se estivesse construindo uma espaçonave.
Finalmente, no domingo seguinte, levaram o "navio" para o rio. O céu estava limpo, os grilos cantavam nas margens e o cheiro de mato molhado tomava o ar. Com orgulho no peito, Gustavo empurrou o barquinho até a correnteza e... ele afundou em menos de um minuto.
Clara tentou conter o riso, mas logo os dois estavam rolando na grama, gargalhando até doer a barriga. “Acho que faltou mais garrafa”, disse Gustavo, deitado de costas, olhando o céu. “Ou menos panela”, retrucou Clara, ainda rindo. Naquele momento, o fracasso não importava. Era só mais uma lembrança para guardar.
No caminho de volta, sujos de lama e com folhas grudadas nos cabelos, encontraram a dona Neusa, a vizinha mais fofoqueira do bairro. Ela os olhou com espanto e exclamou: “Vocês parecem dois filhotes de porco! Que exemplo, hein, dona Clarinha?” Gustavo se encheu de orgulho: “É que ela é minha parceira de missão secreta, dona Neusa. Não conta pra ninguém!”
E foi assim, entre planos mirabolantes e desastres adoráveis, que os dois continuaram a escrever sua história. Clara aprendia a rir do imprevisível. Gustavo, sem perceber, começava a admirar o cuidado e a calma da amiga. A amizade deles era como o barquinho que afundou: cheia de falhas, mas feita com carinho. E, de algum jeito, flutuava — mesmo nas correntes mais inesperadas.
O fracasso do barquinho, longe de desanimá-los, se transformou numa espécie de combustível para novas ideias. Nos dias seguintes, Gustavo apareceu com uma nova proposta: construir uma tirolesa entre duas árvores no terreno baldio perto da escola. Clara arregalou os olhos imediatamente. “Você quer se matar?!” — exclamou, mas ele apenas deu de ombros com aquele sorriso de quem vivia como se a vida fosse uma eterna brincadeira.
Mesmo contra sua vontade inicial, Clara estava lá, segurando firme a corda enquanto Gustavo, do alto de um galho, se preparava para o voo. O “equipamento” consistia numa corda de varal velha e uma alça feita com o cinto de pano da calça da mãe dele. O resultado foi previsível: a corda estourou no meio do caminho e Gustavo caiu direto num monte de folhas secas — com sorte, não se machucou. Ela correu até ele, o coração disparado, e quando viu que ele ria, quase chorou de alívio. “Um dia você ainda vai se quebrar todo, e eu não vou estar aqui pra colar você!”, ralhou, ofegante. “Então nunca deixa de estar”, respondeu ele, ainda deitado, com um sorriso torto e olhos meio fechados.
Aquela frase grudou na mente de Clara mais do que gostaria. Por dias, ela pensou no que ele dissera, tentando entender se era só mais uma piada ou se havia algo escondido ali. Ela era só uma criança, mas seu coração já começava a se mexer de um jeito diferente quando o assunto era Gustavo. E quanto mais ele arriscava, mais ela sentia medo — não do que ele fazia, mas do que poderia perder.
Uma semana depois, estavam na pracinha, comendo raspadinha de groselha, quando ele virou pra ela, com a boca vermelha do xarope doce, e perguntou: “Se você tivesse que escolher entre ser astronauta ou mágica, o que você escolheria?” Clara pensou por um momento. “Mágica. Porque aí eu poderia te proteger de longe, sem você saber.” Ele fez uma careta divertida. “Então você ia ser tipo uma fada madrinha secreta?” Ela riu, meio tímida. “Mais ou menos isso.”
Ele não entendeu o que ela quis dizer. Mas ela, ali no fundo, já sabia: queria estar por perto mesmo quando ele não percebesse. Porque Gustavo, com todas as suas ideias malucas, já era a aventura favorita do coração dela.
só um detalhe queridos leitores (a),olha e minha primeira obra então gostaria de opinião sincera 🥰🥰
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Atualizado até capítulo 44
Comments
Meire
Eu estou amando, tomara que no decorrer da estória eles não fiquem anos sem se encontrar!
2025-06-12
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