Desde o dia em que Letícia apareceu, Jade não era mais a mesma. A insegurança que sempre a acompanhava agora caminhava lado a lado com a vergonha. Sentia-se tola por ter acreditado em Nero, por ter deixado que palavras bonitas encobrissem atitudes tóxicas.
Mas, estranhamente, não se sentia fraca. Sentia raiva. E a raiva, diferente da dor, não imobilizava. Ela impulsionava.
Passou os dias seguintes em silêncio, recusando mensagens de Nero, ignorando as batidas na porta e os presentes deixados na entrada. Ele tentou ligar. Tentou mandar recado por um dos soldados. Até subiu o morro e ficou parado do outro lado da rua, encarando a casa como um cão de guarda ferido. Mas Jade não cedia. Não mais.
Naquela quinta-feira, ao invés de se esconder, ela subiu na laje com um caderno novo e uma ideia na cabeça: ela precisava fazer algo por si mesma. Começou a anotar receitas, planejar pratos simples que pudessem ser vendidos. Queria abrir uma marmitaria junto da mãe, deixar de depender dos trocados que Cida fazia por dia. Queria respirar, longe da sombra de Nero.
Enquanto escrevia, alguém se aproximou.
— Tá ocupada?
Ela olhou para o lado e viu Vinícius, o mesmo amigo de infância com quem tinha rido dias antes — o mesmo que, sem querer, causou a crise de ciúmes de Nero. Ele estava com um sorriso tímido, e uma caixa de ferramentas na mão.
— Vim ver a antena da sua mãe. Ela falou que tava chiando tudo.
— Ah... pode subir. Tá ali no canto — respondeu, desviando o olhar.
Ele começou a mexer nos fios, em silêncio. Mas não demorou muito para puxar assunto.
— Te vi diferente esses dias. Mais... firme.
Jade deu de ombros.
— É que eu cansei de rastejar. De querer provar meu valor pra quem só vê o que convém.
Vinícius a olhou com atenção.
— Sempre achei você forte. Mesmo quieta, mesmo sendo zoada. Sempre se manteve em pé. Isso... não é pra qualquer uma.
Ela sorriu, sem jeito.
— Só me vi fraca depois que comecei a acreditar nas migalhas que me davam como se fossem um banquete.
Ele largou a ferramenta e se sentou ao lado dela, de frente pro horizonte do morro, onde as luzes da cidade começavam a se acender.
— A gente aprende a aceitar pouco quando passa a vida toda ouvindo que é pouco. Mas não é. Você é muito, Jade. Só ainda não percebeu.
Ela sentiu os olhos marejarem. Pela primeira vez em dias, alguém a via de verdade — sem interesse, sem controle, sem posse. Apenas via.
Vinícius levantou pouco depois, deixando a antena funcionando e o coração dela confuso. Não disse mais nada. Só sorriu e foi embora.
E naquela noite, Jade não escreveu sobre dor. Escreveu sobre renascimento.
Mas enquanto a laje lhe dava asas, no beco escuro ao lado da casa dela, Nero a observava. De olhos cerrados e punhos fechados. O ódio corria em seu sangue.
Ele não era de perder, e não queria perder.
Muito menos para alguém como Vinícius.
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Atualizado até capítulo 81
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