capítulo 02

O silêncio já era absoluto. Todos olhavam, esperando o constrangimento final: a falta do beijo dos noivos. Afinal, como poderiam fingir que aquilo era um casamento normal, se estava mais do que na cara que ambos se detestavam?

O padre pigarreou, tentando encerrar a cerimônia sem criar mais desconforto, mas antes que ele dissesse qualquer coisa, Felipe se moveu.

Rápido. Decidido. Intenso.

Ele segurou Kelly pela cintura com uma força que ela definitivamente não esperava. Suas mãos grandes apertaram sua cintura, e, antes que ela sequer pudesse reagir, Felipe puxou-a contra seu corpo e selou seus lábios nos dela.

Um beijo.

Não foi um selinho protocolar. Nem algo mecânico. Foi um beijo cheio de raiva, de desafio… e de algo mais que nem ele nem ela queriam admitir.

Os olhos de Kelly se arregalaram no primeiro segundo, surpresa, indignada. Ela tentou empurrá-lo, mas as mãos dele seguraram firme, e a boca dele dominou a dela, quente, atrevida, exigente.

O ar sumiu. A força que ela achava que tinha, evaporou no momento em que os lábios dele provaram os seus. E, por um segundo que ela jamais admitiria, sua boca cedeu.

— “MAS O QUE…?” — exclamou alguém no meio dos convidados.

— “Ele ficou louco!” — sussurrou uma das tias, chocada.

Quando Felipe finalmente se afastou, os olhos dele estavam semicerrados, escuros, a respiração pesada. Sua mão ainda estava na cintura dela, apertando, como se quisesse lembrá-la de que agora ela era sua.

— “Agora ninguém pode dizer que não cumprimos o protocolo.” — disse ele, com aquele tom rouco, carregado de deboche e algo mais… desejo.

Kelly piscou, sem saber se estava furiosa, humilhada ou… afetada. Seu corpo inteiro tremia, não sabia se de raiva ou pela eletricidade que ainda percorria sua pele.

— “Seu… imbecil!” — sussurrou, apertando o buquê até quase esmagar as flores.

Ele sorriu de lado, aquele sorriso arrogante que só fazia o sangue dela ferver mais. — “Acostume-se, senhora De Luca. Vai ser assim… sempre que eu quiser.”

Os olhares dos convidados iam do choque à indignação. A família dele inteira parecia prestes a explodir, afinal, aquele Felipe… não parecia nem de longe o homem submisso e inútil que eles estavam acostumados a desprezar.

Ali, naquele beijo… Felipe mostrou a todos que talvez eles não conheciam nem metade do homem que ele realmente era.

E Kelly… bem, ela percebeu que aquele casamento ia ser muito mais complicado — e muito mais intenso — do que jamais imaginou.

O caminho até a mansão De Luca foi silencioso… pelo menos, em palavras. Porque o silêncio que havia no carro era carregado, denso, cheio de faíscas invisíveis que pulavam entre eles.

Kelly cruzou os braços, olhando pela janela, tentando ignorar o fato de que sua pele ainda ardia no ponto exato onde Felipe segurou sua cintura durante aquele maldito beijo. Um beijo que ela não conseguiu disfarçar o quanto a desestabilizou.

Felipe, por outro lado, estava largado no banco, uma perna cruzada, olhando pra ela de canto, aquele sorriso arrogante brincando nos lábios.

— “Você está tremendo, esposa. Está nervosa?” — provocou, a voz rouca, arrastada.

Ela se virou bruscamente. — “Se acha que aquele teatro na frente de todo mundo me afetou, está muito enganado, De Luca.”

Ele soltou uma risada baixa, seca. — “Claro que não. Por isso suas bochechas estão vermelhas até agora.”

— “Não se ache, Felipe. Você não me impressiona.” — rebateu ela, mordendo a língua para não jogar na cara dele o quanto aquele maldito beijo ficou martelando em sua mente.

Quando o carro parou em frente à mansão, a tensão ficou pior. A enorme porta de madeira se abriu, revelando os De Luca reunidos na sala. Caras fechadas. Olhares de julgamento.

Kelly desceu do carro ajeitando o vestido, segurando o queixo alto. Ela não ia se dobrar. Não diante deles. Nem diante de ninguém.

Felipe desceu logo atrás, meteu as mãos nos bolsos, o olhar frio, expressão entediada, como se toda aquela cena fosse apenas perda de tempo.

— “Chegaram os pombinhos…” — disse uma das tias, cruzando os braços.

— “Espero que ela não seja tão inútil quanto ele.” — disparou um dos primos, rindo, sem se dar ao trabalho de sussurrar.

Kelly arqueou uma sobrancelha, virou o rosto lentamente pro lado, olhando diretamente pro rapaz. — “Inútil? Engraçado… achei que era o noivo quem tinha me beijado como se fosse dono do mundo.” — disparou, seca.

O silêncio na sala foi imediato. E Felipe… ele arqueou uma sobrancelha, segurando um sorriso de canto, satisfeito com a resposta dela.

— “Vai me defender agora?” — ela sussurrou pra ele, por trás do sorriso falso que direcionava aos convidados.

Ele se inclinou levemente, colando os lábios perto do ouvido dela, e respondeu, grave, arrastado, cheio de segundas intenções: — “Não, esposa. Eu só gosto de ver você se saindo bem sozinha… mas, se quiser, posso entrar no jogo.”

— “Eu não estou jogando.” — rebateu.

— “Vai descobrir logo que, nesse casamento, tudo é um jogo, Kelly.” — respondeu, se endireitando e colocando aquele sorriso cínico nos lábios.

Ao entrarem na sala, a matriarca cruzou os braços, olhando de cima a baixo. — “Quero ver até quando esse teatrinho de vocês vai durar.”

Felipe respirou fundo, se controlando. Seus punhos cerraram, mas ele não disse nada. De novo, engolindo cada palavra, cada ofensa. E Kelly percebeu. Ela percebeu que aquele homem… não era tão submisso quanto fingia.

Subindo as escadas da mansão, ele segurou a mão dela, obrigando-a a segui-lo.

— “Solta.” — ela tentou puxar.

— “Nem pense. Até no inferno… somos parceiros agora, Kelly.” — respondeu, apertando mais forte.

Ao entrarem no quarto, ele bateu a porta, se virou lentamente, encostando as costas na madeira, olhando-a dos pés à cabeça.

— “Então… quer saber como vai ser agora? Bem-vinda à sua nova vida, senhora De Luca.” — disse, a voz grave, sombria… e perigosamente sedutora.

O olhar dela queimava. O dele… mais ainda.

E ali, no silêncio daquele quarto, ficou claro que aquela guerra… só estava começando.

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