O Dia Metódico

No trabalho, Arthur mergulhou na segurança das linhas de código. O ambiente do escritório, com seus cubículos organizados e o zumbido constante dos computadores, era um território familiar onde a lógica reinava. Ele era um programador eficiente, capaz de focar por horas, imerso nos problemas complexos que os sistemas apresentavam. Bug fixes, otimização de algoritmos, desenvolvimento de novas funcionalidades – cada tarefa era um quebra-cabeça que ele desvendava com precisão. O mundo digital não falava, não sorria, não exigia respostas inesperadas. Era um refúgio da imprevisibilidade humana.

No entanto, mesmo no auge de sua concentração, um pequeno eco do "Oi!" da manhã reverberava em sua mente. Era um ruído sutil, quase inaudível, mas persistente. Uma cor inesperada na tela cinzenta de seu monitor. Ele se pegava, por um microssegundo, pensando no coque desfeito, nos tênis coloridos, no sorriso. Balançava a cabeça, como se espantasse uma mosca persistente, e voltava ao trabalho. Mas a semente fora plantada. A rotina, tão perfeita e previsível, havia sido ligeiramente arranhada. Era um arranhão quase invisível, mas Arthur, com sua sensibilidade à ordem, sentia-o.

O retorno para casa seguiu a mesma rotina da manhã, mas com uma diferença crucial: a ausência dela. Arthur estava no ponto de ônibus novamente, seu santuário silencioso e previsível, mas agora ele não era tão silencioso assim. A ausência da garota, paradoxalmente, parecia mais presente do que sua presença na manhã. Ele percebeu, com um leve estranhamento, que seus olhos automaticamente procuravam o canto onde ela havia se sentado. Ele se pegou lembrando do tom de voz dela, do "Oi!" tão claro e direto.

Em seu apartamento, enquanto preparava um jantar simples e se sentava para ler, a rotina noturna não era tão envolvente quanto de costume. A mente de Arthur, que deveria estar absorvida pelas palavras da página, continuava a divagar. Ela estaria no ponto amanhã? Ele queria que ela estivesse? A resposta era ambígua, um emaranhado de irritação com a quebra de sua rotina e uma curiosidade inesperada. O silêncio de seu apartamento, antes tão reconfortante, parecia agora ligeiramente diferente, como se um eco distante da voz dela ainda estivesse vibrando no ar. A noite, para Arthur, não era mais apenas o fim de um dia e o prelúdio de outro. Era o intervalo de espera até que o alarme – silencioso ou não – o levasse de volta àquele ponto, onde um simples "Oi!" poderia, ou não, reiniciar o pequeno distúrbio em sua vida perfeitamente ordenada. E, pela primeira vez em muito tempo, a previsibilidade de amanhã carregava um elemento de incerteza que, para sua surpresa, não era de todo desagradável.

Apesar de todas as tentativas de Arthur de manter sua fortaleza mental intacta, a manhã seguinte trouxe consigo uma pequena, mas perceptível, rachadura em sua rotina. Ao sair de casa, o ar parecia mais denso, e o silêncio habitual não era tão puro quanto antes. Uma leve, quase imperceptível, corrente de ar de expectativa o seguia. Ele tentou ignorá-la. Tentou focar na textura do asfalto, no cheiro de orvalho misturado ao da gasolina, mas seu subconsciente era um traidor. No ônibus, seus olhos, treinados para a observação periférica, teimavam em fazer um escaneamento rápido dos passageiros, como se procurasse por algo — ou alguém — específico.

Chegou ao ponto de ônibus com a mesma pontualidade de sempre, mas o ritual não era mais o mesmo. Seu olhar voou automaticamente para o banco de concreto onde ela havia se sentado no dia anterior. Estava vazio. Um pequeno alívio se misturou a uma pontada de algo que ele não conseguiu identificar. Frustração? Desapontamento? Era como se sua mente, programada para a repetição, estivesse confusa com a ausência do novo elemento. Ele se posicionou em seu lugar habitual, abriu o livro, mas a concentração era uma batalha. A cada sombra alongada pelo sol da manhã que se projetava na calçada, Arthur sentia um pequeno sobressalto. Sua bolha de silêncio, antes impenetrável, agora era um pouco mais fina, mais permeável, e ele estava estranhamente consciente disso.

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