O Silêncio Dela

Contrariando todas as expectativas de Arthur, o silêncio que se seguiu não era de desistência. Era um silêncio diferente, leve, sem julgamento, mas com uma persistência suave que o intrigava. Ele esperava um suspiro impaciente, um afastamento, talvez até um "ignorante!" murmurado. Mas nada. A única coisa que ele percebia era a leve mudança no ar causada por sua respiração regular e o sutil farfalhar de tecido quando ela talvez se movesse um pouco. Ela não parecia frustrada, nem impaciente. Apenas… presente.

Essa ausência de reação negativa era, de alguma forma, mais desarmante do que qualquer insistência. Se ela tivesse repetido o "Oi!" ou feito uma pergunta, ele saberia como se fechar ainda mais, como fortalecer suas barreiras. Mas esse silêncio tranquilo, que se estendia sem cobranças, era inesperado. Permitiu que sua mente, mesmo relutante, começasse a processar a situação de uma maneira diferente. Ela não estava sendo agressiva, apenas… gentilmente persistente. E essa gentileza era uma arma nova em seu arsenal, uma que Arthur não sabia como combater. Ele continuava imóvel, mas a rigidez em seus ombros começou a se afrouxar imperceptivelmente, a cada segundo que o silêncio dela se provava tão paciente quanto o seu próprio. Ele não estava acostumado a essa simetria de quietude.

O familiar zumbido do motor do ônibus, ainda distante, foi um som de puro alívio para Arthur. Sinalizava o fim iminente daquela interação unilateral. A pressão diminuía, a expectativa de uma resposta se esvaía. Ele começou a se preparar para a partida, ajustando a pasta no ombro, sentindo a lufada de ar que o veículo em movimento traria. Quando o ônibus parou, a porta se abriu com um "pssiiiuu" pneumático, e ele foi o primeiro a se levantar, quase com um reflexo. Caminhou em direção à porta com a pressa contida de quem quer escapar, evitando qualquer contato visual ou físico.

Ao subir os degraus, ele sentiu o impulso do ônibus que já se preparava para seguir viagem. Virou-se rapidamente para o lado, para encontrar seu assento habitual. E então, antes que a porta se fechasse, ele a viu. Ela subia também, com a mesma leveza com que apareceu no ponto. Não havia pressa em seus movimentos, apenas uma fluidez que contrastava com a sua própria rigidez. Ela não olhou para ele, não buscou seu olhar, apenas se moveu em direção aos assentos vazios mais à frente. Arthur sentiu um alívio sutil, uma espécie de liberação. A interação havia terminado sem a necessidade de um diálogo. Ele havia sobrevivido à "invasão" de seu silêncio, e agora poderia retornar ao seu estado de observação segura dentro da bolha do ônibus.

Arthur sentou-se em seu lugar habitual, perto da janela, e ajustou os fones, mesmo sem música. A sensação de alívio persistia. A pequena crise matinal havia passado. Ele olhou para o reflexo na janela do ônibus, a paisagem urbana distorcida e em movimento. E foi ali que ele a viu novamente. Não a olhava diretamente, mas o reflexo permitia uma observação indireta, quase furtiva. Ela estava sentada algumas fileiras à frente, olhando para fora da janela, com o coque ligeiramente bagunçado e os ombros relaxados.

Mas então, algo chamou sua atenção. No reflexo, ele percebeu um movimento sutil. O canto dos lábios dela estava ligeiramente curvado para cima. Um sorriso. Não era um sorriso para ele, obviamente. Parecia mais um sorriso para si mesma, ou para algo que ela observava na rua. No entanto, a imagem daquele sorriso, leve e sem motivo aparente, o perturbou de uma forma estranha. Era um tipo de expressão que ele raramente via, ou que raramente registrava com essa intensidade. Um sorriso que não pedia nada, apenas existia. A visão durou apenas um instante, antes que uma árvore na calçada obscurecesse o reflexo. Mas o impacto permaneceu. A imagem do sorriso dela, tão genuíno e despretensioso, ecoou na mente de Arthur, um pequeno ponto de interrogação em seu universo previsível.

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