O ponto de ônibus era, para Arthur, uma extensão natural de sua bolha. Um pequeno pedaço de cimento e metal na esquina da Rua das Acácias com a Avenida Principal, onde a vida parecia desacelerar por alguns minutos. Ele chegava sempre com o mesmo tempo de antecedência, suficiente para garantir seu lugar favorito, um pedente de concreto que oferecia um apoio discreto sem exigir que se sentasse completamente. Era um local de trânsito, sim, mas para Arthur, tornara-se um santuário de rotina. O silêncio, ali, era um luxo. O barulho do trânsito, a distância, soava como um murmúrio distante, quase um ruído branco que apenas realçava a quietude de seu próprio universo. Não havia vizinhos tagarelas, colegas de trabalho curiosos ou familiares bem-intencionados que exigissem sua atenção. Era apenas ele, seu livro – hoje, um ensaio sobre o minimalismo digital – e a promessa de um ônibus pontual.
Ele apreciava a forma como o sol da manhã batia no prédio em frente, criando sombras longas e definidas que ele podia acompanhar mentalmente, prevendo o exato momento em que seu ônibus apareceria na linha do horizonte. Cada dia era uma repetição confortável, um ciclo sem surpresas, e o ponto de ônibus era o epicentro dessa previsibilidade. Era um lugar onde as demandas do mundo exterior pareciam diminuir, onde ele podia simplesmente estar, sem a necessidade de agir ou reagir. A espera, para muitos um fardo, para Arthur era uma benção – um pequeno intervalo de paz em meio à agitação da cidade, um momento para observar sem ser observado, para existir sem ser notado.
Foi então que ela apareceu. Não chegou, nem se aproximou, mas apareceu, como se tivesse brotado do asfalto, rompendo a paisagem monocromática dos pensamentos de Arthur. O contraste foi imediato, quase ofensivo à sua sensibilidade para a ordem. Enquanto Arthur se vestia para se camuflar, ela parecia ter se vestido para vibrar. Uma blusa de um verde-água surpreendente, que parecia absorver e refletir a luz de um jeito inusitado, e um par de tênis que combinavam o amarelo-gema com detalhes em roxo. Era uma paleta de cores que Arthur normalmente só veria em um gráfico de desempenho de software, e não em uma pessoa no ponto de ônibus. Seus cabelos, presos em um coque alto e aparentemente desfeito, tinham fios rebeldes que dançavam ao vento, e uma mochila pequena e colorida balançava em seu ombro. Ela caminhava com uma energia que parecia consumir o espaço ao redor, não apenas o ocupando, mas o preenchendo.
Arthur, que até então estava imerso na segunda página de seu ensaio, sentiu uma leve alteração no ar, como um distúrbio em sua zona de paz. Seus olhos, acostumados a um escaneamento rápido e impessoal do ambiente, fixaram-se nela por um momento, antes de ele forçar-se a retornar ao livro. A intrusão não era barulhenta, não ainda, mas era visivelmente diferente. Era a quebra sutil de um padrão, e a mente de Arthur, programada para identificar anomalias, registrou-a com uma precisão quase inconsciente. Ele sentiu uma leve contração na testa, um sinal de irritação que ele guardava para si mesmo, esperando que a anomalia se dissipasse tão rapidamente quanto havia surgido.
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Atualizado até capítulo 36
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