Capítulo 1 – De Volta Para Onde Tudo Mudou

O cheiro do mar ainda era o mesmo.

MIA fechou os olhos assim que desceu do carro preto que a trouxe do aeroporto. O vento acariciava seus cabelos loiros , e o coração batia com força no peito. O portão da mansão diante dela era muito mais imponente do que em sua memória de infância. Havia crescido ali por pouco tempo antes de ir para o internato, mas agora tudo parecia... diferente. Mais frio. Mais real.

Aos 17 anos, MIA voltava para casa não apenas como filha, mas como uma mulher decidida a realizar o sonho de cursar Medicina — uma promessa silenciosa feita ao pai, cuja luta contra o câncer moldou sua vida para sempre.

A porta da frente se abriu antes mesmo que ela tocasse a campainha.

LAURA, sua mãe, correu até ela com um sorriso emocionado.

LAURA: minha menina! como você está linda... meu Deus, cresceu tanto.

MIA se deixou envolver pelo abraço apertado. Havia saudade nos olhos da mãe, e um alívio que só quem carrega culpa por distância reconhece.

MIA: senti sua falta, mãe...

A poucos passos dali, um homem alto, de terno alinhado e feições maduras, observava em silêncio. Era ROBERTO, seu padrasto. O homem que entrou na vida delas depois da morte do pai, e que, para a surpresa de muitos, trouxe estabilidade, carinho e respeito à sua mãe.

ROBERTO: seja bem-vinda de volta, MIA. sua casa sempre foi aqui.

MIA apenas assentiu. Apesar da boa relação com ele, o reencontro que mais a deixava nervosa estava prestes a acontecer.

Do alto da escadaria, três homens desceram um a um, como se o destino tivesse coreografado aquilo. Os filhos de ROBERTO. Seus irmãos postiços.

O primeiro a se aproximar foi ALEXANDER LANCASTER, o mais velho. Alto, forte, de olhar firme e presença dominante. Aos 30 anos, já dirigia parte dos negócios da família.

ALEXANDER: então você é a menininha que vivia correndo pelos corredores...

MIA: cresci, como pode ver.

Havia um leve sarcasmo na resposta, mas ALEXANDER apenas sorriu de lado. Ao seu lado, segurando sua mão, uma mulher loira de unhas impecáveis e expressão crítica encarava MIA com olhos avaliativos. Era VERENA MONTEZ, sua namorada.

VERENA: prazer... sou a VERENA. namorada do ALEXANDER, caso ainda não tenham te contado.

MIA: prazer.

Frio. Rápido. Um olhar que dizia mais do que as palavras.

Logo depois, surgiram DAMIEN e NICHOLAS. O primeiro, com 28 anos, exalava charme e simpatia. Tinha um sorriso fácil e uma voz envolvente. Já NICK, aos 25, mantinha um ar reservado, com fones no pescoço e um livro na mão.

DAMIEN: MIA, você voltou linda. nossa... quase não reconheci.

MIA: e você continua com esse charme barato?

Os dois riram. DAMIEN era o mais brincalhão quando crianças. Ela lembrava dele tentando ensiná-la a andar de skate escondidos da babá.

NICK apenas assentiu com um gesto de cabeça, sem palavras.

NICK: oi.

Simples assim. MIA o observou com curiosidade. Ele parecia distante, quase intocável.

A casa estava igual, mas o ambiente... era outro.

Enquanto subia para seu antigo quarto, agora reformado, MIA sentia os olhos de VERENA queimando suas costas. Algo lhe dizia que a presença dela seria um incômodo.

Horas depois, já no jantar, todos estavam reunidos. Risadas, taças de vinho e conversas sobre os planos para o futuro.

ROBERTO: então, MIA, decidiu mesmo Medicina?

MIA: sim. quero ser oncologista.

Silêncio. ALEXANDER desviou o olhar, DAMIEN abaixou a cabeça, e NICK a observava fixamente.

LAURA: ela quer honrar o pai.

ROBERTO: tenho certeza de que ele estaria orgulhoso.

VERENA: que tocante...

A ironia na voz dela não passou despercebida.

MIA: é, e diferente de algumas pessoas, eu não preciso mostrar o tempo todo com quem estou dormindo pra provar meu lugar na mesa.

O silêncio que se instalou foi cortado apenas pelo som do garfo de ALEXANDER caindo sobre o prato.

ALEXANDER: VERENA, acho que você deveria respeitar minha irmã.

VERENA: sua irmã? ela é só a filha da mulher com quem seu pai casou. vamos colocar as coisas nos devidos lugares.