O céu estava limpo, mas Clara sentia a tempestade se formando.
Desde o momento em que pisou no prédio do Santiago & Ramos, havia uma tensão diferente no ar. Algo pesado. Quase imperceptível… até que a recepcionista falou:
— O novo advogado da área cível também chega hoje. Deve estar subindo agora.
Clara sorriu com educação e caminhou até a sala indicada, sem se abalar. Ou melhor, fingindo não se abalar.
Internamente, o nome de Caio Moretti dançava como uma praga entre os pensamentos. Ela ainda não tinha certeza se ele era o tal novo integrante do time jurídico — mas se fosse, o universo definitivamente tinha um senso de humor sádico.
Ela ajeitou o cabelo, cruzou a perna com elegância e se acomodou em sua cadeira de couro. Tinha vencido. Estava ali. Ganhando espaço em um dos maiores escritórios do país por mérito próprio. Não ia se deixar abalar por um idiota com ego inflado e um sorriso idiota.
Mas então…
A porta se abriu.
E o mundo pareceu fazer uma pausa só para assistir.
— Ora, ora… olha só quem voltou congelando o ambiente — disse ele, a voz grave, carregada de ironia e um sotaque paulistano carregado de deboche.
Ela nem precisou se virar para saber. O timbre estava igual. A arrogância? Também. Mas o homem na porta já não era o garoto que ela empurrava nos corredores da escola. Era Caio Moretti — mais alto, mais largo, mais refinado. Um terno caro moldava o corpo com precisão cirúrgica, e o olhar era o mesmo: afiado, perigoso e deliciosamente insuportável.
Clara girou lentamente a cadeira e cruzou os olhos com ele.
— Ainda usando o vocabulário de ensino fundamental? Impressionante. Achei que o tempo tivesse feito você amadurecer. Mas pelo visto, só te fez comprar ternos mais caros.
Caio sorriu. Um daqueles sorrisos perigosos. Lentos. Preguiçosos. De quem adora o próprio veneno.
— E você continua igualzinha, Nevasca. Gela qualquer ambiente em que entra. Me diga… algum homem já conseguiu sobreviver a um toque seu? Ou ainda tem fila de vítimas congeladas?
O apelido bateu como um tapa. Velho, odioso, repulsivo. Nevasca. Criado na oitava série, depois de uma discussão em que Clara o humilhou publicamente — Caio, ferido, soltou na frente de meia escola que “Clara era tão fria que transar com ela devia ser tipo dormir com uma geladeira”. O apelido pegou. E ela odiava.
Mas naquele dia, naquela sala, Clara Monteiro era uma mulher feita. E ninguém mais a tirava do sério sem permissão.
Ela riu. Um riso curto, quase elegante. Cortante como navalha.
— Sabe, Caio… é adorável que você ainda pense em mim dessa forma. Significa que, apesar de todos esses anos, o seu ego ainda sangra pelas cicatrizes que eu deixei. Tão previsível…
Ele deu um passo à frente, desafiador.
— Ah, você deixou marcas, Clara. Algumas ridiculamente profundas. Como uma espinha mal curada que a gente adora cutucar.
Ela se levantou, o salto ecoando com classe no piso de madeira.
— Que pena. Eu curei todas as minhas. Você devia tentar o mesmo. Ou talvez seja isso que dói: perceber que o jogo virou e você ainda está preso nas partidas antigas.
Por um segundo, os dois ficaram ali. Um encarando o outro. A sala parecia pequena demais para tanto sarcasmo, tanta história mal resolvida, tanto desejo não admitido disfarçado de ódio.
— Se isso aqui vai ser um campo de batalha — ele disse, a voz mais baixa agora, mais próxima —, saiba que eu jogo para ganhar.
Clara se aproximou. Tão perto que ele pôde sentir o perfume dela, fresco, elegante, inebriante.
— E eu nasci para vencer, Caio. Você deveria lembrar disso antes de chamar uma tempestade de Nevasca.
Silêncio.
Tensão.
Faíscas invisíveis no ar.
Então, como se o universo precisasse respirar, a porta se abriu de novo.
— Boa tarde, equipe! Bem-vindos oficialmente. — Era um dos sócios do escritório, sorrindo e trazendo pastas.
Ambos sorriram. Educados. Profissionais. Civilizados.
Mas por dentro?
Guerra.
E a primeira batalha só tinha começado.
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Marcia Emerich
Que os jogos comecem...
2025-06-07
1