Caio Moretti sempre soube que o mundo era um jogo.
E ele aprendeu cedo a jogar.
Enquanto os outros meninos chutavam bola no pátio, Caio observava. Media, analisava, escolhia quando entrar e, principalmente, quando vencer. Porque para ele, entrar em algo sem a intenção clara de sair por cima… era perda de tempo.
Não que ele dissesse isso em voz alta — pelo menos, não sempre. Mas estava lá. Na postura. No jeito como olhava as pessoas por cima dos óculos escuros. No andar firme, na fala precisa. Caio tinha o dom irritante de parecer sempre no controle. E o detalhe mais perigoso: ele quase sempre estava.
Filho de Ângela Moretti — a mulher que transformava cada churrasco do condomínio em um campo de batalha social — Caio cresceu ouvindo que deveria ser o melhor. Não um dos melhores. O melhor.
E parte desse fardo vinha na forma de uma comparação constante com a vizinha da frente. Mais especificamente, com a filha dela.
Clara Monteiro.
Nome curto. Início igual ao dele. Temperamento… explosivo.
Ângela não escondia o desprezo: “Essa menina é insuportável. Acha que sabe de tudo. Não deixa ninguém falar. Vai acabar sozinha com esse gênio.”
E Caio, ainda pequeno, absorvia tudo em silêncio. Observava Clara de longe e… se incomodava. Porque o pior era que, às vezes, a praga estava certa.
Na escola, Clara era rápida. Ácida. E — para desespero dele — invencivelmente inteligente. Enquanto os outros meninos ficavam nervosos com sua presença, Caio só queria vencê-la. Em tudo. Na nota de matemática, na oratória, na corrida de revezamento. Ela era a régua invisível com a qual ele media o próprio desempenho.
Mas também era a pedra no sapato. A única pessoa que não se intimidava com ele. Que retrucava. Que zombava. Que jogava o jogo com a mesma frieza, a mesma audácia. Às vezes, ele se pegava pensando: se ela não fosse tão irritante… seria perfeita.
Durante a faculdade de Direito, o destino teve a gentileza de não deixá-lo esquecer de Clara.
Ela estava lá. Sempre. No mesmo curso. No mesmo grupo de debates. Às vezes até na mesma sala.
Era como se o universo dissesse: “Divirtam-se, idiotas.”
E, sim, havia algo de divertido. As brigas eram legendárias. Os olhares cruzados em corredores estreitos, os comentários sarcásticos em apresentações conjuntas, as pequenas vitórias — e as grandes provocações. Ela o fazia perder o controle. E ele odiava perder o controle. Mas, de um jeito estranho, também gostava do desafio.
Clara não era só inteligente. Ela era afiada. Sagaz. Tinha uma resposta pronta para cada palavra dele. E, mais perigoso ainda, parecia enxergá-lo. De verdade. Como se pudesse ver além da pose, da arrogância ensaiada, da casca. Isso o irritava. O deixava vulnerável. E Caio odiava se sentir vulnerável.
Então ele disfarçava com ironia. Com charme. Com aquele sorrisinho torto que desarmava quase todo mundo. Quase.
Agora, com trinta e um anos, recém-chegado de uma temporada em Brasília — onde trabalhou com um dos juristas mais influentes do país — Caio voltava para São Paulo com o nome já reconhecido no meio jurídico, um currículo invejável e a promessa de um novo cargo num dos maiores escritórios do país: Santiago & Ramos.
Era o movimento lógico. A nova peça no tabuleiro. E Caio jogava bem demais para não dar esse passo.
Ele dirigia pelas ruas movimentadas da zona sul como quem já sabia exatamente onde queria chegar. Mãos firmes no volante, mente calculando os próximos passos. Sabia que o escritório era exigente, competitivo, um campo de batalha jurídico — e era exatamente o que ele queria. O que ele precisava.
Só não esperava a mensagem da mãe.
Ângela: “Vi no grupo do bairro que a Clara Monteiro também vai trabalhar nesse escritório. Espero que eles tenham seguro incêndio, porque vocês dois juntos...”
Caio riu sozinho, um riso baixo e cético. Claro que Clara estaria lá. Por que não? Ela sempre estava.
Na competição. Na frente. No caminho.
No lugar errado na hora mais certa possível.
Ele encostou o carro e digitou uma resposta rápida.
Caio: “Fica tranquila. Eu sou civilizado. Só não prometo que ela vai continuar sendo.”
Mas a verdade era: ele não sabia o que sentir.
Algo nele se incomodava com a ideia de vê-la de novo. Algo no fundo do estômago, um misto de curiosidade e instinto de defesa. Fazia anos que não se viam pessoalmente, mas ele tinha certeza de que ela ainda o deixaria louco. Como sempre fez. Como só ela fazia.
E havia uma parte dele que queria isso. Que queria vê-la. Testá-la. Provocá-la.
Ver se ela ainda era tão afiada. Ver se ela ainda o odiava tanto quanto ele fingia odiá-la.
Mas, por ora, ele precisava manter a compostura. Ser o profissional brilhante que todos esperavam. Mostrar a que veio.
O jogo ia começar de novo.
E ele não perderia dessa vez.
Nem para ela.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 51
Comments
Marcia Emerich
Esse encontro promete
2025-06-07
1