CAPÍTULO IV - NO SILÊNCIO DAS MURALHAS DE SORRAN

O convite chegou numa bandeja de prata, selado com cera azul real. A proposta vinha de Sorran, reino do gelo e do aço. O príncipe Kael, encantado com a “sabedoria política” de Nyra, desejava aprofundar relações entre as casas, com direito a uma visita diplomática de três dias.

O rei Caelum considerou uma jogada arriscada. Mas Nyra… sorriu com ironia.

— Se ele me quer sob os holofotes, que aprenda a lidar com as sombras também.

Avelyn se aproximou, mesmo sem ser chamada.

— Irei com ela.

— Não foi pedido guarda pessoal.

— Foi pedido minha permissão. Ela tem. — Avelyn lançou um olhar direto ao rei, que entendeu. E acenou com a cabeça.

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Sorran era puro contraste: salões frios, cristais pendendo dos tetos, risos educados com dentes escondidos. Kael os recebeu com festa, olhos brilhando só para Nyra.

— Espero que esta recepção aqueça sua estadia — disse ele, tocando brevemente sua mão.

— O clima é gélido, mas as intenções são… mornas — respondeu Nyra, firme.

Kael riu, mas seus olhos afiaram como lâminas.

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Naquela noite, após banquetes e discursos, Nyra caminhava pelos corredores do castelo gelado, os saltos ecoando entre colunas. Sabia que estava sendo seguida — mas não por espias.

— Você anda como se fosse dona de tudo — murmurou Avelyn ao surgir da sombra.

— Porque sou. Da minha vontade, do meu corpo, do meu amor. — Nyra virou-se com um sorriso perigoso.

Avelyn aproximou-se com cautela.

— Ele tentou te beijar?

— Tentou me cercar. Mas eu sou vento, amor. E só me deixo prender… quando quero.

Avelyn riu, nervosa. E então, puxou de dentro da capa uma pequena caixa negra.

— Trouxe algo pra você.

— Agora? Aqui?

— Era pra ser no último dia, mas… se amanhã for guerra, hoje é armadura.

Nyra abriu.

Dentro, repousava um anel de prata escurecida, com uma pedra âmbar no centro, polida em forma de gota. Simples, discreto. Mas o símbolo gravado por dentro — um lobo correndo com uma rosa entre os dentes — dizia tudo.

— O que isso significa?

— Que você é força e beleza. Que corre no meio das lanças e ainda floresce.

— É… meu anel de proteção?

— Não. — Avelyn sussurrou, tocando seus dedos. — É minha promessa. De te amar mesmo onde o mundo não vê.

Nyra tirou a luva. Colocou o anel.

— Agora sou tua. Pelo menos nesta parte do corpo.

E então, ela a beijou. Ali mesmo, entre tapeçarias silenciosas e tochas prestes a se apagar.

Não era paixão. Era sobrevivência. Era um pacto entre duas almas cercadas de inimigos.

E nenhuma muralha, por mais fria, poderia congelar aquele calor.

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Na manhã seguinte, Kael anunciou uma proposta de casamento à corte — pública, elegante, cruel.

Mas Nyra… riu.

— Me ajoelhar? Só diante de quem me ensina a levantar.

E o salão todo congelou. Kael entendeu. A guerra sutil havia começado.

E Avelyn, no canto do salão, sorriu com a ponta dos lábios.

Porque naquele mundo de reis e máscaras… ela era a única que conhecia o sabor da vitória mais íntima.

O retorno de Sorran foi silencioso. Nyra estava radiante por dentro — vestia o anel com orgulho escondido e cada gesto era sutilmente carregado de Avelyn. Mas a estrada era longa, e a paz… traiçoeira.

Na travessia da Ponte de Alt’Mara, quando a comitiva parou para descansar, o céu escureceu antes do tempo.

A emboscada veio como trovão.

Flechas cortaram o ar. Homens encapuzados surgiram das colinas. Mercenários. Muitos. Demais.

— Protejam a princesa! — gritou um guarda, antes de cair com uma lança cravada nas costas.

Avelyn saltou na frente de Nyra com espada em punho. Seus olhos queimavam.

— Você. Não. Morre. Aqui.

A luta foi brutal. Sangue, gritos, lama e aço. Nyra, embora treinada, recuava sempre que um inimigo se aproximava. E em cada avanço hostil, Avelyn surgia como tempestade — um furacão de lâminas, escudo e fúria.

Uma flecha quase atingiu o peito de Nyra. Mas parou cravada no braço de Avelyn.

Ela nem gritou. Apenas girou, cortou o agressor ao meio… e caiu de joelhos.

— Avelyn! — Nyra correu até ela, ajoelhando-se no meio do campo de batalha. — Você não pode me deixar! Você prometeu!

— Eu… cumpri. — Avelyn sussurrou, sangrando. — Você está viva. Outra vez.

Nyra tocou o rosto dela, os olhos transbordando.

— Não me importa mais acordos, reinos, títulos! Eu te amo, ouviu? Não vou gritar. Mas queime isso em sua pele. Eu. Te. Amo.

E Avelyn, mesmo em dor, sorriu.

— Eu ouvi.

Os reforços chegaram minutos depois. A tropa real, enviada pelo rei em previsão de riscos, expulsou os últimos inimigos. Mas já era tarde para alguns. Exceto para elas.

Porque Avelyn… sobreviveu. De novo.

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De volta a Liria, o salão do trono silenciou quando Caelum viu sua filha entrar amparando a guerreira ferida.

— Ela salvou a herdeira do trono mais uma vez — anunciou um dos conselheiros.

O rei se ergueu, caminhou até elas. Encostou a mão no ombro de Avelyn, que cambaleava em pé.

— Pela proteção constante. Pela lealdade eterna. Pela coragem absurda… eu declaro diante da corte:

Avelyn de Kareth, Guardiã de Sangue da Princesa Nyra.

O salão explodiu em murmúrios. Era um título lendário, dado apenas uma vez por geração. Um título que a tornava parte inseparável do destino da herdeira.

Nyra tentou conter o choro. Avelyn segurou a mão dela escondida atrás do manto.

— Agora — sussurrou Avelyn, — eu sou tua… até que o trono caia.

E Nyra sorriu. Porque sabia que o mundo podia tentar derrubá-las mil vezes…

Mas nunca quebraria o que elas construíam, noite após noite, beijo após beijo, cicatriz após cicatriz.

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