Os portões de Liria abriram-se ao amanhecer com o som profundo de tambores. Era a primeira missão oficial da princesa Nyra como diplomata da coroa — um tratado delicado com os duques da Ilha de Veyn, nobres rebeldes que oscilavam entre aliança e traição.
Caelum IV, o rei de punhos cerrados e olhos de aço, assistia do alto das muralhas. Ao lado dele, Lady Avelyn, vestida como membro da guarda real, portava sua espada de prata e a insígnia do escudo negro — símbolo dos guerreiros de elite.
A conversa entre os dois havia sido breve, mas cortante.
— Está me designando para protegê-la? — perguntara Avelyn, naquela sala silenciosa onde mapas cobriam as paredes.
— Estou entregando a única herdeira do trono nas mãos de alguém que já venceu três guerras, enfrentou uma emboscada no Deserto de Karth e sobreviveu à traição do próprio irmão. — O rei pousou os olhos nela com dureza. — Não por confiança… mas por falta de opções melhores.
Avelyn ergueu o queixo.
— E por saber o que sinto por ela?
— Justamente por isso. — Caelum não hesitou. — Porque você morreria por ela. E, se necessário, mataria também.
Silêncio. Um acordo selado com o peso das palavras não ditas.
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A comitiva real cruzava os campos dourados de Valméria sob o sol pálido do inverno. Nyra cavalgava à frente, os cabelos presos, o manto real esvoaçando como asas. Avelyn estava sempre dois passos atrás — vigilante, impenetrável, porém ardendo por dentro.
Eles pararam numa estalagem segura ao entardecer. Os guardas montavam acampamento. Nyra sumiu por entre corredores de pedra, e Avelyn seguiu.
Encontraram-se em um quarto vazio, com janelas altas e cortinas de linho velho. Assim que a porta se fechou, a máscara caiu.
— Como conseguiu? — sussurrou Nyra, se aproximando devagar.
— O quê?
— Convencer meu pai.
— Eu não convenci. Ele me jogou ao fogo. — Avelyn a olhou com aquele meio sorriso que só surgia quando a tensão era insuportável. — E estou disposta a arder por você.
Nyra segurou o rosto dela entre as mãos.
— Estamos sozinhas?
— Por enquanto.
O beijo foi urgente. Não suave, não ensaiado. Beijo de desejo acumulado, de separações forçadas, de noites em claro. Mas mesmo ali, na segurança momentânea do quarto escondido, Nyra afastou-se antes que fosse longe demais.
— Ainda não… — murmurou, com os lábios encostando nos dela. — Quero você inteira, mas não quero pressa. Quero queimar aos poucos.
— Eu esperaria cem anos — respondeu Avelyn. — Se for pra te ter de verdade.
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Horas depois, enquanto o sono caía sobre os soldados, Nyra dormia. Mas do lado de fora da estalagem, olhos espreitavam entre as árvores. Um vulto encapuzado observava. E anotava.
Um amor assim, entre coroa e espada, não ficaria escondido para sempre.
E havia aqueles que sabiam que destruir um império… às vezes começava por um coração.
A lâmina passou rente ao rosto de Nyra. Teria atravessado sua garganta se não fosse pelo corpo que se jogou na frente.
O estalo do metal na carne foi seco. Um som que ela jamais esqueceria.
Avelyn caiu de joelhos com um corte profundo no flanco, ainda de espada em punho. O agressor, disfarçado entre os servos da Ilha de Veyn, não viveu o suficiente para tentar de novo. Ela o derrubou com um golpe só — mesmo ferida, mesmo sangrando.
Nyra gritou por socorro. Chorou pela primeira vez diante de todos. Não como princesa, mas como mulher que quase perdeu quem amava em silêncio.
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O caminho de volta ao castelo foi lento, tenso. Avelyn permaneceu consciente o suficiente para manter a mão de Nyra apertada nas noites em que as febres vinham. Mas não falava muito. Seus olhos diziam tudo: Você está viva. É isso que importa.
Ao chegarem a Liria, o rei os esperava nos degraus de pedra. Nyra desceu da carruagem antes mesmo que as rodas parassem.
— Onde está o sangue dela, onde está o curandeiro, onde está a minha—
— Sua guerreira está viva. — Caelum a interrompeu, mas seus olhos não tinham dureza. Pela primeira vez, havia ali algo que lembrava orgulho.
Avelyn desceu, pálida, mas firme. Ao se aproximar do rei, ajoelhou-se com dificuldade.
— Ela está segura, Majestade.
Caelum não respondeu de imediato. Apenas a ergueu com as próprias mãos — gesto raro. Quase um ritual.
— Levante-se, Duquesa de Ferro. A filha do Império vive por sua espada. Que os deuses vejam isso.
Foi a primeira vez que ele usou o título que ela herdara de sua mãe, caída em batalha. Avelyn, pela primeira vez… sentiu-se aceita.
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Duas semanas depois, o palácio de Liria se iluminava para o Jantar da Vitória, em homenagem à bravura da princesa e sua comitiva. Era uma noite de ouro, dança, música e disfarces sociais.
Nyra entrou no salão como uma tempestade vestida de luz: um vestido branco de seda pura, cravejado com fios de prata, moldando seu corpo como se tivesse sido tecido pela própria lua.
Avelyn chegou mais tarde, de uniforme formal da guarda real, cicatriz ainda fresca no lado do corpo, mas postura impecável.
E então… ele apareceu.
Príncipe Kael de Sorran, enviado especial do Norte. Alto, loiro como a neve, sorriso treinado e olhos atentos demais. Era um convite em forma de homem.
Quando ele convidou Nyra para dançar, a sala silenciou. Ela hesitou, então aceitou com um leve sorriso. Era política. Era cortesia. Era o papel que esperavam dela.
Mas do outro lado do salão, Avelyn… quase desmoronou.
Assistiu à dança em pé, ao lado dos conselheiros. Cada passo de Nyra com Kael era uma faca cravando fundo. O modo como ele segurava sua cintura, o jeito que murmurava em seu ouvido, o modo como ela sorria — mesmo que por educação.
Era um espetáculo. E ela era a única que não podia aplaudir.
Quando Nyra olhou para o canto do salão e viu Avelyn com o maxilar tenso, os olhos carregados de dor, seu coração despencou.
E, no instante em que a música acabou, ela se afastou do príncipe, sem pedir licença. Cruzou o salão ignorando os olhares e alcançou Avelyn atrás de uma coluna de mármore.
— Diga algo. — Nyra sussurrou, trêmula. — Me odeie, me mande parar. Mas diga algo.
Avelyn baixou os olhos. E num tom baixo, áspero:
— Ele não merece ouvir teu riso.
— Você também não está ouvindo — ela respondeu, os olhos marejando.
Avelyn então ergueu o rosto. E não foi ciúme o que Nyra viu. Foi medo. Medo de perdê-la para um mundo que não era feito para elas.
— Vai dançar com ele de novo?
— Não. — Nyra tocou a mão dela com a ponta dos dedos. — Mas vou dançar com você. Aqui. Agora. Mesmo que escondidas. Mesmo que em silêncio.
E ali, entre sombras de colunas, dançaram como se fossem invisíveis — e mesmo assim, foram o centro de tudo que importava.
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Atualizado até capítulo 25
Comments
Amai Kizoku
Muito viciante! 🤩
2025-05-29
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