CAPÍTULO II - SUSSURROS ENTRE COLUNAS

O beijo ainda queimava nos lábios de Nyra quando ela cruzou os corredores frios do palácio, de volta aos seus aposentos. Avelyn desaparecera como surgira — na calada da noite, sem dizer quando voltaria, sem promessas. Mas ficou o gosto. O toque. A certeza de que algo mudara.

No Salão dos Espelhos, onde os conselheiros do Império se reuniam ao amanhecer, o clima era outro. Tenso. Quase bélico.

— A presença da Duquesa Avelyn é uma afronta velada à nossa soberania — disse Lorde Vessar, conselheiro da guerra e eterno espião do rei.

Caelum IV não respondeu de imediato. Observava o reflexo de si mesmo nas paredes espelhadas, como se tentasse decifrar algo além do que os olhos podiam ver.

— Ela veio representando o Reino de Khyros, com quem temos tratados de paz há menos de um ano. Não é sábio afastá-la sem motivo.

— E se o motivo for a princesa? — Vessar não escondia o veneno na voz. — Há rumores, Majestade. No baile, elas dançaram. No jardim, foram vistas. Há olhos em cada sombra deste castelo.

O rei apertou os punhos.

— Rumores são para velhas e serviçais. Até que me provem algo, Avelyn permanece sob nossa proteção.

Mas os olhos do rei estavam escurecidos. E seu silêncio posterior dizia mais que mil decretos.

 

Nyra dormia pouco. Sonhava demais. Em suas noites, Avelyn surgia como fogo e sumia como vento. E agora, havia uma carta.

Anônima. Selada com cera preta. Deixada em sua almofada.

"Você já foi vista.

Corações reais não são livres para amar.

Volte atrás antes que ela queime por sua culpa."

Nyra rasgou o papel. Mas o aviso já se plantara em sua alma como uma flecha invisível.

 

Em uma torre esquecida do castelo, Avelyn afinava sua espada. Sozinha. O som do metal era sua única companhia. E ainda assim, ela sabia: estavam vigiando.

Mas ela sorria.

Porque estava disposta a sangrar por aquele amor.

E a quem ousasse se interpor…

Ela lembraria que nem todo fogo pode ser apagado.

O castelo de Liria guardava seus segredos como um corpo guarda cicatrizes: ocultas à vista, mas sempre pulsando sob a pele. Havia, no andar mais antigo, uma biblioteca esquecida pela corte — onde as paredes respiravam história e o silêncio era denso como veludo.

Era ali que elas se encontravam agora.

Nyra, envolta em uma capa escura, escorria pelos corredores como sombra. Avelyn já a esperava, sentada numa poltrona de couro rasgado, cercada por estantes repletas de manuscritos, velas acesas e o aroma de páginas antigas.

— Veio sozinha? — perguntou Avelyn, sem se levantar.

Nyra assentiu, retirando o capuz. Seu rosto estava tenso, os olhos mais sérios que o habitual.

— Recebi uma carta — disse ela, indo direto ao ponto. — Anônima. Dizem que você corre perigo por minha culpa.

Avelyn apenas inclinou a cabeça.

— E você acredita?

— Não importa o que acredito. Importa o que eles são capazes de fazer. — Nyra se aproximou e ficou de pé diante dela, a poucos passos. — Você não conhece meu pai. Ele não perdoa erros. Nem fraquezas. Nem... paixões proibidas.

— Então sou um erro agora?

Avelyn se ergueu. A tensão entre elas era um fio prestes a romper. Mas Nyra, pela primeira vez, deixou transparecer o medo.

— Não é isso. É que... eu não quero que você morra por algo que nem começou de verdade.

Avelyn tocou o rosto dela, com a mesma delicadeza de sempre — mas seus olhos brilhavam com firmeza.

— Se isso ainda não começou pra você, então por que seus olhos suplicam quando me veem?

Nyra fechou os olhos. Cedeu. Beijou-a como se o mundo estivesse em chamas. Um beijo intenso, mas breve. Uma promessa guardada no peito.

 

Horas depois, Nyra estava no salão privado do rei. A figura de Caelum IV era imponente mesmo sem armadura — ombros largos, expressão dura, e um silêncio que valia mais que qualquer grito.

— Avelyn é uma aliada, não é? — perguntou Nyra, de pé diante do pai.

— Até que deixe de ser.

— Então... — a voz dela falhou. Seus olhos marejaram, mas não recuou. — Então, por favor, proteja-a.

O rei a encarou por longos segundos.

— O que ela é pra você?

Nyra tremeu. A verdade lutava contra o orgulho. Contra o medo.

— Algo... que não consigo evitar.

Caelum a observou como quem avalia uma ameaça.

— A coroa não aceita fraqueza, Nyra.

Ela ergueu o rosto, os olhos agora duros como aço.

— Então não a veja como fraqueza. Veja como coragem.

O rei virou o rosto, ocultando um breve estremecer nos lábios. E, sem olhar de volta, disse:

— Por enquanto... ela está sob minha proteção.

 

Mais tarde, no terraço mais alto do castelo, Avelyn assistia a noite cair, até sentir braços frios envolverem sua cintura por trás.

— Ele sabe — sussurrou Nyra.

— E ainda estou viva. — Avelyn sorriu. — Isso é mais do que esperava.

Nyra encostou o rosto nas costas dela.

— Só te peço uma coisa…

— Qualquer coisa.

— Continue me amando… em silêncio… até que eu possa gritar seu nome sem medo.

Avelyn se virou. Beijou-a como uma promessa.

E as estrelas foram as únicas testemunhas do amor mais proibido de Valméria.

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