Descobrindo Novos Horizontes
O cheiro de café fresco se misturava com o som dos elétricos cortando as ruas estreitas de Lisboa. Era manhã, mas aquele tipo de manhã que já carrega um peso invisível no ar — como se o próprio céu soubesse que o dia estava prestes a ser diferente.
Duarte ajeitou a gola da jaqueta, caminhando rápido pela calçada. As mãos nos bolsos, o olhar no chão, como quem conhece cada pedra portuguesa dali, e mesmo assim prefere não olhar pra frente. Era sempre assim. O corpo andando, mas a cabeça... perdida em mil lugares. Lugares que doíam lembrar e que doíam ainda mais esquecer.
O telefone tinha vibrado três vezes naquela manhã. Ignorado todas. Mensagens do trabalho, talvez. Ou da mãe, que, mesmo sem dizer em voz alta, sempre fazia questão de lembrar — com aquele silêncio cortante — que ele era uma decepção.
Suspirou pesado. Mais um dia. Mais uma vez fingindo que tava tudo bem.
No outro lado da rua, Luca puxava a mochila pro ombro, desviando de turistas e olhando pro Google Maps no telemóvel. A cidade parecia enorme, e, mesmo com a beleza dos prédios antigos, dos varais pendurados e dos bondinhos amarelos, ele se sentia... pequeno. Perdido.
— Droga... — murmurou, girando sobre os próprios pés. — Não era essa esquina...
E foi exatamente nesse segundo, nesse passo meio errado, meio distraído, que tudo aconteceu.
O choque foi seco. Corpo contra corpo. Ombros se bateram com força. A mochila de Luca quase escorregou, e o copo de café nas mãos de Duarte voou, se espatifando no chão, deixando uma poça marrom que parecia uma metáfora da própria vida.
— Porra... — Duarte praguejou, olhando pra mancha que começava a se formar no jeans. — A sério?!
Luca arregalou os olhos. — Ai, caramba... — e ergueu as mãos, nervoso, totalmente desconcertado. — Eu... eu não te vi. Juro que não... foi sem querer.
Por reflexo, Duarte ergueu o olhar, pronto pra soltar aquele tipo de resposta seca que afastava qualquer um. Mas o que encontrou... o paralisou por dois segundos.
Olhos verdes. Não aquele verde perfeito de novela — era um verde turvo, meio acinzentado nas bordas, quase misterioso. A pele clara, o cabelo bagunçado, meio loiro, meio castanho claro, parecia ter sido penteado só pelo vento. E aquele jeito... aquele jeito de quem carrega alguma coisa pesada no peito, mesmo sorrindo.
— Tá bem... — Duarte soltou, passando a mão no rosto, mais pra se recompor do que pra limpar qualquer coisa —... tá bem.
Luca sorriu, um sorriso torto, meio sem graça, mordendo o lábio inferior. — Eu... se quiser... te pago outro café.
Duarte arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços. — Ah, vais pagar, sim. Isso... isso foi quase tentativa de homicídio matinal.
Luca riu. — Jura que eu quase te matei com um copo de café?
— Com café... e com esse esbarrão criminoso. — respondeu Duarte, segurando o sorriso que tentava escapar.
Por alguns segundos, eles ficaram ali. Se olhando. Nem muito perto, nem muito longe. Mas perto o suficiente pra sentir a respiração do outro.
Luca desviou o olhar primeiro. A mão foi automática até a nuca, aquele gesto de quem tá nervoso e tenta disfarçar. — Tem algum café por aqui que tu recomenda... pra eu pagar minha dívida moral?
Duarte respirou fundo. E, sem entender muito bem o porquê, deixou escapar: — Tem. Vem comigo.
Andaram lado a lado. No começo, em silêncio. O tipo de silêncio estranho que não é desconfortável... mas cheio de perguntas não feitas.
Luca olhava discretamente de canto. Reparava no jeito de Duarte andar — as mãos sempre no bolso, o olhar meio perdido, meio desconfiado, como quem não sabe se quer estar no mundo... ou se tá só esperando ele acabar.
Duarte também olhava. Tentava não, mas olhava. Notava o jeito de Luca morder o lábio, de ajeitar a mochila no ombro, aquele sotaque diferente que denunciava: “Não é daqui.”
Chegaram no café. Uma portinha pequena, com mesas de madeira, luz amarela suave, cheiro de pão fresco e croissants.
Sentaram um de frente pro outro. As cadeiras rangiam. As mãos se cruzavam, sem querer, sobre a mesa, e quando encostavam... os dois recuavam rápido. Mas depois, aos poucos, as mãos iam voltando, ficando mais perto.
— Então... — começou Luca, cruzando os braços, aquele sorriso torto de novo no rosto —... é sempre assim? Esbarrando em desconhecidos pela manhã?
Duarte soltou uma risada, balançando a cabeça. — Não. Na verdade... tu é meu primeiro.
Luca arqueou uma sobrancelha, rindo. — Primeiro?
Duarte olhou nos olhos dele. E, sem abaixar o olhar, deixou escapar: — Primeiro que... me faz parar.
O silêncio que veio depois não era desconforto. Era eletricidade.
E, por mais que nenhum dos dois dissesse... os dois sabiam. Ali, naquela mesa. Naquela cidade. Naquele acaso.
Algo tinha começado.
Algo que eles ainda não sabiam... mas que ia mudar tudo.
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Atualizado até capítulo 36
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DS Studio
/Kiss/
2025-05-31
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