Capítulo 4 – Galinha na Janela

Acordar cedo já era um desafio para Miguel. Mas acordar cedo com uma galinha empoleirada na janela do quarto... isso ele jamais imaginou.

O sol mal começava a desenhar as primeiras cores no céu quando um barulho seco, seguido de um cacarejo alto, ecoou bem do lado da cama.

— Aaah! — Miguel, tropeçando no lençol e quase caindo de costas no chão. — O que é isso?!

A galinha, impassível, o encarava com aquele olhar fixo de quem julgava o mundo inteiro.

Na confusão, derrubou o copo de água da noite anterior, chutou uma sandália para debaixo da cama e quase derrubou o abajur improvisado com garrafa de vidro. O quarto, pequeno e com cheiro de madeira antiga, parecia agora um cenário de guerra rural.

Do lado de fora, alguém ria.

— Tá tudo bem aí dentro? — perguntou Ana, com a voz abafada pelo vidro da janela.

Miguel abriu uma cortina de supetão e viu o rosto dela do outro lado, iluminado pela luz suave da manhã. Ela segurava o riso com as duas mãos, mas seus olhos denunciavam a diversão.

— Você deixou isso aqui de propósito?! — ele designado para a galinha, ainda impassível no parapeito.

— Quem, a Rosinha? — Ana fingiu espanto. — Ela gosta de observar. Acho que simpatizou com você.

— Ela quase me matou de susto!

— Considere isso um batismo rural. Agora você é oficialmente hóspede da fazenda.

Ela riu alto, e Miguel, apesar do susto, não conseguiu conter o sorriso. Aquilo tudo era estranho, sim. Mas também era... engraçado. E Ana tinha essa capacidade curiosa de transformar desconforto em leveza.

— Da próxima vez, me avisa que as visitas batem com o bico. — ele disse, sarcástico, pegando uma toalha para ir ao banho.

— Pode deixar. E cuidado com o banho. Se demorar muito, a água esfria. Aqui é aquecido no fogão a lenha.

— Claro que é. — ele murmurou, resignado.

Enquanto dirigia ao banheiro externo, Miguel observava a paisagem: um terreiro com roupas no varal, galinhas ciscando despreocupadas, um cachorro deitado à sombra e um silêncio quebrado apenas pelos filhos naturais do lugar. Tudo era tão... simples. Mas havia algo reconfortante nessa simplicidade. Algo que faz o tempo andar diferente.

Mais tarde, já com o susto passado e de roupa limpa, ele encontrou Ana no canteiro de ervas, ajoelhada na terra, replantando mudas de alecrim. O cheiro fresco invade o ar com força.

—Posso ajudar? — ele disse, se aproximando devagar.

— Sabe plantar?

— Não. Mas sigo as instruções.

— Então pega essa muda aqui. — ela estendeu a planta pra ele — E cava um buraquinho com a mão. Assim, ó.

Ela mostrou, com paciência. Miguel imitou o gesto, meio desajeitado, mas conseguiu.

— Agora aperta a terra em volta, com carinho. A planta sente.

— Sente?

– Claro. Tudo sente. Até quem diz que não sente.

Eles trabalharam em silêncio por alguns minutos, lado a lado. Ana de vez em quando lançou um olhar de canto para Miguel, como se avaliasse se ele era mesmo tão de cidade quanto dizia.

Ele, por sua vez, começou a perceber que havia beleza em pequenos gestos. E que Ana, com seus jeitos simples e firmes, era muito mais do que parecia à primeira vista.

Quando terminaram, Ana se levantou, batendo a terra das mãos.

— Parabéns. Sua primeira muda tá viva.

— Uma vitória rural. Posso comemorar?

— Pode. Mas sem galinhas na festa, por favor.

Eles riram juntos. E pela primeira vez, o riso não veio de um estranhamento.

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Laci Assis

Laci Assis

kklkkkkkkk

2025-06-08

1

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Capítulos
1 Capítulo 1 – Estrada de Terra
2 Capítulo 2 – A Moça das Flores
3 Capítulo 3 – Moderno Demais pro Sertão
4 Capítulo 4 – Galinha na Janela
5 Capítulo 5 – Café, Couro e Paciência
6 Capítulo 6 – A Primeira Chuva
7 Capítulo 7 – Gente de Mundos Diferentes
8 Capítulo 8 – A Chegada de Letícia
9 Capítulo 9 – Noite de Fogueira
10 Capítulo 10 – A Tempestade e o Bilhete
11 Capítulo 11 – Raízes e Cicatrizes
12 Capítulo 12 — Heranças Esquecidas
13 Capítulo 13 – Terra Vermelha
14 Capítulo 14 – Festa da Colheita
15 Capítulo 15 – Terra em Julgamento
16 Capítulo 16 – O Último Testamento
17 Capítulo 17 – Quebra de Cercas
18 Capítulo 18 – Raízes Profundas
19 Capítulo 19 – Tempestade à Vista
20 Capítulo 20 – Vozes da Terra
21 Capítulo 21 — A Terra Não Cala
22 Capítulo 22 – Estrada de Volta
23 Capítulo 23 – Palavras que Plantam
24 Capítulo 24 – Casa Raízes
25 Capitulo 25
26 Capítulo 26 – Asa e Raiz
27 Capítulo 27 – Riscos e Colheitas
28 Capítulo 28 – Entre Estações
29 Capítulo 29 – A Casa que Nasceu do Vento
30 Capitulo 30 a viagem
31 Capitulo 31
32 Capitulo 32
33 Capítulo 33 – Entre Convites e Decisões
34 Capítulo 34 – O Casamento da Asa com a Raiz
35 Capítulo 35 – Céu de Dois
36 Capítulo 36– Casa Corpo Alma
37 Capítulo 37 – Fumaça no Horizonte
38 Capítulo 38 – Cinzas no Campo
39 Capítulo 39 – Vozes da Terra
40 Capítulo 40 – Onde Queima, Brota
41 Capítulo 41 – Coração em Semente
42 Capítulo 42 – Laços de Sangue e Terra
43 Capítulo 43 – Tempestade no Berço da Terra
44 Capítulo 44 – Clara de Sol e Terra
45 Capítulo 45 – Água e Nome
46 Capítulo 46 – Ramo Curvado
47 Capítulo 47 – Livro do Tempo
48 Capítulo 48 – O Vento que Ensina
49 Capítulo Final – Onde a Terra Abraça o Céu
Capítulos

Atualizado até capítulo 49

1
Capítulo 1 – Estrada de Terra
2
Capítulo 2 – A Moça das Flores
3
Capítulo 3 – Moderno Demais pro Sertão
4
Capítulo 4 – Galinha na Janela
5
Capítulo 5 – Café, Couro e Paciência
6
Capítulo 6 – A Primeira Chuva
7
Capítulo 7 – Gente de Mundos Diferentes
8
Capítulo 8 – A Chegada de Letícia
9
Capítulo 9 – Noite de Fogueira
10
Capítulo 10 – A Tempestade e o Bilhete
11
Capítulo 11 – Raízes e Cicatrizes
12
Capítulo 12 — Heranças Esquecidas
13
Capítulo 13 – Terra Vermelha
14
Capítulo 14 – Festa da Colheita
15
Capítulo 15 – Terra em Julgamento
16
Capítulo 16 – O Último Testamento
17
Capítulo 17 – Quebra de Cercas
18
Capítulo 18 – Raízes Profundas
19
Capítulo 19 – Tempestade à Vista
20
Capítulo 20 – Vozes da Terra
21
Capítulo 21 — A Terra Não Cala
22
Capítulo 22 – Estrada de Volta
23
Capítulo 23 – Palavras que Plantam
24
Capítulo 24 – Casa Raízes
25
Capitulo 25
26
Capítulo 26 – Asa e Raiz
27
Capítulo 27 – Riscos e Colheitas
28
Capítulo 28 – Entre Estações
29
Capítulo 29 – A Casa que Nasceu do Vento
30
Capitulo 30 a viagem
31
Capitulo 31
32
Capitulo 32
33
Capítulo 33 – Entre Convites e Decisões
34
Capítulo 34 – O Casamento da Asa com a Raiz
35
Capítulo 35 – Céu de Dois
36
Capítulo 36– Casa Corpo Alma
37
Capítulo 37 – Fumaça no Horizonte
38
Capítulo 38 – Cinzas no Campo
39
Capítulo 39 – Vozes da Terra
40
Capítulo 40 – Onde Queima, Brota
41
Capítulo 41 – Coração em Semente
42
Capítulo 42 – Laços de Sangue e Terra
43
Capítulo 43 – Tempestade no Berço da Terra
44
Capítulo 44 – Clara de Sol e Terra
45
Capítulo 45 – Água e Nome
46
Capítulo 46 – Ramo Curvado
47
Capítulo 47 – Livro do Tempo
48
Capítulo 48 – O Vento que Ensina
49
Capítulo Final – Onde a Terra Abraça o Céu

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