Ana caminhava com passos leves, quase sem levantar poeira. Miguel a seguia de perto, ainda tentando entender onde exatamente ele estava — e quem exatamente era aquela moça de fala doce, mas olhar esperto, que parecia fazer parte da paisagem como o cheiro de terra molhada depois da chuva.
Chegando ao alpendre da casa, Ana pousou a cesta de flores sobre uma mesinha e bateu as mãos uma na outra, limpando o pó.
— Vó, o moço da cidade chegou! — ela gritou, sem levantar muito a voz. — É o tal do arquiteto.
De dentro da casa, ouviu-se um barulho de panela e uma voz firme:
— Já tô indo, minha filha! Só tô tirando o café do fogo!
Miguel ajeitou a gola da camisa e deu dois passos cautelosos em direção à varanda.
— Posso entrar?
— Aqui ninguém bate na porta não, moço. Só entra com respeito e sai com cafezinho no estômago. — disse Ana, divertida.
Ele sorriu e entrou, sentindo a madeira antiga ranger sob os pés. A casa era simples, mas muito bem cuidada. Havia fotografias em preto e branco nas paredes, santos sobre um pequeno altar e um cheiro constante de café fresco.
Dona Zefa apareceu na cozinha com um pano no ombro e um olhar afiado.
— Você que é o Miguel?
— Sou, senhora. Muito prazer. Vim acompanhar as obras da casa sustentável.
— Hum. Sustentável é o que a gente vive faz cinquenta anos. Só que sem nome bonito. — disse ela, com um leve sorriso escondido no canto da boca. — Senta, homem. Vai provar o melhor café desse sertão.
Miguel sentou-se à mesa, ainda meio desconcertado. Ana serviu o café e sentou-se também, cruzando as pernas com naturalidade. Ele observou os movimentos dela — simples, precisos, quase como quem dança.
— Então você cultiva flores? — ele perguntou, tentando puxar conversa.
— Flores, ervas, e um tantinho de paciência com a terra. — respondeu Ana, soprando a xícara. — Tem quem veja só mato. Eu vejo remédio, enfeite, e até poesia.
Miguel se pegou observando-a de novo. Ana tinha algo de misterioso, mas não no sentido enigmático. Era mais como se ela pertencesse a um tempo diferente. Um tempo em que as palavras tinham mais valor e os silêncios, mais sentido.
— E você? — ela perguntou, olhando nos olhos dele. — Por que aceitou vir até aqui? Não parece muito fã de barro no sapato.
Ele riu, encabulado.
— Sinceramente? Eu queria sair um pouco do automático. A cidade cansa, sabe? Tava sempre correndo, entregando projetos que nem lembrava de onde vinham. Aqui... — ele olhou pela janela — parece que tudo tem cheiro, som, nome. Até o vento parece mais vivo.
Ana o observou com mais atenção dessa vez. Por um segundo, não viu o moço da cidade, mas um homem com olhos de quem andava cansado por dentro.
— Então talvez cê tenha vindo pro lugar certo. — disse ela. — Mas não espere que o campo vá te receber como hóspede. Aqui, ou aprende a ser da terra... ou volta correndo pra cidade.
Miguel sorriu, um pouco desafiado.
— E você? Vai me ensinar?
Ana ergueu uma sobrancelha.
— Posso até tentar. Mas aviso logo: eu sou melhor ensinando galinha a botar do que homem a ficar.
Dona Zefa soltou uma gargalhada alta da cozinha, fazendo Miguel corar um pouco. Ana apenas voltou a tomar seu café, como quem não tinha dito nada demais.
Lá fora, o sol seguia alto. Mas dentro daquela casa, Miguel sentia algo começar a mudar.
Não era só o calor do café. Era o calor de algo que ele não sabia dar nome — ainda.
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Atualizado até capítulo 49
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