Seguindo o cheiro que a guiava, Lira não encontrou uma carroça imediatamente, mas sim uma clareira que terminava em um lago de águas calmas, refletindo a lua como um espelho partido. A ideia de continuar na estrada, sem parar, parecia a mais lógica para sua nova condição, mas algo a deteve. Seus olhos verdes focaram no sangue que ainda manchava suas roupas, uma lembrança vívida da noite de horror e de sua primeira refeição.
"Eu deveria continuar, mas...", ela murmurou, sua voz ainda estranha para seus próprios ouvidos. Ela olhou para suas mãos e para as manchas escuras no tecido. "Talvez eu devesse me limpar primeiro, não quero assustar ninguém." A frase soou irônica, quase vazia de emoção. Assustar? A que ponto a Lira de antes teria reagido com horror ao ver a si mesma agora?
Ainda assim, um resquício de pragmatismo ou talvez uma memória distante de decência a impeliu. Não era por vergonha, nem por culpa, mas por uma fria lógica de camuflagem. Ela estava em um mundo novo, um mundo onde era uma predadora, e não queria anunciar sua presença de forma tão óbvia.
Lira se despiu lentamente à beira do lago, seus movimentos agora fluidos e silenciosos. Enquanto desnudava seu corpo, observou a sutil, mas inegável, mudança na tonalidade de sua pele. Não era mais a palidez comum de alguém que perdeu sangue; era um tom quase translúcido, etéreo, com um brilho pálido sob a luz da lua, como se a luz não fosse absorvida, mas refletida por ela. Uma nova percepção a atingiu: ela não sentia mais o frio cortante da noite. No entanto, estranhamente, conseguia sentir o calor ambiente, uma sutil vibração da vida ao seu redor, mesmo que não fosse mais parte dela.
Nua, Lira entrou na água, a superfície quebrando em círculos perfeitos. A água fria do lago não a incomodava; na verdade, parecia revigorante, limpando não só o sangue, mas também a exaustão que pesava em seus ossos. Ela mergulhou, lavando os cabelos ruivos e o sangue seco que grudava em sua pele. Em seguida, pegou suas roupas, as mesmas que testemunharam sua infância e sua terrível transformação, e começou a lavá-las na água escura, observando o sangue se dissolver e tingir as ondas antes de desaparecer.
Enquanto se limpava, Lira percebeu outras mudanças. Seus reflexos na água eram mais nítidos, seus músculos mais definidos, mesmo após a agonia recente. Havia uma força latente em seu corpo, uma energia nova e perigosa que a preenchia. A Lira que Kael havia deixado para trás estava morta; a que emergiria daquelas águas seria algo inteiramente novo.
Antes que Lira pudesse sair do lago, uma sensação gelada de estar sendo observada a percorreu. Com suas roupas molhadas esticadas sobre uma pedra para secar, ela estava nua, vulnerável, mas a situação não a incomodou. Na verdade, seus sentidos aguçados captaram algo mais. Lira podia escutar as batidas rápidas do coração do espião, um ritmo frenético, e até mesmo o som do sangue correndo nas veias dele.
Um sorriso lento e predatório curvou seus lábios. Não era um sorriso de doçura, mas de uma nova e perigosa confiança. "Por que não sai do seu esconderijo? Eu sei que você está aí." Sua voz, agora mais melódica e estranhamente sedutora, flutuou pelo ar da noite.
Do meio de uma moita densa, um homem emergiu. Ele tinha uma barba longa e escura, e estava vestido com peles e couro de animais, o que indicava ser um caçador. Um arco em suas mãos e uma aljava cheia de flechas nas costas confirmavam sua identidade. Seus olhos, arregalados e cheios de uma mistura de surpresa e pavor, fixaram-se em Lira, nua e misteriosa à luz da lua. Ele havia sido pego, e o medo transparecia em cada fibra de seu ser.
"Aproxime-se, nobre caçador, por que não conversamos um pouco?" Lira perguntou, sua voz suave, quase um convite, enquanto a água do lago gotejava de seu corpo nu. O caçador engoliu em seco, seus olhos fixos nas presas expostas de Lira.
"Eu sei exatamente o que você é, criatura da noite," ele retrucou, a voz embargada pelo medo. "Você não pode me seduzir."
Lira arqueou uma sobrancelha, um brilho de surpresa cruzando seu olhar. Seduzir? Isso nem havia passado por sua mente; sua atração era puramente instintiva, guiada pela nova e avassaladora sede. "Então você sabe o que sou... Talvez possa me ajudar então."
"Eu... Eu não vou te dar o meu sangue," o caçador balbuciou, apertando o arco com o punho firme, suas mãos tremendo levemente.
"Eu posso sentir o seu medo, caçador... Não me faça ir até você," Lira disse, e seus olhos verdes assumiram um brilho penetrante, quase hipnótico, enquanto ela dava um passo para fora da água.
O caçador, incapaz de conter o pânico, reagiu. Armou o arco em um piscar de olhos, puxou uma flecha da aljava e disparou contra Lira. Em um movimento sobrenatural, rápido demais para o olho humano acompanhar, Lira agarrou a flecha em pleno ar. No instante seguinte, ela saltou da água, pousando de forma silenciosa e letal bem na frente do caçador, a ponta da flecha quebrada em seus dedos.
O homem, assustado, tentou puxar a faca de sua cintura, mas Lira foi mais rápida. Ela agarrou a mão dele com uma força muito superior à dele, esmagando seus dedos. "Eu disse para não me fazer vir até você, não foi?" A voz de Lira era um sussurro perigoso, uma melodia sombria.
Sentindo a morte se aproximar, o caçador caiu de joelhos perante Lira, o arco e as flechas caindo no chão com um tilintar suave. "Por favor, eu imploro, poupe-me, milady." O terror em seus olhos era absoluto, e ele estava completamente à mercê dela.
"Bem, eu não pretendo matá-lo, ainda...", Lira disse, a voz quase um ronronar, enquanto seus olhos verdes percorriam o caçador de cima a baixo, avaliando-o. Sua mão, ainda segurando a do homem, apertava com força sobrenatural. "...Primeiro preciso saber se você pode me ser útil."
O caçador, ainda de joelhos, mal conseguia conter o tremor em sua voz. "Sim, sim, eu posso, eu posso! É só me pedir ou... ou perguntar, milady! Eu conheço essa floresta como a palma da minha mão, juro!"
"Muito bem...", Lira respondeu, um traço de curiosidade genuína em seu tom. "Você disse que conhece a minha... 'espécie', não disse?"
O caçador respirou fundo, tentando recuperar um pouco de sua compostura, embora o medo ainda o dominasse. "O suficiente para ficar fora do caminho de vocês", ele disse, sua voz ganhando uma tonalidade mais séria, um resquício de sua profissão.
"Então me diga, caçador...", Lira continuou, sua face inexpressiva. "Você tem visto muitos como eu por esta floresta?" A pergunta era direta, sem rodeios, a sede de conhecimento tão forte quanto a de sangue.
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Atualizado até capítulo 29
Comments
lina
continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua continua
2025-05-27
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lina
paisagem maravilhosa 🥰🤩🤩🤩🤩
2025-05-27
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