A chave girou na fechadura com um clique seco, e o silêncio do estúdio me envolveu como um cobertor morno. A porta se fechou com um leve estalo às minhas costas, abafando o mundo lá fora. Respirei fundo. O ar ali tinha o cheiro familiar de lavanda com âmbar, um perfume discreto que eu costumava borrifar nas cortinas toda semana. Era o cheiro de casa. De alívio. De mim.
Meu estúdio era um reflexo do que eu havia me tornado: compacto, elegante e funcional. Nenhuma parede dividia os espaços, mas tudo ali tinha seu lugar. Cada objeto, cor, textura, tudo escolhido com atenção quase obsessiva. Havia beleza no detalhe, e eu encontrava um prazer quase íntimo em compor meu lar como uma obra de arte viva.
A cama king-size dominava uma das paredes, coberta por lençóis de cetim vinho que reluziam sob a luz morna vinda das luminárias pendentes. Os travesseiros altos em tons negros formavam uma moldura para o descanso, ou para noites de insônia e devaneio, como vinha sendo ultimamente. O cetim escorria sob meus dedos quando eu passava por ali, e o toque frio e liso do tecido contrastava com o calor inquieto sob minha pele. Era sensual sem ser explícito, era... meu.
O sofá branco, de linhas simples e modernas, recebia a luz indireta da luminária de pé ao lado. As almofadas de veludo, uma mistura rica de vinho, azul petróleo e um tom de dourado envelhecido, davam um toque de sobriedade apaixonada. Era ali que eu me jogava ao fim dos dias difíceis. Como hoje. Como agora.
Joguei a bolsa no chão, chutei os sapatos para um canto e afundei no sofá com um suspiro. A textura macia do veludo sob meus braços contrastava com o turbilhão que me preenchia por dentro. O silêncio do apartamento não era absoluto, o som suave da geladeira, o ronronar quase imperceptível do ar-condicionado embutido, o eco abafado da cidade além das janelas. Tudo isso criava uma espécie de harmonia sensorial, como se o espaço me embalasse com os sentidos.
A televisão, uma peça de design que se disfarçava de obra de arte quando desligada, refletia apenas as luzes do ambiente. Não havia vontade de ligá-la. As imagens em minha mente já preenchiam todos os cantos com mais nitidez do que qualquer filme poderia oferecer.
Da cozinha aberta, vinha o leve brilho dos acabamentos em inox. Os armários pretos foscos contrastavam com a bancada de pedra escura, e os eletrodomésticos de última geração exibiam um brilho preciso, masculino. A cozinha era eficiente, moderna, quase agressiva em suas linhas retas, e ainda assim havia um charme ali, um convite silencioso ao toque, ao uso, ao cuidado. Meus dedos passaram distraidamente pela borda metálica do cooktop, buscando ancoragem.
Gastei mais do que devia naquele apartamento. Mas foi por mim. Por quem eu queria ser. E cada centavo investido fazia sentido nos dias em que o mundo lá fora pesava demais. Aqui dentro, eu ainda tinha controle. Era meu espaço, minha versão mais autêntica.
Fui até o frigobar embutido e retirei uma garrafa de água com gás. O estalo da tampa se abrindo soou quase alto demais no silêncio. Dei alguns goles e voltei para o sofá. Minha cabeça tombou para trás, encostando-se no estofado.
As imagens voltaram. Seo Joon. A dominatrix. A corda. O olhar. Tudo em mim ainda vibrava em resposta àquilo. E agora, aqui, cercado pelas texturas e formas que eu mesmo escolhi para me acalmar... não funcionava. Eu não conseguia desligar.
Mas talvez, pensei, olhando para a luz âmbar filtrada pelas cortinas, talvez eu não quisesse desligar. Porque havia algo ali, naquele olhar que ele lançou, naquela postura inesperada, que tocava algo dentro de mim que eu nem sabia que existia.
E enquanto a noite se fechava lá fora, e a cidade acendia suas luzes lentas e tristes, eu continuei ali. No meu refúgio de cetim e veludo. Tentando entender. Tentando sentir. Tentando aceitar que algo dentro de mim tinha acordado. E que não seria fácil voltar a dormir.
***
Decidi tomar um banho. O som da água correndo na banheira preencheu o apartamento como uma música baixa e constante. Quando abri a pequena porta do banheiro, o único cômodo com paredes e porta no meu estúdio, fui recebido pelo cheiro suave de eucalipto e madeira clara. A luz ali era morna, dourada, vinda de uma luminária com cúpula de vidro fosco suspensa sobre a pia de pedra cinza.
No centro do ambiente, como uma joia cuidadosamente exibida, estava minha banheira vitoriana. Compacta, mas imponente, com pés em formato de garras de águia feitas de latão polido que reluziam sob a luz, ela era meu maior capricho. Cada centavo da rescisão de meu antigo emprego fora investido ali, e eu nunca me arrependi.
Passei os dedos sobre a borda fria da banheira com reverência. O contraste da porcelana lisa e gelada contra minha pele aquecida do dia era quase sensual. O toque despertava memórias de outros banhos, de outras noites em que o mundo parecia demais, e só aquela imersão quente e silenciosa conseguiria desfazer os nós em minha mente.
Liguei o chuveirinho de latão, moderno e elegante, que combinava com os detalhes dourados do ambiente. A água quente começou a cair com um som acolhedor, enchendo lentamente a banheira. O vapor se espalhou aos poucos, turvando os espelhos, suavizando as arestas da realidade.
Antes que o banho estivesse pronto, cruzei o apartamento até a cozinha, abrindo a geladeira e peguei uma garrafa de vinho tinto encorpado. Pensei em servir somente uma taça, mas mudei de ideia. Levei a garrafa inteira comigo. Essa noite exigia entrega. Merecia meu abandono.
Ao voltar, desliguei a água e mergulhei um pé, testando a temperatura. A sensação da pele encontrando o líquido quente me fez estremecer, um arrepio que começou nos tornozelos e subiu até a nuca. Despi-me devagar, como quem se despe de um dia inteiro, e entrei.
A água me envolveu com gentileza, lambendo minha pele como dedos invisíveis. Deitei-me, deixando que o líquido cobrisse meu corpo até os ombros, e então recostei a cabeça na toalha dobrada que havia preparado sobre a borda. Fechei os olhos por um instante.
O primeiro gole de vinho queimou de leve na garganta antes de se espalhar quente por meu peito. Era um calor diferente do da água, mais lento, mais profundo, quase narcótico. Suspirei. Meu corpo começava a ceder, a rigidez se dissolvia nos ombros, na mandíbula, no peito. A cada gole e cada minuto submerso, eu sentia partes de mim se soltando, partes que haviam se contraído no escritório, na lembrança, no constrangimento do inesperado.
A imagem do sr. Seo Joon ainda dançava em minha mente, não como uma ameaça agora, mas como uma pergunta sussurrada ao pé do ouvido. O vapor no banheiro embaçava mais do que os espelhos. Embaçava certezas. Desenhava desejos.
Quando a água começou a esfriar, me levantei devagar. A luz da luminária desenhava a silhueta de meu corpo no espelho embaçado. Ainda sentia o vinho circulando preguiçoso por minhas veias. Peguei uma toalha felpuda, me sequei sem pressa e saí do banheiro com os pés descalços.
Deitei-me nu sobre a cama, sem me dar ao trabalho de vestir nada. Os lençóis de cetim vinho, frios contra minha pele quente, causaram um arrepio delicioso. Eu me movi levemente, como quem se acomoda em um ninho cuidadosamente tecido. O contraste da temperatura despertava minha pele e me fazia lembrar que estava vivo, presente, inteiro, relaxado como há dias não me sentia.
O mundo lá fora parecia distante. O escritório, o constrangimento, o medo, tudo recuava como ondas obedientes.
Ali, em meu refúgio de sensações e silêncio, finalmente adormeci.
O vinho ainda aquecia meus pensamentos. O cetim ainda acariciava minha pele. E o eco de um olhar submisso ainda sussurrava dentro de mim, como uma promessa.
***
O silêncio da noite envolvia o estúdio como um manto espesso, entrecortado apenas pela minha respiração tranquila, ainda adormecido entre os lençóis de cetim. Do lado de fora, as luzes da cidade filtravam-se pelas persianas, desenhando listras douradas no chão de madeira. A quietude era densa, quase líquida, como se o tempo tivesse diminuído o passo.
Mas então, o estúdio assumiu um ar ainda mais íntimo... a luz baixa, em um tom de âmbar, e havia uma música suave preenchendo o espaço, como um sussurro grave e ritmado que tocava a pele por dentro. O ar cheirava a vinho, couro e alguma coisa mais, algo morno, um toque de incenso, algo primitivo.
Eu estava sentado em meu pequeno sofá branco, os pés descalços afundados no tapete felpudo. Em minhas mãos, uma corda aveludada de tom rubro. Fina, macia, sedutora. Eu a deslizava entre os dedos com leveza, como quem testa a promessa que um toque pode conter. A textura me provocava um arrepio lento, um fio de tensão que subia por meu braço até se instalar na base da minha nuca.
Foi então que notei, ao meu lado, no chão, um homem ajoelhado.
Peças de roupas estavam jogadas em um canto, a gravata ainda enrolada, o paletó em desalinho. A camisa preta pendia aberta até o centro do peito, revelando um traço firme de pele alva e músculos discretos. Os cabelos escuros caíam como um véu sobre o rosto abaixado, ocultando os olhos. As mãos estavam para trás, entrelaçadas, em gesto de completa rendição.
Eu não precisei ver o rosto para saber quem era. Meu corpo soube antes da mente, e o desejo despertou como uma fagulha incendiando papel seco.
Eu me levantei devagar, sentindo a brisa fria, soprada de uma janela esquecida aberta, roçar minhas coxas nuas. meus pés tocaram o chão com a segurança de quem comanda. Aproximei-me. A corda ainda em uma das mãos. Com a outra, toquei o queixo daquele homem e ergui seu rosto, exigindo o olhar.
Seo Joon. Os olhos dele se ergueram como em uma súplica contida. Negros, opacos de emoção, submissos.
Ali, naquele sonho, o silêncio gritava. eu me inclinei, meu coração tamborilando, a corda escorrendo por meus dedos como se vivesse... Mas não houve tempo para mais. O mundo se partiu em um sobressalto.
***
Acordei ofegante, o peito subindo e descendo com violência, a respiração falhando como se eu tivesse corrido. O suor escorria em minha nuca, minha pele inteira viva, tocada por um desejo bruto, primitivo, que não se apagava ao abrir os olhos. As imagens ainda vibravam em minhas retinas. A sensação da corda, o peso do olhar do sr. Seo Joon, tudo parecia real demais para ser apenas um devaneio.
Fechei os olhos por um instante, apertando os lábios, como se tentasse reter algo dentro de mim, ou talvez impedir que escapasse.
Com um suspiro longo, puxei o lençol de linho e me enrolei, escondendo-me da minha própria nudez e do calor que minha pele ainda exalava. Caminhei até o frigobar, peguei uma garrafa d’água e a levei aos lábios, o vidro gelado contrastando com o fogo que ainda queimava sob minha pele.
Um segundo suspiro, mais alto, quase irritado. Encostei-me à parede, ainda nu sob o linho amarfanhado. Aquela seria uma longa noite. E o sr. Seo Joon agora morava em meus sonhos.
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Atualizado até capítulo 30
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