Era uma tarde morna de primavera quando Elena encontrou, entre os livros antigos da avó, uma pequena caixa de madeira, trancada por uma fita gasta. Não havia nome, nem fechadura. Apenas a poeira do tempo e o silêncio de quem guarda coisas que não quer lembrar.
— Vó… isso aqui é seu? — perguntou, com cuidado, levando a caixa até a sala.
Dona Isabela parou por um momento. Seu olhar, antes sereno, escureceu com memórias antigas. Sentou-se devagar e pediu para que Elena a entregasse.
— Há coisas, minha menina… que o tempo tenta esconder, mas o coração não esquece — disse, abrindo com delicadeza a tampa da caixa.
Dentro, havia uma mantinha rosa desbotada, uma pulseirinha hospitalar com um nome impresso: Elena Vasquez, e um bilhete amarelado, com a tinta desbotada, mas cruelmente legível. Palavras curtas, escritas à mão com uma caligrafia firme e amarga:
“Não criarei uma assassina. Ela deveria ter morrido no lugar da mãe.”
Elena sentiu o estômago afundar. A leitura daquelas palavras foi como um tapa no peito. Nunca conhecera o pai, mas agora sentia que o conhecia bem demais.
A avó apertou sua mão com ternura, os olhos marejados.
— Foi assim que você me chegou… fria, frágil, com os olhos ainda fechados, mas o coração já rejeitado.
Seu pai… — ela respirou fundo — ...nunca quis saber de você. Disse que sua mãe morreu por sua culpa. A Valentina nasceu forte e saudável. Você veio depois, com dificuldades pra respirar. Uma enfermeira me ligou às pressas, e quando cheguei, te colocaram nos meus braços como quem se livra de um fardo.
Elena mal conseguia piscar. O bilhete ainda tremia entre seus dedos.
— Mas por que a senhora foi chamada? — sussurrou, a garganta apertada.
Dona Isabela abaixou os olhos, e sua voz saiu mais suave, carregada de dor e saudade.
— Porque eu era a única família da sua mãe.
Minha filha era tudo pra mim. A Mirian sempre foi uma menina doce, sensível… sonhava em sair daqui e construir algo melhor pra si.
Criamos uma vida simples, só nós duas. Eu trabalhava como costureira, fazia o possível pra dar a ela alguma estabilidade.
Ela cresceu determinada, e quando conseguiu um estágio como assistente administrativa na empresa Vasquez… fiquei tão orgulhosa.
Elena sentia o peito apertado. Aquilo não era só uma lembrança — era a origem de tudo.
— E foi lá que ela conheceu ele? — perguntou, quase sem voz.
— Sim. Arturo Vasquez.
Era um homem mais velho, muito respeitado, influente… e, ao que parecia, encantado por ela. No começo, ele parecia bom, atencioso.
Mas com o tempo, vi o brilho dela mudar. Ela se calava mais. Eu perguntei, insisti… mas ela dizia que estava tudo bem.
Quando me contou que estava grávida, senti medo.
Quando me disse que iam se casar… soube que estava indo embora pra um mundo que não era feito pra ela.
A avó se calou por um instante, o olhar perdido no passado.
— E ela morreu no parto?
— Sim. Complicações inesperadas. A Valentina nasceu primeiro, saudável, perfeita. Você veio depois, lutando pra respirar.
Foi naquele hospital frio, sob a chuva, que a vida da minha filha terminou… e a sua começou.
Ele culpou você no mesmo instante. Nem quis te ver. Disse que não criaria uma assassina. Que a filha que o importava já estava com ele.
Elena sentiu uma lágrima quente escorrer sem permissão. Não era surpresa, mas doía como se fosse.
— E a senhora… não pensou em me recusar?
Dona Isabela olhou para ela com uma doçura firme. Uma força que vinha de quem já perdeu tudo, menos o amor.
— Nunca.
Eu já tinha perdido a minha filha. Não ia perder você também.
Você era uma continuação dela. E era minha.
Cometi muitos erros quando nova, então nunca me casei, Elena. E depois que tive sua mãe nãopensei mas na hipótese. Quando segurei a minha menina em meus braços eu sabia que não precisava de mais ninguém. E esse sentimento se repetiu quando te segurei nos braços naquela noite quando perdi minha única razão de viver… foi como se a vida me desse um novo motivo pra existir.
Elena abraçou a caixa contra o peito, com o coração pesado e quente ao mesmo tempo. Ela nunca teve a chance de ouvir histórias de princesas nem dormir em lençóis caros. Mas teve isso. Teve amor. Verdadeiro.
E talvez… fosse isso que a mantivera viva. Mesmo sem saber.
Enquanto Valentina crescia em salões dourados, sendo penteada por babás e educada em francês, Elena brincava entre flores do campo e aprendia a cuidar da terra.
Enquanto Valentina aprendia a mentir com um sorriso, ela aprendia a suportar a verdade com silêncio.
E mesmo que feitas do mesmo sangue, nasceram em extremos opostos.
Mas o sangue… o sangue sempre cobra.
E naquele fim de tarde, ao fechar a caixa e guardar o bilhete, Elena entendeu. O nome que ninguém jamais pronunciou… seria, um dia, o nome que ninguém ousaria esquecer.
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Atualizado até capítulo 45
Comments
Dulci Oliveira
espero que elena não baixe a cabeça pra seu ninguém, que seja forte e determinada
2025-05-25
5
Carolina Luz
tomara que esse contato venha favorer Elena mesmo que por vingança
2025-05-25
1
Patrícia Franco
começando além agora e já estou gostando da história 👏🏾👏🏾👏🏾👏🏾
2025-05-25
1