Entre Mentiras e Olhares
O silêncio que pairava entre eles era denso, cortante. Siena permaneceu sentada, o braço ainda preso pela mão firme de Luca. Não era uma prisão física. Era algo mais profundo, mais perigoso. Um domínio invisível que ele exercia sem esforço.
— Me solta — disse ela, tentando soar firme.
Ele não obedeceu de imediato. Seus olhos escuros a examinavam como se procurassem rachaduras na fachada de determinação que ela insistia em manter.
— Quem te enviou o e-mail? — Sua voz era baixa, mas carregava uma autoridade inegociável.
— Não sei. É uma fonte anônima — ela respondeu, com a verdade cravada na garganta.
Luca arqueou uma sobrancelha, avaliando cada detalhe do rosto dela. Então, finalmente, soltou seu braço.
— Levante-se.
Ela hesitou. Parte dela gritava para sair correndo, mas a outra... a parte que não fazia sentido algum, queria ficar. Queria entender aquele homem. Queria decifrar o monstro atrás do mito.
Siena se levantou devagar, com o celular ainda em mãos. Luca deu um passo em sua direção e tomou o aparelho com rapidez. Passou os olhos pela tela e, sem dizer uma palavra, deslizou para abrir o conteúdo do e-mail.
O silêncio foi preenchido apenas pelo som abafado da chuva contra as janelas.
— Isso... — ele começou, depois travou a mandíbula. — Esse dossiê é real?
— Eu não li ainda. — Era verdade, e ela sabia que isso jogava a seu favor. — Estava na entrevista quando chegou.
Ele caminhou até a lareira e atirou o celular no sofá.
— Você tem ideia do que isso significa?
— Significa que alguém está tentando derrubar você.
Luca virou-se de forma lenta, quase felina. Seus olhos estavam mais escuros, perigosos.
— E você é a peça perfeita para isso, não é? Uma jornalista jovem, ambiciosa, cheia de fome por justiça... — Ele se aproximou até ficar a poucos centímetros dela. — Sabe o que os Vitiello fazem com traidores, Siena?
Ela engoliu seco. Queria desviar o olhar, mas não podia.
— Eu não sou sua inimiga — sussurrou.
— Ainda não — ele rebateu. — Mas está no limiar.
O ar entre eles estava carregado, elétrico. E então, como se um feitiço tivesse se quebrado, Luca deu um passo para trás e suspirou, massageando as têmporas.
— Você vai ficar aqui esta noite.
— O quê?
— É isso mesmo que ouviu. A suíte tem dois quartos. Um é seu. Ninguém sai até eu descobrir quem está por trás disso. E se tentar fugir...
— Vai me matar? — ela desafiou.
Ele sorriu. Um sorriso sombrio e perigosamente bonito.
— Não. Mas vai desejar que eu tivesse feito isso.
Ela quis gritar, recusar, correr. Mas havia algo nela — instinto ou loucura — que dizia para ficar. Algo dizia que, mesmo sob ameaça, ela estava mais segura ao lado do lobo do que sozinha na floresta.
Mais tarde, Siena estava em seu quarto, sentada na beira da cama, observando a porta trancada. Luca havia deixado uma muda de roupas, um jantar completo e... um aviso.
— Se você abrir essa porta sem permissão, não respondo por mim — ele dissera.
Ela devia estar apavorada. Devia estar chorando, ligando para a polícia. Mas não fazia nenhuma dessas coisas. Em vez disso, ligava o notebook, copiava o conteúdo do dossiê e começava a ler.
As palavras na tela a fizeram estremecer.
Subornos. Execuções. Nomes de juízes, políticos, até policiais. Tudo minuciosamente documentado. E no topo da pirâmide, sempre ele. Luca Vitiello.
Mas o que mais a chocou foi o nome que apareceu ao final do documento: Enzo Castellani.
Seu pai.
O mundo de Siena desabou.
Ela levou a mão à boca, engolindo um grito. Seu pai havia sido policial militar. Morreu quando ela tinha quinze anos, em circunstâncias “não esclarecidas”. E agora ali estava: o nome dele, vinculado a uma operação que envolvia a máfia siciliana.
— Meu Deus... — sussurrou, o coração disparado.
Cada célula do seu corpo queria negar. Mas as evidências estavam ali. E talvez, só talvez, Luca soubesse de tudo.
Uma batida na porta a fez saltar.
— Siena? — A voz dele, do outro lado, era calma. — Preciso conversar com você.
Ela hesitou. Depois levantou-se, destrancando a porta.
Luca estava sem o paletó, as mangas da camisa arregaçadas, revelando antebraços fortes e tatuados. Ele a observou por um segundo, os olhos analisando tudo.
— Você leu — afirmou, sem precisar perguntar.
Ela assentiu, pálida.
— Meu pai... — começou, mas a voz falhou. — Ele estava envolvido?
Luca entrou no quarto, fechando a porta atrás de si.
— Depende do que você chama de envolvimento — respondeu. — Enzo Castellani foi um dos únicos policiais que tentou nos derrubar por dentro. Se infiltrou. Quase conseguiu. Mas... pagou o preço.
Siena sentiu o chão desaparecer.
— Você...
— Não fui eu quem puxou o gatilho. Mas fui eu quem deu a ordem — disse ele, frio. — E se quer a verdade... me arrependo.
Ela sentou na cama, zonza. Ele se aproximou devagar.
— Por que está me contando isso?
— Porque você merece saber. E porque estou cansado de fantasmas.
O olhar dele era diferente agora. Ainda duro, mas... humano.
— E o que vai fazer comigo?
— Isso... — ele disse, sentando ao lado dela, tão perto que podia sentir seu perfume — ainda estou decidindo.
Siena não sabia se chorava, se gritava ou se caía nos braços dele. Mas naquele instante, pela primeira vez, não viu o monstro. Viu o homem. Um homem quebrado, assombrado... e cruel.
Mas que, por alguma razão, não conseguia machucá-la.
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Comments
Regina Celia
ESSE ROMANCE PROMETE, MUITAS VERDADES A SER FALADAS E EXCRARECIDAS.
2025-05-28
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Celia Aparecida
humm interessante, muito interessante
2025-05-28
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