Capítulo 4- Proximidade inesperada

A noite em Paris era um convite ao devaneio. As luzes refletidas no Sena dançavam como pequenas chamas no espelho da água, e Beca caminhava lentamente, tentando dissipar a inquietação que Adrien plantara dentro dela. As palavras dele, carregadas de ambiguidade, ecoavam como notas soltas de uma canção perigosa. Havia uma tensão não nomeada entre eles — e ela começava a duvidar da própria capacidade de resistir.

Na manhã seguinte, chegou cedo à empresa. Precisava se concentrar, reafirmar a si mesma que estava ali por mérito, não por causa de olhares ou insinuações. Mas ao entrar no prédio, foi surpreendida por um envelope deixado sobre sua mesa. Era preto, elegante, sem remetente. Ao abri-lo, encontrou um cartão com caligrafia firme:

“Château Voltaire – hoje às 19h. Traga suas ideias. – A.G.”

O coração acelerou. O Château Voltaire era um hotel boutique sofisticado no centro de Paris. Por que ele escolheria um lugar tão íntimo para discutir ideias de campanha? E por que não enviaria esse convite por e-mail, como sempre fazia?

Ela hesitou. Podia ser apenas um encontro de trabalho. Mas uma parte de si já sabia que não era.

---

Às 19h em ponto, ela chegou ao hotel. Usava um vestido preto de mangas longas e decote discreto, elegante o suficiente para não parecer que estava se arrumando para um encontro — embora seu estômago estivesse revirado como se estivesse. O recepcionista a conduziu até uma sala privada, onde Adrien já a esperava, de pé, junto à janela, com uma taça de vinho nas mãos.

— Boa noite — disse ele, virando-se.

— Boa noite, senhor Gauthier.

— Adrien — corrigiu, sorrindo de leve. — Fico feliz que tenha vindo.

Ela se aproximou devagar, depositando a pasta com os rascunhos sobre a mesa. Ele a observava com um misto de interesse e algo mais — como se analisasse não apenas o que ela dizia, mas tudo o que ela era.

— Achei que discutir ideias fora do ambiente corporativo poderia ser mais... inspirador.

Ela assentiu, tentando não parecer nervosa.

— Espero que sim. Estive pensando bastante sobre o conceito da campanha. Quero mostrar uma juventude diversa, forte, sem medo de se posicionar. Algo que reflita coragem, mas sem forçar rebeldia.

— Excelente. Você tem uma mente criativa — disse ele, puxando uma cadeira. — Sente-se.

Ela obedeceu, abrindo a pasta. Os primeiros minutos foram objetivos. Falaram sobre diretrizes de imagem, cores, perfis de influenciadores, pontos de mídia. Mas, pouco a pouco, o clima foi mudando. As palavras diminuíram, os olhares se prolongaram.

— Como é viver aqui para você? — ele perguntou, quebrando a formalidade.

— Intenso. Paris é linda, mas pode ser solitária. Às vezes sinto que estou sempre tentando provar que mereço estar aqui.

— Você merece. Está aqui porque tem talento.

Ela sorriu, surpresa pela sinceridade na voz dele.

— E o senhor? Sempre quis estar à frente de uma empresa?

— Adrien — repetiu, suavemente. — E sim. Mas às vezes me pergunto se é isso mesmo que eu quero. Ou se só estou seguindo o que esperavam de mim.

Era estranho ouvir um homem como ele — tão confiante, tão no controle — falar sobre dúvida. Isso o tornava mais humano. Mais próximo.

— Acho que todos sentimos isso — disse Beca. — O medo de não estarmos vivendo de verdade.

Ele a olhou demoradamente.

— E o que seria “viver de verdade”, Beca?

Ela hesitou. O nome dela soando em sua voz era como música baixa ao fundo.

— Talvez... sentir. Sem medo. Mesmo que doa. Mesmo que seja confuso.

O silêncio que se seguiu foi carregado. Nenhum dos dois desviou o olhar.

— Você é perigosa — disse ele, por fim.

— Eu?

— Sim. Diz coisas que me fazem pensar. E eu não gosto de perder o controle.

Ela sorriu, com uma leveza que não esperava sentir.

— Talvez seja bom, às vezes, perder um pouco.

Por alguns instantes, ficaram em silêncio. A única coisa que preenchia o espaço entre eles era a tensão — sutil, mas inegável.

Adrien se levantou e caminhou até o bar montado na lateral da sala. Serviu outra taça de vinho e entregou a ela.

— Promete não fugir se eu disser algo honesto?

Ela aceitou a taça, intrigada.

— Prometo.

— Desde o primeiro dia, você me chamou atenção. E eu tentei ignorar. Mas está ficando difícil.

Ela ficou sem ar por um momento.

— Adrien...

— Eu sei. Você é jovem, estagiária. Existe um limite que não devo cruzar. Mas você também não é ingênua. E sabe que algo está acontecendo aqui.

Ela pousou a taça sobre a mesa, o coração batendo forte.

— Eu sinto, sim. Mas também tenho medo. Isso pode me prejudicar.

— Eu nunca faria nada que a colocasse em risco.

Ele se aproximou devagar, respeitando cada centímetro que a separava dele. Quando finalmente estava diante dela, estendeu a mão — e tocou seu rosto com a ponta dos dedos, com uma delicadeza que a fez fechar os olhos.

— Eu não vou te forçar a nada. Mas se quiser descobrir o que é isso entre nós... também não vou fugir.

Ela abriu os olhos, sentindo o mundo girar mais devagar. Seu rosto estava a poucos centímetros do dele. O perfume amadeirado, o calor do corpo, os olhos intensos. Era impossível manter a distância.

Beca sentiu os próprios lábios se entreabrirem. Mas, antes que qualquer gesto se concretizasse, ela recuou, levemente.

— Preciso pensar.

Adrien assentiu, compreensivo.

— Está bem. Pense. Mas saiba que minha porta estará aberta. Sempre.

---

Nos dias que se seguiram, Beca mergulhou no trabalho como forma de fugir de si mesma. Passava horas desenvolvendo a campanha, interagindo com equipes de design, lidando com pesquisas. Adrien manteve distância — pelo menos física. Porque sua presença parecia impregnar o ar do prédio.

Camille também notou o silêncio estranho entre os dois.

— Aconteceu alguma coisa?

— Por quê?

— Porque vocês estavam se olhando como se compartilhassem um segredo. E agora mal se cumprimentam.

Beca fingiu ignorar, mas dentro dela a confusão crescia. Queria se entregar, mas também queria manter o que havia construído. Queria viver algo real, mas temia os riscos.

Na sexta-feira, perto do fim do expediente, Adrien surgiu ao lado de sua mesa. Usava uma camisa cinza, os cabelos levemente desalinhados.

— Posso falar com você?

Ela assentiu, levantando-se.

Foram até a sala dele. Assim que a porta se fechou, ele foi direto:

— Preciso saber se devo esquecer o que houve entre nós.

Ela mordeu o lábio.

— Eu... não sei. Está tudo indo tão rápido.

— Então vamos devagar. Sem pressa. Sem rótulos. Só... proximidade. Sem mentiras.

Ela o olhou nos olhos. Havia sinceridade ali. Desejo, sim — mas também respeito. E, talvez, algo mais.

— Tá bom — disse ela, num sussurro. — Vamos devagar.

Ele sorriu. E naquele sorriso havia algo que fez o coração dela disparar: alívio. Como se, pela primeira vez, Adrien Gauthier estivesse deixando alguém se aproximar.

---

Naquela noite, não houve beijos. Nem toques ousados. Apenas uma caminhada lado a lado pelas ruas de Paris, como duas almas que se reconheciam. Falaram sobre música, infância, livros. Ele revelou que tocava piano, que amava Chopin. Ela contou sobre sua avó, que a ensinara a ver beleza até nos dias cinzentos.

Quando a deixou na porta de casa, ele segurou sua mão por alguns segundos a mais.

— Bonne nuit, Beca.

— Boa noite, Adrien.

Ela subiu os degraus sentindo que, mesmo sem beijos, aquele havia sido o momento mais íntimo de sua vida.

E, talvez, o início de algo que mudaria tudo.

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Gladis Detoni

Gladis Detoni

Adorando

2025-05-27

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