Capítulo 2- Impressões e Conflitos

O segundo dia começou com chuva fina cobrindo Paris como um véu de névoa. Beca chegou cedo, com um croissant em mãos e o coração ainda acelerado pela lembrança do dia anterior. Adrien Gauthier não saía da sua cabeça — nem pelo olhar cortante, nem pela maneira como dissera seu nome com aquela voz grave, quase pausada.

Ela tentou afastar a imagem dele enquanto se sentava à sua estação, abrindo e-mails e planilhas, focando no que sabia fazer: observar, aprender e não chamar atenção. Mas o universo parecia ter outros planos.

Camille chegou com pressa, os saltos ecoando pelo piso de mármore.

— Beca, bom dia. Tenho uma notícia: você vai acompanhar a reunião da equipe sênior de marketing hoje.

— Eu? — perguntou surpresa.

— Sim. Preciso que anote tudo. Será no 17º andar, sala de conferências G. Traga seu caderno, tablet, o que preferir.

— Mas... e se eu não entender tudo?

— Não se preocupe, só registre. Eu reviso depois. Confio em você.

Essas palavras mexeram com ela. “Confio em você.” Há quanto tempo não ouvia isso?

Dez minutos depois, ela estava na sala de conferências — uma mesa oval de vidro, doze cadeiras de couro, janelas amplas e uma tela projetando gráficos. Os executivos começaram a entrar, todos elegantes, frios, focados. Ela cumprimentava com acenos tímidos.

E então ele entrou.

Adrien.

Silêncio. Foi como se o tempo se curvasse levemente à presença dele. Usava um terno azul-marinho sob medida, os cabelos ainda úmidos da chuva, e um perfume amadeirado discreto que pareceu preencher o ar. Sentou-se na ponta da mesa, com uma pasta preta e um tablet.

— Bom dia a todos — disse em francês. — Sejamos objetivos.

O encontro começou. Beca tentava acompanhar a enxurrada de números, prazos e termos técnicos. Às vezes, anotava coisas que não entendia completamente, prometendo a si mesma pesquisar mais tarde. Observava tudo com olhos atentos — inclusive ele.

Adrien não levantava a voz. Não precisava. Cada frase era certeira. Corrigia gráficos com calma, fazia perguntas que deixavam os outros executivos desconfortáveis e, por fim, virou-se para Camille.

— E o novo projeto social com foco na América Latina?

— Estamos em fase inicial. Ainda não definimos o público-alvo.

— E por que não? Temos alguém aqui com vivência direta — disse, olhando diretamente para Beca.

Ela congelou. Todos viraram o rosto na sua direção.

— Senhor? — balbuciou.

— Você é brasileira, certo? O que você considera importante em ações sociais voltadas para jovens em sua região?

Camille tentou intervir:

— Beca ainda está em fase de treinamento, senhor Gauthier...

— Sim, mas é por isso mesmo que pergunto. Visão real. Não dados frios.

Beca engoliu em seco. Todos a observavam. Nunca imaginou ser colocada à prova assim — muito menos por ele.

— Eu... acho que o principal seria acesso à educação. Cursos técnicos, bolsas de estudo... Algo que realmente dê perspectiva de futuro. Onde cresci, oportunidades são raras. E quando aparecem, nem sempre as pessoas estão preparadas pra aproveitá-las.

Adrien a escutava com atenção. Algo em seu semblante suavizou.

— Obrigado, Beca. Informação válida.

Ela respirou aliviada quando ele desviou o olhar. Mas uma leve curva nos lábios dele quase parecia... um sorriso?

A reunião seguiu, mas nada mais pareceu tão intenso quanto aquele momento.

Quando todos saíram, Beca foi recolher seu caderno, ainda tremendo.

— Você lidou bem — disse Camille, aproximando-se. — Ele costuma ser difícil. Mas hoje... parecia interessado.

— Interessado?

— Em ouvir você. E isso não é comum.

As palavras de Camille martelaram a manhã inteira. Ela tentava se convencer de que era apenas impressão, mas então, perto do meio-dia, uma notificação apareceu no e-mail.

Remetente: Adrien Gauthier

Assunto: Relatório da reunião

Mensagem:

Gostaria de ler suas anotações. Envie até as 15h, s’il vous plaît.

Beca quase deixou o café cair. Ele tinha enviado uma mensagem pessoal? Para uma estagiária? Com aquele nível de formalidade — e interesse?

Passou a tarde revisando cada palavra, com medo de erros. Quando finalmente enviou, ficou olhando para a tela, como se algo mais fosse acontecer. Mas nada veio.

---

Dois dias depois, enquanto revisava um material de design, Camille apareceu novamente.

— Você vem comigo. Adrien quer você numa reunião externa com investidores americanos. Preciso de ajuda na tradução e organização dos materiais.

— Com... ele?

— Sim. Vai ser bom pra você.

O local era um restaurante de luxo às margens do Sena. Ela usava um vestido azul marinho discreto, salto baixo e uma pasta com todos os relatórios. Sentia-se deslocada entre os homens de terno, mas tentava manter a postura.

Adrien chegou por último.

— Mademoiselle Ribeiro — cumprimentou, com um leve aceno.

Ela respondeu com um “Bonjour” quase inaudível. Durante a reunião, ele foi direto, mas cortês. Quando os investidores falaram em inglês rápido, Beca ajudou com a tradução. Por duas vezes, ele a olhou como se estivesse testando-a — e aprovando.

Após o almoço, quando estavam sozinhos na calçada, esperando o carro da empresa, ele falou:

— Você foi eficiente.

Ela sorriu, tímida.

— Estou tentando fazer o melhor, senhor.

— E está conseguindo. Mas por que Paris? Tantas escolhas, e você veio pra cá.

Ela hesitou antes de responder:

— Porque era impossível. E eu gosto de coisas difíceis.

Ele a olhou, surpreso. Por um instante, os dois ficaram em silêncio. A chuva fina recomeçou, e Adrien tirou o paletó, protegendo-a.

— Não quero que fique doente — disse, sério.

— E o senhor?

— Eu me viro.

Naquele momento, algo mudou. Não foi só a gentileza. Foi o olhar. Havia algo ali, entre eles, que nenhum dos dois nomeou, mas ambos sentiram.

---

Naquela noite, sozinha em seu pequeno quarto alugado, Beca não conseguia dormir. As palavras dele ecoavam em sua mente. O gesto com o paletó. O modo como a escutava. Nunca imaginou que alguém como Adrien Gauthier sequer notaria sua existência — muito menos a trataria com uma atenção tão... cuidadosa.

Mas ela sabia que precisava ter cuidado. Aquilo era só o começo. E o mundo dele era perigoso.

Ainda assim, algo em seu peito dizia que esse era apenas o primeiro conflito — entre o que sentia e o que podia demonstrar. E isso... isso era só o começo.

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Comments

lua 🌙

lua 🌙

amando os primeiros capítulos. autora vc poderia no decorrer da história, relatar como Beca chegou a Paris sendo pobre, e com 18 anos apenas? e como conseguiu esse estágio

2025-05-28

1

Fernanda Azevedo

Fernanda Azevedo

Já gostei dos primeiros capítulos. História com conteúdo, vocabulário claro e sem espaço para infantilidade. Amo histórias maduras no enredo.

2025-05-28

1

CantStopWontstop

CantStopWontstop

Queria abraçar esses personagens.

2025-05-24

1

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