Ela Não Era Mais a Mesma
A dor não sumiu de uma hora pra outra. Ela ainda estava ali, debaixo da pele, como uma cicatriz recente que arde quando alguém encosta sem querer. Mas Bianca já não se deixava levar por ela.
A cada manhã, ela levantava decidida a seguir em frente. Acordava cedo, tomava um café forte, passava o batom favorito e enfrentava o dia. Trabalho de manhã numa papelaria simples no centro e escola à noite. Era puxado, sim. Mas ela finalmente sentia que estava fazendo algo por si mesma.
A casa da mãe era pequena, barulhenta, cheia de opiniões — mas também tinha cheiro de café fresco e risada de irmã mais nova correndo pelos corredores. Bianca reaprendeu a amar a simplicidade. A conviver com o caos sem deixar que ele entrasse nela.
Já não chorava escondido no travesseiro. Agora, anotava pensamentos num caderno.
“Não é que eu endureci... Eu só cresci”, escreveu numa das folhas.
Na escola, os professores começaram a notar uma mudança. A menina que vivia cansada, cabeça baixa, agora participava, fazia perguntas, queria entender. O professor de sociologia, seu Valmir, elogiou em voz alta uma redação dela sobre justiça social:
— Você leva jeito, Bianca. Já pensou em Direito?
Ela sorriu de canto.
— Já sim, professor. Tô pensando nisso todo dia.
Foi também nessa época que ela cortou o cabelo. Nada drástico — só uns dedos. Mas pra quem a conhecia, foi mais que estética. Era um marco. Um recomeço.
Tainá, que continuava sendo sua melhor amiga, foi com ela ao salão.
— Cê tá linda, Bia. Mas, mais que isso... tá forte.
Bianca olhou o próprio reflexo e respondeu com convicção:
— É. Eu tô voltando a ser eu.
No trabalho, ela passou a ser mais observada pelo dono da papelaria, um senhor calado, mas justo. Viu nela responsabilidade e ofereceu algumas horas extras. O dinheiro não era muito, mas pra Bianca era a diferença entre continuar dependendo da mãe ou começar a sonhar com um cantinho só dela.
Ela começou a guardar cada centavo. Fez planilhas, anotou tudo num caderno velho. Até recusou sair algumas vezes com Tainá.
— Só por agora — dizia. — Depois que eu tiver minha liberdade, eu volto a dançar por aí.
Mas o coração... ah, o coração. Esse ainda estava fechado. Bianca ria com os amigos, trocava mensagens aqui e ali, mas não se deixava envolver. Tinha medo de cair de novo.
Tinha prometido pra si mesma que só deixaria alguém entrar quando tivesse certeza de que não seria só mais uma.
Até que, num desses dias de rotina agitada, ele apareceu.
Foi por acaso.
A escola organizou uma palestra sobre cidadania e direitos da juventude. O convidado era um advogado conhecido na cidade — Ricardo Braga. Alto, bem-apessoado, barba bem feita, olhos firmes e voz tranquila. Tinha 45 anos, mas não aparentava. O corpo atlético, o sorriso discreto... ele transmitia algo que Bianca não via fazia tempo: segurança.
Ela ficou quieta durante a palestra, só observando. Mas anotou tudo. As palavras dele, as histórias de casos reais, a forma como explicava leis difíceis com simplicidade. No final, se aproximou pra agradecer.
— Gostei muito da sua fala, doutor. Tô pensando em fazer Direito também.
Ricardo sorriu, educado.
— Que bom ouvir isso. O país precisa de mentes novas com coragem. Qual seu nome?
— Bianca.
— Guarde. Se decidir seguir mesmo por esse caminho, me procure. Quem sabe a gente não se esbarra por aí...
Naquela noite, ela sonhou com coisas boas. Não com ele exatamente, mas com uma nova versão de si mesma. Firme, dona das próprias escolhas, caminhando sem medo.
Ainda era cedo pra qualquer envolvimento. Mas, pela primeira vez em muito tempo, Bianca sentia que algo dentro dela tinha mudado.
Ela já não era mais a mesma garota que se calava diante da traição.
Já não era mais a menina que achava que amar alguém era aceitar tudo.
Agora, ela sabia o que queria.
Sabia que merecia mais.
E que, apesar de todos os tropeços, ainda acreditava no amor.
Mas, antes de tudo, acreditava em si.
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Atualizado até capítulo 34
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