As Primeiras Trincas
O amor, às vezes, não acaba de uma vez. Ele se esfarela devagar. E foi exatamente assim que o de Bianca começou a se romper.
Depois do episódio do batom, a desconfiança se instalou como uma sombra no quarto deles. Bianca não conseguia mais olhar para Guilherme da mesma forma. Os sorrisos pareciam forçados, os abraços vazios. E o silêncio entre os dois começou a gritar.
Guilherme tentava agir como se nada tivesse acontecido. Continuava saindo, voltando tarde, deixando o celular sempre virado para baixo. Às vezes, sumia por horas sem avisar. Quando Bianca perguntava, ele retrucava com uma frieza que doía:
— Você tá ficando neurótica, garota. Quer controlar minha vida agora?
Ela se encolhia. E, com o tempo, parou de perguntar.
As amigas da escola começaram a notar. Bianca já não sorria como antes. Estava mais magra, mais calada, mais distante. Uma delas, Tainá, chegou a confrontá-la:
— Amiga, tá tudo bem com você e o Guilherme?
Bianca hesitou. Depois fingiu um sorriso.
— Só correria. Escola, trabalho, casa... cê sabe, né?
Mas não era isso. A verdade era que ela já não se reconhecia. Estava se apagando aos poucos.
Foi numa segunda-feira qualquer que Bianca descobriu a traição. Ela tinha saído mais cedo da escola e resolveu fazer uma surpresa. Comprou um lanche que ele gostava e seguiu até o trabalho de Guilherme. Era uma pequena loja ou lanchonete onde ele trabalhava com o primo.
Chegando lá, ele não estava.
— Saiu faz uma meia hora — disse o primo, distraído.
Bianca resolveu esperar. Mas algo dentro dela mandou olhar o Instagram de uma menina chamada Flavinha — uma conhecida do bairro, amiga de Tainá. Ao abrir os stories, o coração dela parou por um segundo.
Guilherme.
Num carro.
Sorrindo ao lado de Flavinha.
A legenda era: “Com o mozão, porque eu mereço.”
Bianca sentiu o mundo girar.
Ela nem sabia como saiu dali. Só se deu conta quando estava sentada num banco da praça perto de casa, o lanche ainda na mão. As lágrimas caíam sozinhas, silenciosas, como se o corpo inteiro chorasse por ela.
Ela não chorava só por ele. Chorava por tudo que tinha deixado pra trás. Por ter acreditado. Por ter lutado. Por ter se doado por inteiro. E, no fim, ser apenas mais uma.
Naquela noite, ela não voltou pro apartamento. Dormiu na casa da mãe. Não contou o motivo, disse apenas que precisava de um tempo. A mãe, mesmo desconfiada, acolheu.
— Você sempre tem pra onde voltar, Bianca. Mesmo que eu não seja perfeita.
Era difícil reconhecer, mas ela precisava ouvir aquilo.
Dois dias depois, Guilherme apareceu na porta da casa da mãe de Bianca. Com cara de arrependido.
— Foi um erro, Bianca. Juro por tudo. Foi uma carência, uma burrice. Eu te amo. Não quero te perder.
Bianca ouviu tudo em silêncio. Não disse nem sim, nem não.
Naquela noite, ela ficou acordada até tarde, encarando o teto. Uma parte dela ainda queria acreditar. Ainda amava. Ainda lembrava dos bilhetes no espelho, dos dias bons.
Mas a outra parte... estava cansada.
Cansada de ser diminuída, de ser duvidada, de se sentir sozinha mesmo acompanhada.
Os dias foram passando. Guilherme tentava reverter tudo com mensagens, flores, promessas. Bianca oscilava entre a raiva e a saudade.
Até que um dia, mexendo no antigo notebook dele, achou mensagens antigas. Várias. Não só com Flavinha. Com outras também. Algumas até durante o período em que ela achava que estavam bem.
Foi o ponto final.
Ela olhou para si mesma no espelho. O rosto ainda jovem, mas já marcado pela dor de quem amou demais.
— Chega.
Bianca voltou pro apartamento só pra pegar suas coisas. Guilherme tentou impedir, implorou. Chorou.
— Você é tudo que eu tenho, Bia!
— E você... me quebrou em pedaços — ela respondeu.
Voltou pra casa da mãe, mas já com um plano: ia arrumar outro canto, trabalhar mais, e terminar o ensino médio com nota alta. Sonhava em cursar Direito. Queria lutar por justiça — não só a dos outros, mas a dela também.
E, acima de tudo, queria se reencontrar.
Porque, pela primeira vez, ela entendia: não era o mundo de ninguém.
Era o mundo inteiro por si mesma.
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Atualizado até capítulo 34
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