Ele Me Chamava de Meu Mundo
Bianca se lembrava do primeiro "eu te amo" como se tivesse sido ontem. Guilherme não disse durante um beijo, nem num momento de impulso. Foi numa tarde de chuva, enquanto ela secava os cabelos no sofá e ele preparava um macarrão simples com molho pronto. Ela tinha 16, ele 24.
— Você é meu mundo, sabia? — ele disse, sem nem olhar pra ela, concentrado na panela. — O único canto onde tudo parece certo.
A frase grudou na pele dela. "Meu mundo." Bianca não tinha costume de ser o centro de nada. Vinha de uma casa onde as brigas falavam mais alto do que os elogios. O pai ausente. A mãe amarga, cansada. Era fácil se perder ali, fácil esquecer que existia pra além das obrigações e dos gritos. Mas com Guilherme, era diferente. Ele a via.
Quando completou 16 anos, Bianca saiu de casa. Oficialmente, foi porque queria mais independência. Na verdade, queria paz. Guilherme sugeriu que ela morasse com ele. Disse que pagaria as contas, que ela só precisava continuar estudando, terminar o ensino médio e pensar na faculdade.
— Você nasceu pra ser grande, Bia. E eu vou te ajudar a chegar lá — ele dizia.
Nos primeiros meses, era como viver dentro de um conto de fadas de concreto e sabão em pó. Ele fazia café antes dela acordar. Deixava bilhetes com frases bobas no espelho do banheiro. Às vezes aparecia na porta da escola com chocolate ou uma flor roubada de algum jardim. E nas madrugadas em que ela chorava, sentindo saudade da mãe ou confusa com o futuro, ele segurava sua mão e dizia:
— Eu tô aqui. Você nunca mais vai precisar passar por nada sozinha.
Bianca acreditava. Como não acreditar?
Ela se esforçava pra manter tudo funcionando. Arrumava a casa, estudava como nunca tinha estudado antes, e aos poucos começou a trabalhar como recepcionista numa academia próxima. Guilherme dizia que se orgulhava dela.
— Uma mulher de verdade, batalhadora. Não como essas patricinhas que vivem no celular — ele comentava às vezes.
Bianca achava engraçado o ciúmes dele. No começo, soava como cuidado. Ele não gostava que ela usasse roupas muito justas, nem saísse sozinha. Mas sempre dizia:
— É só porque você é linda demais. E eu tenho medo de te perder.
Ela achava bonito. Soava como amor.
Até começar a parecer uma cerca invisível.
O apartamento deles era pequeno, mas Bianca o deixou com cara de lar. Colocou cortinas claras, fotos deles na parede, um tapete que ela mesma escolheu. Tinha a sensação de que estavam construindo algo, mesmo que tudo fosse simples.
Guilherme começou a chegar mais cansado do trabalho. Às vezes dormia no sofá. Outras, nem dava notícia. Quando Bianca perguntava, ele respondia:
— Tô virando um cavalo de tanto trabalhar por nós dois. E você me cobra?
Ela se sentia culpada. Começou a tentar compensar com mais carinho, mais dedicação. Fazia comida, deixava bilhetes, cuidava pra não incomodar. Às vezes até deixava de sair com colegas da escola pra não dar motivo de desconfiança.
Mas aos poucos, Guilherme foi mudando. Menos sorrisos, menos paciência. Começava a implicar com o jeito que ela se maquiava, com as mensagens que recebia no celular. Dizia que os colegas da escola só queriam se aproveitar dela, que as amizades femininas eram cheias de inveja.
Bianca começou a duvidar de todo mundo. Menos dele.
Uma noite, ele chegou em casa com cheiro de perfume doce. Disse que era da recepcionista do lugar onde ele foi resolver um pagamento. Bianca fingiu que acreditou. Mas no fundo, algo se quebrou ali.
Pela primeira vez, ela sentiu medo.
Medo de perder ele.
Medo de estar sendo enganada.
Medo de estar sendo boba.
Mas ainda assim, ela se lembrava dos dias bons. Da promessa que ele fez de ajudá-la a ser alguém. Do jeito que ele a chamava de "meu mundo". E então, ela se agarrava a isso como quem se segura numa corda fina, prestes a arrebentar.
Em uma tarde de sábado, enquanto dobrava roupas, Bianca encontrou um batom vermelho no bolso da calça jeans de Guilherme. Ela não usava aquela cor. Nunca tinha usado.
Foi como levar um soco no estômago.
Ela colocou o batom em cima da mesa e esperou.
Quando ele chegou, tarde como sempre, ela apenas apontou com o olhar.
Ele riu.
— Isso? Deve ser de alguma cliente
Ela não respondeu.
— Tá achando que eu tô te traindo, Bianca?
— Não tô achando. Eu tô sentindo.
Ele ficou sério. Depois, suspirou e disse:
— Você anda muito sensível. Acho que essa convivência toda tá te fazendo mal.
Naquela noite, dormiram cada um virado pro lado.
E Bianca teve, pela primeira vez, a sensação de que talvez não fosse mais o "mundo" de ninguém.
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Atualizado até capítulo 34
Comments
Lari_0817
mano 😕
2025-05-26
1