A CORTE DOS OLHARES FRIOS

O castelo de Vallaris era feito de pedra escura, salões imensos e silêncio cortante. Para quem vinha de Lysaria — com seus vitrais coloridos e jardins perfumados —, aquela fortaleza parecia uma prisão de gelo. Anastácia caminhava pelos corredores longos como túmulos, observada por olhos que não a queriam ali.

As damas da corte a seguiam com sorrisos tensos, analisando cada movimento seu como se esperassem que ela errasse. Ela era uma ômega, afinal. Estrangeira. Um risco disfarçado de aliança.

— Princesa Anastácia — chamou uma voz feminina, doce demais para ser sincera.

Ela se virou. Era Lady Cerys, uma alfa de cabelos trançados e olhos azuis como lâminas. Conselheira da rainha Edrys, e uma das figuras mais influentes da corte.

— Seu vestido está encantador — continuou Cerys. — Lysaria sempre teve bom gosto para esconder fragilidades com beleza.

Anastácia sorriu com polidez, mas por dentro o veneno queimava.

— E Vallaris sempre soube envolver ameaças em elogios. Um talento raro.

Houve um breve silêncio. Cerys arqueou as sobrancelhas, surpresa com a resposta — mas satisfeita. A corte inteira queria ver a princesa ômega ceder, quebrar, chorar. Mas Anastácia se recusava a dar esse prazer.

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Chloe observava tudo do alto da varanda, como um general vigiando uma batalha. Anastácia se comportava como uma nobre, mas andava como quem se recusava a ser domada. Havia algo de irritantemente fascinante na forma como ela respondia aos ataques velados com ironia sutil. Chloe odiava aquilo. Ou talvez odiasse o quanto gostava daquilo.

— Vai observá-la o dia inteiro, ou vai descer e agir como uma anfitriã? — perguntou a voz áspera da rainha Edrys atrás dela.

— Estou apenas analisando. — respondeu Chloe, sem se virar. — Não costumo agir por impulso.

— É uma alfa. Está na hora de agir por instinto. A marca precisa ser feita antes da lua crescente. O povo precisa ver união. Estabilidade.

Chloe apertou o parapeito com tanta força que seus dedos embranqueceram.

— Ela não é um troféu a ser exibido. Nem um animal a ser marcado em praça pública.

A rainha se aproximou, fria como sempre.

— Então trate de domá-la com palavras, se for o caso. Mas faça o que tem que ser feito.

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Mais tarde, Anastácia foi levada até os aposentos reservados para ela — uma torre isolada, com janelas altas demais para fugir e portas pesadas demais para serem forçadas. Disseram que era tradição. Ela sabia que era vigilância disfarçada de hospitalidade.

Enquanto a camareira arrumava suas coisas, Anastácia caminhou até a janela e encarou o horizonte. Podia ver a muralha de pedra que cercava Vallaris, o mesmo muro que cercava seu destino agora. Sem escolha. Sem voz.

— Você sabia? — perguntou, de repente, à camareira. — Que as ômegas aqui precisam pedir permissão para sair sozinhas?

A jovem hesitou antes de responder:

— Aqui... tudo é controlado, alteza. Até os sentimentos.

Anastácia fechou os olhos. Não posso deixar que me moldem.

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Naquela noite, houve um jantar na Sala dos Ecos. Um salão abobadado, com centenas de velas flutuando sob o teto encantado. Os nobres estavam vestidos com seus trajes de gala, e o trono de Chloe estava no centro do estrado elevado.

Quando Anastácia entrou, os olhares recaíram sobre ela como lâminas. Havia escárnio, desejo e medo em partes iguais. Chloe também a observava, mas de maneira diferente — quase protetora, apesar de silenciosa.

Durante o banquete, palavras cortavam mais do que espadas.

— Como é ser prometida a uma guerreira, princesa Anastácia? — perguntou um conde bêbado. — Espero que não tema... ser marcada com muita força.

O salão riu. Chloe se levantou, e o silêncio caiu como uma nevasca.

— Próxima piada infeliz e será marcada... com minha lâmina.

O conde engoliu seco.

Anastácia a encarou. Por um instante, esqueceu que a odiava. Só por um instante.

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Naquela noite, ao deitar-se, sentiu o calor do cio rondando os cantos do corpo. Não era forte ainda. Mas viria. E quando viesse, todos esperariam que ela se rendesse.

Mas Anastácia prometeu a si mesma:

“Se eu for marcada, será pelo meu desejo — não pelo deles.”

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