As primeiras ondas de Incerteza

Ela sentia falta das longas conversas sob a árvore onde costumavam sonhar juntos, quando o tempo parecia desacelerar só para ouvi-los. Agora, as palavras entre eles pareciam frágeis, como folhas secas carregadas pelo vento. Luana respondia às cartas com cuidado, tentando preservar o que restava da ligação entre eles, mas aos poucos começou a perceber que escrevia mais para si mesma do que para ele.

Certa tarde, enquanto caminhava sozinha até o campo onde costumavam se deitar e olhar o céu, ela sentou-se na relva alta e abriu seu caderno de desenhos. O sol filtrava-se pelas nuvens, lançando sombras suaves sobre o papel. Seus dedos traçaram linhas incertas no início, mas logo se deixaram guiar pela dor que havia tentado ignorar. A imagem que tomou forma foi a de duas árvores lado a lado, seus troncos entrelaçados na base, mas com copas inclinadas em direções opostas, como se procurassem céus diferentes. Ela olhou o desenho por um longo tempo, sem palavras. Era a primeira vez que admitia — mesmo que apenas em traços — a possibilidade de que ela e Davi estivessem começando a querer coisas diferentes da vida.

Ainda assim, havia noites em que ela deitava a cabeça no travesseiro e se obrigava a acreditar que era apenas uma fase, que ele precisava de tempo para se adaptar à nova rotina e logo tudo voltaria ao normal. Mas esses momentos de esperança eram cada vez mais curtos, substituídos por uma lucidez melancólica que não conseguia mais evitar.

Foi durante uma ligação interrompida por um suposto “compromisso urgente” que ela percebeu o silêncio mais pesado de todos: o que existe quando o outro já não tem mais tempo nem paciência para escutar. A chamada caiu sem despedida, e Luana ficou olhando para o celular em sua mão, o peito apertado por um sentimento que beirava a vergonha — não por algo que tivesse feito, mas por tudo o que tinha permitido sentir sozinha.

Na manhã seguinte, ao acordar, algo estava diferente. Não havia mais angústia, nem esperança, apenas uma estranha e serena aceitação. Ela se levantou, colocou o avental manchado de tinta e começou a preparar uma nova tela. Misturou cores frias com tons vibrantes, criou contrastes intensos, ousou traços que antes não teria imaginado. Era como se estivesse pintando o luto de um sonho, mas também o nascimento de uma nova versão de si mesma.

Aos poucos, o vazio deixado por Davi foi sendo preenchido por ela própria — por sua arte, por sua vontade de construir algo que não dependesse da permanência de ninguém. O campo, que antes parecia cenário de lembranças com ele, tornou-se seu refúgio pessoal, um lugar onde podia respirar e simplesmente existir.

Luana ainda pensava em Davi, claro. Havia dias em que seu nome surgia como um sussurro entre as flores, mas já não causava dor, apenas uma saudade branda, quase doce. O tempo estava ensinando que amar alguém não era o mesmo que permanecer com ele — e que às vezes, o maior ato de amor próprio era escolher seguir em frente, mesmo quando o coração queria ficar.

E assim, com os olhos voltados para o horizonte e o pincel firme na mão, Luana começou a escrever, com tinta e alma, o terceiro capítulo da sua história — um capítulo que, dessa vez, seria inteiramente o seu.

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