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O terceiro encontro aconteceu à noite.

Ela saía do banho quando ouviu um barulho vindo do estábulo. Pegou uma lanterna, vestiu o casaco e foi até lá. O frio era cortante, e a escuridão se estendia como um véu espesso.

No meio do breu, uma figura surgiu, encostada em um dos cavalos. Alto, musculoso, pele bronzeada. Tatuagens subiam pelo pescoço e sumiam sob a camisa preta justa.

— Você não deveria andar sozinha por aqui, moça da cidade — disse ele com um sotaque misto de fronteira.

— Você quem é? — ela perguntou, firme.

Ele não respondeu. Deu dois passos à frente e a luz da lanterna revelou seus olhos escuros, intensos como tempestade.

— Sou o que seu pai tentou esconder. O sócio indesejado. O bastardo da fronteira.

Isadora prendeu a respiração.

— Ian. É assim que me chamam. — Ele sorriu, mostrando um dente de ouro. — Mas você pode me chamar do que quiser... desde que seja de novo.

Ela deveria ter virado as costas, chamado alguém, gritado. Mas ficou ali, encarando aquele estranho que exalava perigo e desejo. Algo nela estremecia — e não era só o frio.

Naquela noite, deitada na antiga cama de madeira que rangia ao menor movimento, Isadora encarava o teto escuro. Seu corpo ainda sentia os olhares deles, os três. Vicente, Leandro e Ian. Tão diferentes, tão intensos. Tão... certos de si.

E ela? Ela era apenas uma mulher tentando sobreviver em meio ao caos familiar, aos julgamentos de uma cidade pequena e ao desejo crescente por três homens que jamais deveriam estar no mesmo terreno, muito menos no mesmo coração.

Mas ali, entre cercas e silêncios, a ordem natural das coisas estava prestes a ser rompida.

E Isadora estava disposta a queimar no fogo, se fosse preciso.

Sementes do Escândalo

O sol mal havia subido quando Isadora desceu para a cozinha da casa principal. O cheiro do café fresco misturava-se ao de pão de milho e fumaça da lenha que queimava no fogão antigo. A avó ainda dormia, e a casa parecia respirar sozinha, como um organismo antigo, acostumado com o silêncio.

Isadora vestia um vestido simples de algodão com botões até o colo. Os cabelos, soltos, caíam pelas costas com naturalidade, e os pés descalços deslizavam pelo piso frio como se pertencessem àquela casa desde sempre.

Mas ela sabia que não pertencia mais.

Assim que saiu para o pátio, viu Vicente encostado no curral, cigarro entre os dedos e olhar cravado no horizonte. O vento brincava com a barra de sua camisa aberta e revelava os músculos marcados pelo trabalho no campo.

— Está sempre de pé antes das galinhas? — ela perguntou, tentando soar leve.

Ele deu uma tragada longa antes de responder.

— Alguém precisa cuidar do que teu pai largou pra trás.

A frase caiu como uma bofetada.

Isadora sentiu o estômago revirar, mas não respondeu. Sabia que Vicente nunca engolira o que o pai dela fez — as dívidas, os sócios obscuros, a prisão. Mas a culpa não era dela. E ele sabia disso.

— Estou aqui agora — ela murmurou. — Posso ajudar.

Ele se virou para encará-la. Seus olhos castanhos escuros a percorreram de cima a baixo, lentamente, como se pesassem cada curva, cada detalhe, cada suspiro.

— Cuidar de uma fazenda não é como cuidar de um apartamento na capital — ele provocou. — Aqui se suja as mãos... e a alma.

— Já vi minha alma mais suja do que você imagina — ela respondeu, firme.

Houve um silêncio tenso entre eles, cortado apenas pelo mugido de uma vaca ao longe. Vicente apagou o cigarro no calcanhar da bota e saiu andando sem dizer mais nada.

Na estufa, Leandro explicava para os funcionários sobre novas técnicas de irrigação. Seu jeito calmo e articulado contrastava com a rigidez dos outros homens. Ele falava como quem sabia o que dizia — e isso irritava profundamente os mais antigos.

Isadora chegou no meio da explicação. Ele sorriu ao vê-la.

— Veio aprender sobre gotejamento? — perguntou com bom humor.

— Vim ver o que está fazendo com o que sobrou da nossa lavoura — respondeu ela, seca.

Leandro nem se abalou. Continuou mostrando dados, plantas e mapas, até que ficaram sozinhos.

— Você tem medo de mim, Isadora?

— Medo? — ela arqueou uma sobrancelha.

— Sim. Você chega sempre com as garras afiadas, como se precisasse se proteger o tempo todo. Não sou seu inimigo.

Ela cruzou os braços, sentindo o peito apertar. O jeito com que ele a olhava... como se lesse através dela.

— Não estou aqui para fazer amigos — respondeu.

— Nem amantes?

A pergunta ficou suspensa no ar como uma bomba prestes a explodir. Isadora virou-se sem responder, mas sentiu o sangue pulsando nas têmporas.

Ele estava testando limites. E ela... estava gostando.

Na cidade, os olhares não foram diferentes do que esperava.

Ela foi à farmácia comprar remédios para a avó e, ao entrar, o sino na porta anunciou sua chegada como um grito. As conversas cessaram. Três mulheres próximas ao balcão a observaram com olhos estreitos, sussurrando entre si.

— Aquela é a filha do corrupto? — disse uma.

— Dizem que se envolveu com um professor casado lá na capital... — comentou outra.

— Imagina o que vai aprontar por aqui agora... — completou a terceira.

Isadora manteve a cabeça erguida, mas por dentro seu estômago se revirava.

Na saída, encontrou Ian encostado numa moto preta, chupando um picolé de uva com desprezo evidente no olhar.

— Bem-vinda de volta ao paraíso — ele ironizou.

— Isso aqui está mais para inferno — ela murmurou, irritada.

Ele riu, se aproximando com passos lentos, predadores.

— Infernos costumam ser mais divertidos.

Ficaram a poucos centímetros um do outro. O calor que emanava de Ian era diferente — sexual, crasso, bruto. Ele era caos. E ela sabia que se encostasse nele... queimaria.

Mas, por alguma razão, ela não se afastou.

— Me disseram que você tem sangue sujo — ela provocou.

— Todo sangue fica sujo depois de tocar o seu — ele sussurrou, os olhos cravados nos lábios dela.

Ela engoliu seco.

— Você me deseja?

Ele sorriu de lado.

— Não. Desejo destruir você... devagar.

À noite, Isadora não conseguia dormir. O quarto parecia apertado demais. Cada sombra parecia sussurrar seu nome. E seu corpo... seu corpo estava em brasa.

Levantou, saiu em silêncio, e foi até o lago atrás da casa. A água refletia a lua cheia e o silêncio da madrugada fazia tudo parecer mais intenso. Tirou o vestido, peça por peça, ficando apenas com a calcinha rendada. Entrou na água gelada com um arrepio que não vinha só da temperatura.

A poucos metros dali, entre as árvores, três pares de olhos a observavam — cada um por acaso, ou por instinto.

Vicente a viu primeiro, e mordeu o lábio ao vê-la mergulhar.

Leandro, de um ponto mais alto, observava em silêncio, com um desejo velado no rosto.

Ian, deitado na relva, sorria como um predador prestes a atacar.

E Isadora, no centro de tudo, flutuava na água escura como uma oferenda aos deuses errados.

Sabia que estava sendo observada. Sabia o que causava neles.

E pela primeira vez na vida... gostava da sensação de ser o fogo.

De ser a maldição.

De ser, finalmente, dona de si.

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Comments

Cris França

Cris França

eita... que os jogos comecem!

2025-05-24

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