Homero ainda encarava a porta que Iris acabara de atravessar. Seus ombros estavam tensos, como se tivessem absorvido o peso daquela frase enigmática.
Antônio se arrastava até o banco mais próximo, massageando o ombro com um riso abafado.
— Você é corajoso, respeito isso — disse ele, olhando para Homero com certa compaixão. — Ou muito burro. Aí depende do ângulo.
Homero soltou um suspiro e se sentou ao lado dele.
— Ela é sempre assim?
— Sempre? — Antônio riu de novo. — Moleque, isso aí foi ela de bom humor. Ela só não te deu um soco porque teve pena da sua cara de cachorro perdido.-- Debochou Antônio.
— Eu só quis entender, sei lá... o que tem por trás de tanta raiva. Ninguém nasce assim.
— Aí que você se engana. Às vezes, nasce sim. Mas no caso da Iris... — ele fez uma pausa, olhando para os próprios tênis como se escolhesse as palavras. — Digamos que o mundo ajudou bastante.
Homero esperou em silêncio.
Antônio deu de ombros.
— O que eu sei é que ela não fala do passado. Nem a gente, que vive grudado nela há anos, sabe tudo. Só dá pra montar umas peças soltas. E, meu amigo, o quebra-cabeça não é bonito.
— Alguma coisa com o ex? — Homero arriscou, cauteloso.
Antônio soltou uma risada curta, sem humor.
— Ex? Plural, talvez. Mas o que ferrou com ela de verdade foi um. Noivo, se é que dá pra chamar assim. E antes disso? Pais a Abandonaram, promessas foram quebradas. Paredes desabando. Amor? Isso aí é palavrão no vocabulário dela.
Homero passou a mão nos cabelos, pensativo.
— Eu não queria... invadir nada. Só achei que...
— Que podia salvá-la? — Antônio o cortou com um sorriso torto. — Escuta aqui, super-homem: Iris não quer ser salva. Ela quer sobreviver. Quer manter o controle de tudo, até da dor. E você, se for esperto, não vai tentar abrir portas que ela trancou com sangue e ódio.
— E se eu quiser entender?
— Então faz isso de longe. Trabalhe com ela. Não contra. Seja útil, discreto. Não banca o terapeuta — Antônio se levantou devagar. — A não ser, claro, que você esteja com vocação pra exorcista. Porque a Iris? Ela não tem fantasmas. Ela tem demônios.
Fiquei ali, encarando o vazio da sala, como se tentasse decidir se aceitava o desafio… ou se corria antes que fosse tarde demais, Iris que tinha ido pegar sua água, voltou mais focada do que antes.
O ambiente estava mais silencioso do que de costume. A sala de treinamento da Antcorporation era ampla, metálica, e cheirava a suor e frustração. Iris estava no canto, ajustando as ataduras nas mãos. O olhar fixo no saco de pancadas como se ele tivesse insultado sua existência.
Entrei no tatame, usando uma camiseta preta simples e calças de combate. Hesitei por um segundo ao vê-la ali — não por medo, mas por puro instinto de autopreservação. Antônio, sentado em cima de um armário, comia uma maçã com total descompromisso.
— Eu te desafio Iris!— Não sei o que deu na minha cabeça.
-- Maravilha, Antônio prepara o salompax e gelo! -- respondeu ela, seca, girando para encará-lo.
Antônio gargalhou do alto.
— Ela está de ótimo humor, hoje.
Homero levantou as mãos em rendição.
— Só vim treinar. Achei que era isso que estávamos fazendo.
— Treinar, sim — disse ela, caminhando até o ringue. — Fazer turismo na minha paciência, não.
Ela subiu no tatame com a leveza de quem sabia que dominava o lugar. Homero hesitou. Antônio desceu do armário e jogou a maçã no lixo.
— Vai lá, novato. Só tenta sair inteiro. — Disse ele, apoiado nas cordas. — Ela está pegando leve. Eu acho.
**
Os dois se enfrentaram por alguns rounds. Homero era bom — mais técnico do que bruto, o que a irritava ainda mais. Ele parecia analisar seus movimentos, como se estivesse estudando-a, o que era ainda pior.
No quarto round, ela o acertou com uma rasteira seca e o derrubou. Ele caiu de costas, com um “uhf” abafado.
— Regra número um: não me subestime. Regra dois: não me analise. E três: não me irrite mais do que o necessário.
Homero tossiu, tentando recuperar o ar.
— Tá bom... anotado...
Antônio entrou no ringue e puxou Homero de volta para a posição sentada.
— Você sobreviveu mais do que eu esperava — disse ele, jogando uma garrafa d'água para o novo parceiro. — Mas vou te dar um conselho, Homero... quer trabalhar com a Iris? Fique na sua. Ela tem o próprio ritmo, o próprio inferno, e a última coisa que ela quer é alguém tentando apagar o fogo dela com conversa mole.
Homero limpou o suor da testa.
— Eu não sou um herói. Nem um terapeuta. Mas a gente vai ter que trabalhar juntos.
Antônio suspirou, como quem já viu isso antes.
— Então ache uma maneira de sobreviver ao calor, exorcista. Ou os demônios dela vão queimar você junto.
Iris já estava no canto, pegando a mochila e saindo sem se despedir.
**
(Breve flashback)
Iris revisava o mapa digital em uma base temporária no sul da cidade. Missão simples, cobertura e interceptação. Pelo menos era o que o relatório dizia.
— Cadê o Homero? — perguntou, impaciente.
— Foi interceptado em rota — disse o técnico de comunicações. — Foi atacado por um grupo externo, ele está bem, está a caminho...
Mas já era tarde. Iris já saía porta afora, armada, furiosa, indo buscar Homero
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Atualizado até capítulo 82
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