Agora, frente a frente novamente, nenhum dos dois ousava tocar no assunto do beijo que havia acontecido no dia anterior. Andréa aguardava, desconfiada, que Dante estivesse tramando alguma provocação — afinal, por alguns segundos, ela havia cedido. Mas ele permaneceu calado, os olhos fixos no chão, parecendo... envergonhado. A verdade é que aquele beijo surtira um efeito nele que jamais imaginara.
Dante Navarro — um psicopata narcisista e sádico, incapaz de sentir emoções — agora, pela primeira vez, sentia-se excitado e estasiado... e não havia sequer sangue envolvido. Isso era raro. E intolerável. O homem que se orgulhava de ser inabalável, agora se recusava a admitir: aquela mulher, de alguma forma, o havia vencido.
— Vamos falar sobre… — Andréa respirou fundo, puxando da bolsa um saco plástico transparente. Dentro, uma máscara grotesca, dessas vendidas em lojas de fantasias: o rosto cinzento, marcado por cortes espalhados, sem boca, apenas olhos vazios e ameaçadores. — O rosto que você usava para matar as vítimas…
Dante arqueou as sobrancelhas grossas, indignado. Esperava uma menção ao que acontecera ontem, mas Andréa parecia disposta a ignorar.
— Ok… — resmungou, cruzando os braços, ainda tenso. — Vamos falar sobre a máscara.
— Você a colocava quando sequestrava as vítimas? Ou apenas na hora de… matar?
— Eu não sequestrei ninguém. — cortou, seco, a voz afiada como uma lâmina. — Só ofereci uma carona, doutora…
— E todas as cinco aceitaram?
Ele sorriu de canto, um sorriso que misturava desprezo e vaidade.
— Nunca fui santo… Imagine-se sozinha, andando para casa, um homem bonito e bem vestido se oferece para ajudar com as compras… Não aceitaria?
— Provavelmente desconfiaria da sua bondade…
— Então você é diferente. — retrucou, torcendo os lábios. — Elas não desconfiaram.
— Certo… — Andréa inclinou a cabeça, analisando-o. — Atraía as vítimas com sua aparência e o carro discreto… um Voyage cinza… faz sentido.
— Se eu estivesse usando essa máscara horrenda, nenhuma delas teria entrado no carro. — O tom dele agora era irritado, quase ofendido. — Teria que agir à noite, persegui-las, levá-las à força… muito mais trabalhoso… chamaria atenção demais. Isso não é um filme clichê de terror, doutora… e eu não sou um amador.
Ele passou as mãos repetidas vezes pelo rosto, como se quisesse esfregar dela qualquer desconfiança sobre sua inteligência.
— Então, se não usava a máscara pra isso… qual o fim dela? — Andréa estreitou os olhos. — Achamos ela ensanguentada no seu apartamento.
Dante sorriu, desta vez com ironia.
— Doutora… todos usamos máscaras figurativas. Até você. E qual o objetivo delas?
— Ser ou parecer alguém que não se é…
— Parabéns! — ele exclamou com sarcasmo. — Exatamente. No jornal me chamavam de “O Decepador de Nova York”. Falavam sobre meus feitos cruéis, me associavam a desaparecimentos com os quais eu nem me envolvi… As pessoas me temiam…
— Essa é a diferença entre Dante e o Decepador… — Andréa avançou, fria. — Você queria ser temido, queria fama… Como Dante Navarro, um pintor de galeria, nunca teria isso. Seus quadros eram respeitados… mas você, não.
Dante fingiu desinteresse, mas os olhos brilharam, tensos.
— Sabe minha opinião médica?
— Nem imagino… — murmurou ele, quase debochado.
— O padrão das suas vítimas te faz retornar às suas irmãs… e à sua mãe. Porque não podia controlá-las. Suas vítimas tinham boa reputação, eram mulheres com famílias, estudadas… tinham a inocência que suas irmãs nunca tiveram. Por isso, você as matava e guardava as cabeças: queria que permanecessem puras… e fossem, para sempre, suas. E a máscara… bom… com ela, você se tornava forte, violento, voraz… o tipo de homem que sua mãe nunca associaria a você.
Dante silenciou. Fitou o próprio reflexo na superfície metálica da mesa, mergulhado numa lembrança longínqua.
— Nossa… — sussurrou. — A vitória é sua… acertou cada detalhe.
Soou sincero… mas não satisfeito.
— Minha vez… — Ele sorriu, cruel. — Você tem uma tatuagem na clavícula… É antiga, já está desbotada… o nome: Michael. Quem ele foi? Seu namorado? Melhor amigo? Te chamava de amor? De querida? Ou abreviava seu nome, te chamando de Déia?
Andréa engoliu seco. O golpe certeiro.
— Meu irmão… — respondeu, a voz mais baixa.
Dante percebeu: havia encontrado uma ferida… ainda aberta.
Seis anos atrás…
— Déia! — O garoto magro correu ao seu encontro, abraçando-a com força. Tinha dez anos, mas já era alto para a idade. Da janela branca, à frente da casa, a mãe os observava com desaprovação.
— Achei que nunca voltaria… — Eliana, a mãe, disse assim que Andréa entrou. Estava brava. Desde que a filha entrara para a faculdade de Medicina, dormia no dormitório — fugira de casa… e do pai, que, na verdade, não a procurava mais desde que ela completara quinze anos, quando seu corpo deixara de ser o de uma criança. Ainda assim, aquela casa a enchia de repulsa e medo.
Passaria apenas alguns dias ali. A faculdade fechara para o feriado de Ação de Graças e, sem ter para onde ir — já que a família bancava seus estudos —, Andréa retornou com um único objetivo: ir embora o mais rápido possível.
— Vou pro meu quarto… — disse, pegando as malas.
— Eu te ajudo, Déia! — O pré-adolescente sorriu, pegando uma mochila leve e subindo atrás dela.
— Não vai esperar o seu pai? — perguntou a mãe, fria.
Andréa ignorou, trancando-se no quarto. Só saiu no dia seguinte, quando viu, pela janela, o pai indo trabalhar. Abriu a porta, escovou os dentes, lavou o rosto… então percebeu: Michael ainda não havia acordado. Já era quase hora do almoço. Estranho…
Bateu na porta dele.
— Michael! — chamou, dando leves pancadas. — Hora de acordar, irmãozinho!
Silêncio.
Grudou o ouvido na madeira… nenhum som, nenhum videogame, nenhuma música. Tentou girar a maçaneta… trancada.
— Michael… abre logo essa porta…
O pânico começou a se infiltrar. Os pés descalços correram até o quarto dos pais, revirando a gaveta onde o pai guardava cópias das chaves. Pegou o molho, voltou às pressas…
Na terceira tentativa, a fechadura fez um clique.
Abriu a porta.
O quarto… escuro.
Deu um passo…
E então viu.
A corda.
Presa ao ventilador…
Seguia, como uma linha grotesca, até o pescoço frágil de Michael.
O corpo… balançava lentamente… pendurado.
— Não… não… NÃO!
Correu, tentou erguer o corpo já gelado… gritou, berrou pedindo ajuda para a mãe… mas era inútil.
Os pés descalços de Andréa escorregaram no chão frio… e ali, ajoelhada, abraçada ao cadáver, soube:
Tarde demais.
O irmão… nunca mais responderia.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
jane
o monstro do pai dela tbm abusava do irmão dela?
2025-05-31
2
Duane
Sua história me deixou viciada! Demora mais não, autora!
2025-05-22
1