Depois daquele pedido inusitado — obsceno, na verdade — Andréa encerrou o interrogatório imediatamente. O tribunal havia sido claro: fazer tudo ao seu alcance para localizar as cabeças das vítimas e devolvê-las às famílias. Mas aquele desejo... aquele pedido de Dante... estava muito além dos limites do aceitável. Ela jamais permitiria aquilo.
De volta à sua casa, tentou dormir. Colocou a filha na cama, ajeitou os lençóis, beijou-lhe a testa e apagou a luz do quarto com um carinho automático. Mas, sozinha, diante do silêncio da madrugada, o sono não veio.
Pensou em Scott, seu falecido marido. Pensou na solidão, na pressão. Pensou... em Dante Navarro.
Decidida a se preparar melhor, levantou-se e mergulhou nos relatórios. Leu e releu tudo que os psiquiatras anteriores haviam registrado, estudou os boletins policiais, revisou os perfis das vítimas. Um padrão começava a surgir com nitidez perturbadora.
Dante era narcisista, obcecado por controle. A infância instável: criado por uma mãe prostituta, sem nunca ter conhecido o pai biológico. Cresceu entre muitas irmãs — sete, para ser exato. Era cercado por feminilidade e caos. E talvez... só talvez... aquelas garotas que matara representassem suas próprias irmãs. Jovens demais, à beira de seguir os mesmos passos da mãe. Talvez ele se culpasse por não tê-las salvado. Talvez sua mente distorcida tenha decidido punir nelas o que não pôde impedir em casa.
Com essas teorias ecoando na mente, Andréa adormeceu ali mesmo, sobre os relatórios. Mas o descanso não a impediu de voltar na manhã seguinte.
Entrou na sala de interrogatório. Dante já a esperava — alto, ruivo, com olheiras profundas e expressão faminta. Levantou o olhar devagar, como quem degusta um segredo.
— Bom dia, doutora — disse ele, passando a língua pelo lábio inferior. — Está linda como sempre.
Ela se sentou, ignorando a bajulação.
— Bom dia, senhor Navarro.
— Você é tão arrogante — franziu o cenho, irritado por seu charme ter sido ignorado. — Parece cansada. Algo te tirou o sono?
— O senhor está aqui para ser interrogado, não para inverter os papéis.
— Fui eu que tirei seu sono? — ele sorriu com malícia. — Ou foi sua filha?
Andréa congelou. Seu corpo ficou tenso de imediato. Ela nunca mencionara sua filha para ele — nem uma única vez.
— Minha vida pessoal não te diz respeito! — respondeu, mais alto do que gostaria.
— Mãe solteira, né? Sem aliança no dedo... relaxa, minha mãe também me criou sozinha — piscou, como num flerte repugnante. — E então? Pensou no meu pedido?
— O seu pedido foi tão nojento que não o considerei nem por um segundo.
Dante endureceu o maxilar. A rejeição o incomodava profundamente.
— Já que quer falar sobre vida pessoal, vamos falar então... da sua — ela disse, tirando um papel dobrado da bolsa. — Rosalina Navarro. Prostituta. Morreu cedo e deixou você e suas sete irmãs com idades muito próximas.
— E o que isso tem a ver?! — explodiu, batendo com força as mãos algemadas na mesa.
— As vítimas tinham exatamente a idade das suas irmãs na época em que vocês viviam juntos. Você teve uma infância marcada por promiscuidade, exposição à violência, ausência paterna... isso moldou quem você é. Não justifica seus crimes, mas ajuda a entender o monstro que você se tornou.
Dante cruzou os braços musculosos, os olhos semicerrados.
— Você é muito boa... parece até que consegue ler minha mente. — Fez uma pausa. — Seu pai era Edward Moura, não era? O psiquiatra famoso…
Andréa empalideceu ao ouvir aquele nome. E Dante viu.
— Eu li o livro dele uma vez. Em uma parte ele escreve: “O diabo não precisa te perseguir, se ele te convencer...”
— “...a ficar parado.” — ela completou, tentando recuperar o controle. — Mas não estamos aqui para falar de mim. Eu não sou sua paciente. E não sou seu brinquedo.
— Eu admiro essa sua postura inquebrável — disse, com um brilho perturbador nos olhos. — Mas... vou te dar uma pista. Uma pista real, se estiver disposta a escutar.
Andréa não respondeu. Apenas o encarou.
— Eles me colocam em cima, me colocam embaixo e me fazem girar. No lugar onde muitos se apaixonam… — disse ele, olhando para o próprio reflexo na mesa de metal. — Isso vai te ajudar.
Andréa levou apenas dois segundos para juntar as peças.
— Um parque de diversões...
Dante sorriu, surpreso.
— Que rápida... Isso mesmo. A Roda-Gigante do Diabo.
Ela ficou pálida de novo. Não era apenas uma pista. Era um pesadelo. Andréa conhecia aquele lugar. Conhecia bem demais.
Se quiser, posso continuar com o capítulo seguinte onde Andréa volta ao parque pela primeira vez desde o trauma. Quer que eu escreva essa cena também?
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Atualizado até capítulo 41
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