Capítulo 3 – A Marca

A floresta ao redor do castelo não era silenciosa.

Havia um sussurro constante entre as árvores — como se elas falassem entre si, ou rezassem em uma língua esquecida. O vento carregava sons que não pertenciam à natureza: estalos, respirações, rosnados contidos.

Eu estava parada no limite do pátio de pedra. A porta atrás de mim aberta, como Kael prometera. Mas meus pés não se moviam.

Foi quando o senti. Uma queimação atrás do ombro esquerdo, que se espalhou como fogo sob a pele. Caí de joelhos.

— A marca está se despertando — disse uma voz feminina, firme e grave.

Levantei os olhos.

Uma mulher me observava da beira da escadaria. Tinha a pele morena, cabelos trançados até a cintura e olhos tão escuros que refletiam o céu. Usava um vestido justo de couro escuro, com fivelas de prata, como uma guerreira saída de um pesadelo bonito.

— Quem é você? — perguntei, com a voz embargada.

Ela se aproximou, tirou uma pequena adaga curva do cinto e se agachou diante de mim.

— Meu nome é Thari. Sou a primeira caçadora de Kael. A escolhida antes de você.

Meu sangue gelou.

— Você era… a noiva dele?

Ela sorriu, mas não foi um sorriso feliz.

— Fui. Antes da Marca escolher você.

— Que marca? — pressionei, ofegante.

Thari puxou a manga do meu ombro esquerdo. A pele ali estava vermelha, em carne viva, com um símbolo estranho: um círculo atravessado por três garras, como uma lua rasgada.

— A Marca do Alfa. Ela queima quando você tenta fugir do seu destino.

Eu recuei.

— Isso é uma loucura!

Thari se ergueu, guardando a adaga.

— Talvez seja. Mas o mundo ao qual você pertence agora não se importa com o que você acha. Ele quer saber do que você é feita.

A dor latejava no meu braço. A marca parecia pulsar com cada batida do meu coração.

— Por que eu? — murmurei.

— Porque seu sangue é antigo. Porque o tempo está acabando. E porque Kael… nunca foi marcado por nenhuma antes de você.

A revelação me atingiu como um soco.

— Ele disse que eu fui prometida a ele. Que sou dele por direito de sangue.

— Ele mentiu — disse Thari, com os olhos cravados em mim. — Ou talvez… ele só não entenda ainda o que você realmente é.

Antes que eu pudesse perguntar mais, um uivo cortou o ar. Profundo. Selvagem.

Thari ficou tensa.

— Eles estão vindo. Os Uivantes. Lobos renegados, criaturas sem clã, guiadas apenas pela fome.

Ela puxou outra adaga.

— Corra, Ana Clara. Agora. Volte para o castelo.

— E você?

— Eu vou atrasá-los. Vai!

Corri.

A dor no ombro aumentava a cada passo, como se a marca estivesse viva. O portão do castelo se fechava lentamente, como uma respiração exalando o último suspiro.

Atrás de mim, gritos. Uivos.

E então, um rugido tão forte que fez os vidros do vitral do castelo tremerem.

Kael.

Quando atravessei o arco da entrada, braços fortes me agarraram. Eu gritei, mas logo reconheci o calor, o cheiro, a presença.

Era ele.

— Você tocou a floresta. — A voz dele era grave, mais animal do que nunca. — A marca queimou, não foi?

Assenti, sem ar.

Ele passou os dedos pelo meu ombro, e quando encostou na marca, a dor sumiu. Como mágica. Como se seu toque fosse a chave para silenciar aquilo.

— Ela está acordando em você — sussurrou. — A Fera. O Legado.

— Eu não quero isso, Kael! — berrei para ele, sentindo tudo o que sei perder o sentido.

— Você nunca teve escolha.

Kael me puxou contra o peito. Eu devia resistir. Mas a dor se foi. E por um instante… a segurança naquele abraço foi real.

Mesmo que o mundo ao nosso redor estivesse desmoronando.

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