chorar não é fraqueza

A porta bateu atrás de Elena com um estrondo abafado, engolido pela chuva forte que já tomava conta das ruas. O ar estava gelado, mas nada gelava mais do que o que ela sentia por dentro. Era um frio que não vinha de fora — vinha de dentro, de um lugar que ela achava que estava seguro. Cada passo que dava era como pisar em cacos invisíveis. Os sons da traição ainda ecoavam em sua mente — os gemidos abafados, o ritmo do colchão, a voz de Thomas misturada com outra, tão estranha e tão conhecida ao mesmo tempo.

Ela não chorou imediatamente, mesmo com o choro forçando tanto que sua garganta doía. Era como se houvesse um nó ali, impedindo qualquer coisa de escapar. Andou sem rumo por quase uma hora. Passou por ruas conhecidas que pareciam de repente hostis, por vitrines iluminadas que não faziam mais sentido, enquanto a sacola do brownie ainda permanecia em sua mão, deformada pela força dos dedos. O papel estava úmido, a borda rasgada. Era como ela se sentia: rasgada por dentro, deformada por fora.

Quando finalmente chegou ao seu apartamento, exausta, os dedos tremiam tanto que mal conseguiu abrir a porta. Teve que tentar três vezes até a chave girar. Quando entrou, jogou as chaves na bancada e caiu no sofá como se o próprio corpo tivesse desistido de sustentá-la. Nenhum pensamento fazia sentido. Nenhuma palavra era suficiente.

Foi ali que as lágrimas vieram. Caíam pesadas, silenciosas, como uma tempestade interna que não dava trégua. O rosto se enrugava de dor, o peito doía como se algo estivesse sendo esmagado ali dentro. Cada lágrima levava consigo um pedaço do futuro que ela havia imaginado.

Elena sempre achou que, se um dia alguém a traísse, ela gritaria, quebraria coisas, faria escândalo. Mas não. A dor era mais fina, mais profunda, como uma faca enfiada sem pressa. Era um corte silencioso onde ninguém via.

Ela olhou ao redor do próprio apartamento — o lugar que chamava de lar. As molduras nas paredes com frases motivacionais pareciam zombar dela. “Você é mais forte do que imagina”, dizia uma. Ela quase riu. Que ironia. A única coisa que sentia naquele momento era fraqueza.

Sobre a estante, uma foto dos dois — ela e Thomas — sorrindo em uma viagem para Campos do Jordão, dois invernos atrás. Lembrou-se de como ele havia planejado tudo, desde o passeio de teleférico até o fondue à luz de velas. Lembrou-se da forma como ele segurou sua mão naquela noite, jurando que ela era a única pessoa com quem ele conseguia imaginar o futuro. Como pôde ter sido tudo mentira?

O celular vibrou. Ela nem queria olhar, mas olhou.

"Elena, me atende."

"Eu posso explicar."

"Por favor, foi um erro."

O nome de Thomas piscava na tela como um fantasma. E, contra todo bom senso, ela atendeu. A raiva ainda não tinha tomado o lugar da tristeza. Ainda havia uma parte dela tentando entender o porquê. Queria, no fundo, que tudo tivesse sido um pesadelo.

— Foi um erro, Elena. Eu... eu não sei o que aconteceu — a voz dele veio baixa, culpada, mas ainda assim familiar.

Ela ficou em silêncio. Por segundos longos. O silêncio dele também era covarde.

— Você chegou de surpresa... eu...

— Ela não foi um acaso, Thomas — Elena interrompeu, a voz firme, mesmo com os olhos inchados. — Era a Vanessa, não era?

Do outro lado, silêncio. Um silêncio pesado como cimento fresco. Ela sabia. Tinha visto, mesmo de relance. O rosto anguloso, os olhos maquiados, os cabelos curtos. Vanessa Lima. A mesma mulher que, nos tempos de faculdade, vivia lembrando Elena — com sorrisos doces e palavras venenosas — de que ela “não era o tipo” para Thomas. Que dizia que Elena era esforçada demais para ser interessante, simples demais para alguém como ele.

— Você me traiu com alguém que sempre me odiou — ela continuou, cada palavra mais dura, mais firme. — E nem teve a decência de esconder bem feito.

— Foi só uma vez — ele disse, apressado. — Ela apareceu... falou coisas que me confundiram...

— Você se confundiu dentro dela? — Elena rebateu, seca.

Dessa vez, ele se calou por completo.

Ela apertou o celular com força. Parte de si queria continuar ouvindo, parte queria desligar e sumir do mundo.

— Eu amei você. De verdade. Planejei minha vida com você. Aguentei suas crises, suas mudanças de humor, suas ausências. Acreditei quando você disse que só precisava de tempo pra firmar a carreira. Eu te esperei. E você? Me deu isso. Uma cena digna de novela barata.

— Elena, por favor...

— Não me liga mais, Thomas. Você destruiu o que eu sentia. Mas não vai destruir quem eu sou.

Ela desligou. E chorou mais.

Chorou por tudo que construiu. Por cada café que preparou para ele nas manhãs preguiçosas. Pelos dias em que esperou ele sair do trabalho só para jantar juntos. Pelas noites em que imaginou o vestido de noiva, o nome dos filhos, a casa com varanda e rede. Chorou por ter acreditado em algo que, talvez, só existisse dentro dela.

O tempo passou lento. A luz do dia foi se apagando até que o céu virou uma mancha escura lá fora. Elena não tinha energia para levantar. O brownie ainda estava no chão, intocado, agora esmagado em parte. Um presente nunca entregue.

A campainha tocou no início da noite. Elena abriu com os olhos vermelhos, a blusa larga e o cabelo preso num coque torto. Era Lívia, sua melhor amiga desde o ensino médio. Cabelos ruivos, boca vermelha, salto alto — sempre parecendo saída de uma série da Netflix. Carregava uma sacola de compras e duas garrafas de vinho.

— Sabia que você ia precisar de mim hoje — Lívia disse, empurrando a porta sem pedir permissão.

— Como você soube...?

— Você sumiu. E Thomas postou uma foto com a “colega de trabalho” dele mês passado. Já tava tudo na cara. — Ela largou as sacolas na mesa. — Mas vamos lá, drama depois. Primeiro, vinho. Segundo, um plano.

Elena tentou rir. Saiu um som estranho, quase um soluço.

— Plano? — repetiu, quase sem voz.

— É seu aniversário em menos de 48 horas, e você foi traída por um canalha com uma cobra venenosa que nem salto sabe usar. Isso pede maquiagem, roupa justa e um bar caro.

— Lívia... eu só quero dormir. Esquecer.

— Nada disso. Você vai lembrar quem você é. Uma mulher fodona, linda, com um currículo melhor do que muita gente metida. Você não vai apagar vela com o rosto inchado, vai apagar rindo com um drink na mão — e talvez um homem gato dizendo que você é a melhor coisa que ele viu naquela noite.

Elena suspirou. Estava exausta. Mas, no fundo, precisava disso. Precisava de uma faísca. Precisava se lembrar de que ainda existia para além de Thomas.

Lívia abriu a garrafa, serviu as taças e puxou a amiga para o sofá.

— Você me promete uma coisa? — perguntou, séria.

— O quê?

— Que essa traição vai ser só o prólogo da sua virada. Que daqui uns meses, você vai olhar pra trás e rir disso. Ou, melhor ainda, escrever um livro.

Elena respirou fundo. O rosto ainda estava marcado, mas havia uma semente de força ali.

— Talvez eu prefira me vingar em silêncio.

— Melhor ainda. Mas de salto. Sempre de salto.

As duas brindaram.

E, sem saber, Elena estava prestes a viver os dias mais intensos — e surpreendentes — da sua vida.

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Comments

Mara Lessa

Mara Lessa

ADOROOO NOVELA DE MULHER SE SUPERANDO E DANDO A VOLTA POR CIMA 👏👏👏👏👏😍😍😍😍

2025-05-24

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