CEO do Meu Coração
Aos vinte e três anos, Elena Cupertini achava que já tinha visto de tudo. Filha única de uma costureira sonhadora e um pai ausente desde a infância, ela aprendeu cedo a confiar apenas em si mesma. Cresceu vendo a mãe transformar tecidos simples em vestidos elegantes, com as mãos ágeis e olhos cheios de esperança. Foi assim que Elena aprendeu que, com esforço, até a vida mais modesta pode ser costurada em algo belo.
Na infância, brincava com retalhos no chão da sala enquanto a mãe costurava para fora, sonhando em abrir um ateliê que nunca saiu do papel. A ausência paterna deixou marcas, mas também fortaleceu a ligação entre mãe e filha. Elas dividiam segredos, receitas, sonhos e silêncios. Elena cresceu rápida demais, madura demais. Aos quinze, já fazia pequenos bicos dando aulas de reforço a crianças da vizinhança para ajudar nas contas de casa. Nunca gostou de depender de ninguém. Nunca pôde.
Aos dezoito, entrou em uma faculdade pública de Administração. Não era seu sonho — ela gostaria de ter estudado Letras, ou Psicologia —, mas era o curso que prometia emprego e estabilidade. Durante as aulas noturnas, voltava para casa com os olhos pesando de sono e a cabeça fervendo de ideias. Trabalhava de manhã, estudava à noite, cuidava da mãe nos intervalos. Nunca teve tempo para festas, para amores passageiros. Até que conheceu Thomas.
Ele era dois anos mais velho, cursava o último período quando ela entrou. Era o tipo de pessoa que dominava uma sala sem esforço. Alto, boa aparência, voz firme, sempre cercado de amigos e colegas. Parecia seguro de si, confiante, quase inalcançável. Elena, tímida, achava que ele jamais a notaria. Mas notou.
O primeiro contato foi simples: ela deixou cair um fichário no corredor, e ele ajudou a juntar as folhas. Fez uma piada qualquer, sorriu, e ela, corada, agradeceu sem conseguir olhar diretamente nos olhos dele. Nos dias seguintes, ele passou a cumprimentá-la com acenos discretos, depois com palavras, até que um dia, a convidou para um café depois da aula. Ela quase recusou. Não estava acostumada a ser notada. Mas algo no jeito dele — atencioso, direto, gentil — a convenceu.
Os encontros se tornaram frequentes. Ele ouvia suas histórias com atenção, fazia perguntas sobre sua vida, ria de suas piadas. Nunca a fez sentir pequena. Pelo contrário: dizia que ela era brilhante, determinada, especial. E pela primeira vez, Elena acreditou que talvez merecesse ser amada. Era a primeira vez que alguém a via inteira, com todas as cicatrizes e fragilidades.
O relacionamento evoluiu rápido. Em seis meses, estavam namorando oficialmente. Ele a levou para conhecer a mãe, uma mulher elegante e prática, que aprovou Elena de imediato. Com o tempo, ela também passou a frequentar a casa dele, ajudando nas tarefas, cozinhando aos domingos, cuidando das pequenas coisas. Thomas era gentil, prestativo, um pouco distraído, mas sempre presente. Nas redes sociais, compartilhava fotos dos dois com legendas românticas. Dizia que ela era a mulher da vida dele.
Com o tempo, vieram os planos: economizar para viajar, terminar a faculdade, buscar bons empregos. Quando ele conseguiu uma vaga em uma agência de publicidade, comemoraram com pizza e vinho barato no chão da sala. Depois, vieram os pedidos: um anel de noivado simples, comprado com esforço, entregue em um restaurante com vela improvisada. Elena chorou de emoção. Disse sim, mesmo sabendo que o casamento ainda demoraria. Eles queriam estabilidade, conforto. Algo sólido.
E, como sempre, ela entendeu. Elena sempre entendeu. Entendeu quando ele passava dias sem responder, alegando cansaço. Entendeu os finais de semana ocupados com reuniões. Entendeu os olhares vagos, as conversas cortadas, os sorrisos que pareciam não alcançá-la mais. Queria acreditar que era só uma fase. Que o amor deles resistiria. Porque era real. Pelo menos para ela.
Ela morava em um pequeno apartamento alugado na Zona Oeste, dividido entre prateleiras de livros, plantas em potes improvisados e molduras com frases motivacionais que, às vezes, ela mesma não acreditava. Tinha uma rotina cronometrada entre o trabalho como auxiliar em um cursinho pré-vestibular e os estudos para oportunidades melhores. Nada na vida de Elena veio fácil — e talvez por isso ela valorizasse tanto cada conquista.
Naquela terça-feira de maio, o céu estava coberto de nuvens pesadas, ameaçando chuva. Elena havia saído mais cedo do cursinho, animada. Dois dias antes de completar 24 anos e, pela primeira vez, sentia que algo grande estava prestes a acontecer. Passara pelas duas primeiras fases da seleção de uma das maiores empresas de consultoria do país, a Ambrosia Global, e fora chamada para uma entrevista final dali a dois dias. Era sua chance de mudar de vida.
Seu coração batia mais rápido só de imaginar o que viria. Salário fixo, benefícios, um crachá com o próprio nome — essas coisas que pareciam pequenas para tanta gente, para ela eram quase um sonho. Decidiu, então, passar numa pequena confeitaria de esquina, onde comprou o brownie preferido de Thomas. Ele gostava do de Nutella, com bordas crocantes. Aquilo era só um gesto, um carinho sem motivo, mas Elena sempre acreditou nos detalhes.
Com o pacotinho de brownie nas mãos, ela decidiu fazer uma surpresa. Subiria até o apartamento dele — onde já tinha livre acesso — e o esperaria com um sorriso e talvez até um beijo longo. Queria partilhar a boa notícia da entrevista e comemorar, mesmo que de um jeito simples.
O prédio onde ele morava era antigo, mas bem conservado. O zelador já a conhecia, e ela entrou sem ser questionada. Subiu as escadas com pressa, o coração leve. A chuva fina começou a cair lá fora, riscando as janelas com delicadeza.
Quando chegou ao andar, notou a porta do apartamento entreaberta. Aquilo a incomodou por um segundo — Thomas sempre foi metódico com segurança. Mas ela ignorou o pressentimento. Devia estar distraído, como sempre. Chamou por ele, uma vez. Depois outra.
Silêncio.
Foi então que ouviu. Um som abafado, ritmado. Gemidos. Femininos. E então, uma voz grave, que ela conhecia bem. Thomas.
Um frio percorreu sua espinha, e tudo ao redor pareceu sumir. As paredes, o som da chuva, até o cheiro doce do brownie recém-comprado — tudo se dissolveu em um borrão enquanto ela, sem respirar, empurrou devagar a porta e entrou.
Cada passo parecia pesado, distante, como se não fosse ela caminhando. O corredor estreito do apartamento ecoava a trilha sonora da traição: sussurros, gemidos, o ranger do colchão.
A porta do quarto estava entreaberta. Bastou um leve empurrão para a realidade cair como um raio.
Ela viu pernas. Lençóis revirados. A pele nua de Thomas.
E outra mulher. Morena, cabelos curtos, unhas vermelhas arranhando suas costas.
O pacote do brownie escorregou de sua mão e caiu no chão, espalhando o aroma doce pela sala. Um som quase irônico, contrastando com o amargo que tomava conta de sua garganta.
Por um momento, ninguém notou sua presença. O mundo seguia girando, cruel e indiferente. Até que Thomas virou o rosto e a viu.
A expressão dele congelou. A da mulher, confusa.
— Elena? — ele disse, como se a culpa não estivesse ali, nua, diante dos olhos dela.
Elena não respondeu. Não chorou. Apenas olhou. Um olhar vazio, partido, tão calmo que doía. E então, virou as costas e saiu, sem dizer uma palavra.
A chuva engrossava do lado de fora, mas ela nem percebeu. Estava molhada por dentro. Encharcada por dentro. E pela primeira vez em muito tempo… perdida.
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Atualizado até capítulo 24
Comments
Marina lopes
que canalha,foi bom mostrar a face,lá na frente ia ser pior
2025-05-24
2
amalia de oliveira muniz
começando agora 16.06.25.
2025-06-16
0
Mara Lessa
COMEÇANDO A LER 24/05/25
2025-05-24
0