Esquecimento

As sapatilhas bastante desgastadas cobrindo seus pés produziam altos sons ao pisotearem as folhas secas no chão. As copas das árvores, em muitas de suas aberturas, permitiam que feixes da luz do sol adentrassem na floresta e tocassem na superfície da pele da garota. A jovem arrastava uma espada um pouco maior que ela. O objeto era pesado e pesava ainda mais a cada segundo, fazendo-a caminhar como se possuísse um problema nas costas. Seus cabelos soltos e embaraçados cobriam sua face e às vezes algumas mechas grudavam em sua testa devido ao suor. A barra do vestido sujo e rasgado roçava em suas panturrilhas com o movimento. Suas pernas doíam tanto que ela jurava que desmoronaria no passo seguinte. A única coisa que ainda era capaz de fazê-la ficar desperta era o barulho dos pássaros no alto. Por algum motivo aquilo a acalmava. Em determinado ponto, quando o número de árvores fora reduzido, assim como a quantidade de folhas secas debaixo de seus pés, a jovem saiu da floresta e se deparou com um campo que conseguiria lhe arrancar um suspiro se não estivesse imensamente cansada.

O campo se estendia por todos os lados e tomava todo o horizonte. O solo não era completamente plano, havia alguns poucos relevos e declínios. A jovem estreitou as vistas para ter uma imagem mais nítida e notou que havia uma casinha ao longe. Ela atravessou o campo. O sol castigava toda a área com seu calor incessante que nem mesmo as mais fortes e refrescantes ventanias seriam capazes de amenizar. A grama sob ela pinicava seu calcanhar. A medida que se aproximava, a visão da jovem era ampliada e ela conseguia captar as formas com perfeição. Bem em frente à casa, na verdade, era uma casinha bem apertada com tábuas irregulares para construir as paredes e o telhado, havia um homem velho moribundo sentado num tronco com as pernas cruzadas e os braços cruzados. O olhar dele pousou na jovem no momento em que ela estava a dez passos de distância dele.

— Olá! — o velho sorriu, enrugando seu rosto com várias manchas devido à idade, principalmente ao redor dos olhos. As vestes dele combinavam com a situação de sua morada. — Quem és e o que buscas?

A jovem fincou a espada no solo e apoiou a mão sobre o cabo, apoiando todo seu corpo e soltando um suspiro. Ela passou as mãos pelos cabelos exageradamente frisados os jogando para trás e tendo uma visão limpa da paisagem.

— Eu não sei. — Respondeu ela.

— Oh, que intrigante — o velho soltou uma risada fraca e rouca. — Não sabe quem és ou o que buscas, mas carrega consigo uma arma usada.

Ela abaixou a cabeça mirando sua visão para a espada ao lado do corpo dela. Era uma espada de ferro impiedosamente afiada com detalhes vívidos em seu interior pintados com sangue seco. O cabo de bronze refletia a luz solar.

— Eram muitos homens, eles me cercaram...

— Imagino o fim trágico para cada um deles.

— Quando acabei, ignorei todos os cadáveres e atravessei campos extensos até chegar aqui.

— Não sabe o que buscas ou não se recorda?

A indagação obrigou as engrenagens de sua mente trabalharem freneticamente. A jovem pressionou as têmporas com os dedos quando uma terrível dor de cabeça a alcançou.

— Isso é frustrante. — Ela encarou o velho que sorria como se estivesse em divertimento com sua situação. — Quem é você?

— Quem sou eu... ? — ele repuxou os lábios e apertou os olhos para refletir. — Estou aqui há muito tempo. Faz três décadas que ninguém me chama pelo nome, faz tanto tempo que até eu mesmo acabei deixando meu nome de lado.

— Então somos dois.

O velho riu mais alto dessa vez e, por ter feito tal esforço, começou a tossir como um cão que acabara de engasgar com um osso.

— Que intrigante, que intrigante. — O velho pousou uma das mãos no joelho e a outra no peito puxando o máximo de ar para seus pulmões e relaxando os ombros.

De repente, bem no instante em que ela fitou a imensidão do firmamento azulado, sua dor de cabeça ganhou mais força. A jovem ainda tentava se lembrar de algo.

"Eva."

Uma voz familiar e ao mesmo tempo desconhecida brotou em seu consciente. Uma voz pode denunciar muitas coisas sobre seu dono como o tom e a vibração, entretanto esta que se espalhava em sua mente era verdadeiramente inconsistente.

"Eva."

Quem é Eva? Pensou ela olhando de um lado para o outro como se o dono da voz estivesse ao seu lado.

"Eva, que nome lindo."

Eva sou eu?

As lembranças rapidamente a atingiram com tanta brutalidade que ela caiu de joelhos sentando sobre as pernas. Foi então que a voz se tornou clara e sólida. Eva a conhecia perfeitamente.

"Você pode se esquecer de suas origens, pode esquecer de todos os rostos que já viu e pode se esquecer até mesmo do mundo inteiro, mas nunca se esqueça de quem você é debaixo da pele."

— Você está bem? — o velho tombou a cabeça para o lado, ainda sustentando seu sorriso idoso brincalhão.

— Eva... — disse ela subitamente. — Meu nome é Eva.

— Oh! Então, Eva, eu estou sozinho novamente. — O velho voltou a rir de forma escandalosa como se tivesse escutado a piada mais extravagante do mundo.

Eva se ergueu apoiando-se no cabo da espada. Seus dedos se fecharam em volta do cabo e enrijeceu os músculos do braço para tirar a lâmina da terra. O velho parou de rir quando se deparou com os olhos dela, que agora já estavam mais vazios, eles estavam escuros. Aquele homem nunca vira uma floresta negra, mas se ele pudesse imaginá-la certamente seria algo como aquilo.

— Qual é o local mais próximo daqui? — Perguntou ela com uma voz firme e decidida.

— Bem — o velho apertou os olhos e bateu de leve o indicador contra a testa, depois apontou para o horizonte. — Há um reino a dez dias daqui.

Eva passou pelo velho, sem arrastar a espada. Agora sua arma estava leve.

— Há pequenas fazendas no caminho, espero que um fazendeiro simpático lhe empreste um cavalo — o velho olhou para a espada ensanguentada que poderia corta-lo pelo simples fato de admira-la e depois se voltou novamente para o rosto da jovem. — Oh, seja ele simpático ou não, com certeza lhe dará um cavalo.

Eva seguiu em frente.

Agora com suas lembranças em ordem, ela sabia o porquê de estar ali. Tinha uma missão a cumprir.

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