Perquirição ao misticismo

Devido ao trágico acontecimento com o velho bonzinho, que teve seus membros revirados, sendo possível ver seus ossos saltando da pele, os moradores entenderam a mensagem e seguiram as ordens, caso contrário o destino de todos seria o mesmo. O vilarejo nunca teve um líder de fato, mas agora pertencia àquela mulher vestida de horror e violência. Estavam à mercê daquele grupo, somente tinham permissão para fazer o que fosse ordenado. Quando a estranha misteriosa e sua suposta criança estavam no recinto, ninguém ousava falar ou até mesmo respirar. O homem gigantesco nunca estava presente, porém era de conhecimento coletivo que com certeza o monstro encontraria qualquer um que tentasse fugir.

A tragédia, por fim, alcançou a família da pequena Eva. Dentre todas as casas, a mulher e o garoto escolheram a dela para morarem. Eva e seus pais se tornaram prisioneiros em sua própria morada, sendo obrigados a servir os hóspedes indesejados como escravos. A garotinha poderia não ter idade o suficiente para entender o que estava acontecendo, mas sabia exatamente o que estava em risco. Os primeiros dias foram lentos, toda noite eles se sentavam à mesa para apreciar o jantar, mesmo que a fome fosse a última coisa que os pais de Eva estivessem sentindo. O menino devorava o conteúdo em seu prato sem retirar o capuz, já a mulher ficava encarando seu prato vazio, pois nunca sentia fome.

Certa vez, o pai, revoltado, começou a encarar a mulher durante os jantares como se estivesse a desafiando. A mãe de Eva ficava segurando o ombro dele, aconselhando o marido a desistir de confrontar a ameaça. A imagem do velhinho retorcido era um lembrete inesquecível.

— Qual é o propósito? — o pai empurrou o prato com sobras para o lado.

O garoto se manifestou socando a mesa com ambos os punhos.

— Não se dirija a minha senhora, porco imundo.

— A pergunta não foi para você — seu pai bufou com desprezo para a criança. — Nosso povo obedeceu, ficamos quietos, vocês estão aqui tempo demais. O que você quer?

Em seu canto, apenas observando enquanto era abraçada pela mãe, Eva assistia seu pai discutindo com duas figuras encapuzadas que pareciam nem sequer existir. A mulher tocou na cabeça do garoto, fazendo-o ficar quieto, ela se inclinou dando atenção para o questionamento.

— Creio que não seja de seu conhecimento, mas existe algo a mais na natureza humana contrastando com a fragilidade da espécie.

— Isso não faz o menor sentido. — O pai franziu o cenho, as veias saltavam de sua testa.

— É impossível compreender, apenas alguns de vocês se sobressaem, são poucos — a estranha gesticulou, mostrando seus dedos ossudos e longos. — Eis o motivo de minha vista, irei forçar a ascensão de um indivíduo comum para alcançar o ápice.

O pai se levantou, jogando a cadeira para longe.

— O que é você? Uma mulher que enlouqueceu?

A estranha misteriosa deu a volta na mesa, parando ao lado do pai de Eva, ela conseguia ser mais alta que ele, como uma coisa intocável. Com os dedos ossudos, tocou a face do homem. Os olhos dele quase escaparam, a boca se escancarou para um grito, mas ninguém ouviu nada. O pai caiu diante do mistério e permaneceu no chão com as mãos apoiadas na madeira como se suas pernas já não conseguissem exercer mais sua função. Eva assistiu a mulher pegar uma corda e envolve-la ao redor do pescoço de seu pai e logo em seguida entregá-la ao garoto. Aterrorizada, a menina se voltou para a mãe que estava com a cabeça baixa contendo alguns soluços. O garoto puxou a corda arrastando o homem que agora era tratado como um cão, sem voz, sem movimentos nas pernas, apenas grunhindo repetindo falhas tentativas de soltar alguma palavra.

— Já basta! — a mãe arremessou o prato para longe desperdiçando a refeição após dizer tantas vezes para a filha jamais fazer isso.

— A única regra era obediência incondicional, por que estão fazendo o oposto? — a mulher parecia decepcionada mesmo que sua voz continuasse aveludada.

A mãe de Eva se afastou para apanhar uma faca sobre um barril e ergue-la na direção da hóspede com movimentos trêmulos.

— Quando criança escutei histórias sobre gente como você... Bruxas... — se aproximava lentamente enquanto lágrimas molhavam suas bochechas. — Não seremos escravizados, somos livres, somos descendentes da rainha Everly e jamais deixaremos a violência e o ódio se manifestar em nossas vidas, somos livr-

— Chronos! — exclamou a estranha misteriosa interrompendo-a.

Eva não entendia o que aquela palavra significava, mas compreedia que sua exclamação trazia apenas um mau presságio. Primeiro era possível ouvir o silêncio acompanhado pelos grunhidos do pai e a respiração sufocada da mãe, depois passos pesados como os de um grande animal, outra pessoa adentrou o recinto. Era o homem titânico que precisou quebrar a porta para que fosse possível entrar. Uma coisa imensa coberta por um manto. Eva notou um detalhe quando o homem ou a criatura passou por ela, era possível ouvir o som de um relógio. O monstro agarrou os cabelos da mãe e a arrastou até os fundos da casa destruindo tudo no caminho até que os dois desaparecessem no breu. Eva não moveu um único músculo, estava encarando o prato ainda com muita comida. A menina começou a chorar cobrindo a boca enquanto seu pai fazia barulhos estranhos aos pés da mesa sendo tratado como um cão pelo garoto e sua mãe gritava, seus gritos eram intensos e chegava a doer dentro da alma de Eva, o monstro estava machucando ela no escuro.

— Observe, oh pequeno criança.

Eva acompanhou os movimentos da mulher quando ela puxou uma caneca larga que muitas vezes viu seu pai virar na boca tomando bebida de adulto, a estranha misteriosa passou a unha torta do polegar no próprio pulso e despejou algo dentro do recipiente. A caneca foi empurrada na direção da garota. Ela balançou a cabeça negativamente, não iria beber aquilo. As unhas da mulher começaram a tamborilar contra a mesa demonstrando impaciência. Com a visão embaçada pelas lágrimas, a menina envolveu as mãos na caneca se recusando olhar para o conteúdo. Virou o líquido de uma única vez engolindo rapidamente para que não tivesse chance de sentir o gosto sem perder de vista aquela que a subjulgava, era impossível ver o rosto dela, se resumia a pura escuridão por detrás do capuz.

A criança caiu da cadeira repentinamente enquanto seu corpo chacoalhava sendo presenteada a mais pura dor, era como se sua pele estivesse sendo rasgada de dentro para fora, ainda que estivesse em plena agonia, a garota sentia tristeza pelos gritos da mãe agora tão fracos ou os grunhidos do pai tão melancólicos. Sua visão escureceu aos poucos. O seu pequeno corpo fora tirado do chão, a mulher estava carregando-a.

— Normalmente, eles perdem a vida em poucos segundos, mas você é diferente. — A mão fria da mulher pousou em sua bochecha. — Não tenho controle absoluto sobre os resultados, tenho muito a aprender como funciona e interage. Aprenderemos juntas, minha doce menina.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!